Cerca de seis anos depois do início da guerra civil Síria, os Estados Unidos levaram a cabo o primeiro ataque direto contra as forças de Bashar al-Assad. O alvo foi a base aérea de Shayrat, segunda maior da Síria e de onde se acredita terem vindo os aviões responsáveis pelos ataques químicos que vitimaram civis na semana passada.

O primeiro comunicado do exército sírio revelou que o ataque à base aérea ocorreu às 3h42, hora local, e que causou “enormes danos materiais”. O responsável disse que havia seis mortos, mas o Observatório Sírio para os Direitos Humanos já dá conta de sete baixas entre os militares.

A SANA, agência noticiosa oficial do regime sírio, fala ainda de nove civis mortos perto da base, quatro dos quais crianças.

Trump quer deter o “uso de armas químicas mortíferas”

Os 59 mísseis lançados contra as forças de Assad vieram de dois navios da marinha americana, algures no Mediterrâneo.

Donald Trump justificou o ataque como uma forma de deter o “uso de armas químicas mortíferas”. O presidente americano falou do ataque químico da semana passada, responsabilizando o “ditador” Bashar al-Assad por sufocar “as vidas de incontáveis homens, mulheres e crianças”. Trump pediu a “todas as nações civilizadas” que se unissem para acabar com a “carnificina” e com o “terrorismo de todos os géneros”.

Segundo o “Washington Post”, o ataque americano veio depois de 48 horas de deliberação.

Já durante o dia de quinta-feira, a administração Trump tinha indicado uma mudança de posição em relação ao regime de Assad. O secretário de Estado Rex Tillerson tinha revelado que os Estados Unidos estavam a considerar uma “resposta apropriada” ao ataque químico atribuído ao regime sírio.

Rússia condena ataque, Europa apoia os EUA

Primeiro míssil depois do ataque

Às 10h41, hora local síria, foi visto um míssil na área de Khan Shaykhun, onde decorreu o ataque químico da semana passada. Não se sabe se pertencia às forças russas ou ao regime sírio. O Observatório Sírio dos Direitos Humanos revela que o ataque causou danos materiais, mas ainda não há informações sobre as baixas.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas tem reunião marcada às 16h30, hora portuguesa, para discutir o ataque.

A reunião foi pedida pela Rússia, aliada de Assad. O Kremlin condenou veementemente as ações das forças americanas. Segundo a CNN, o governo americano terá avisado a Rússia do ataque, mas Vladimir Putin fala de um ato “irresponsável” e de “agressão” que viola as leis internacionais. Também o Irão se manifestou contra o ataque americano.

Do outro lado da barricada estão o Reino Unido, o Canadá, a Austrália, França, Alemanha, a Turquia, o Japão e a Arábia Saudita, bem como Espanha e Itália, que já apoiaram publicamente a decisão do governo americano. Donald Tusk, do Conselho Europeu, falou de uma “resolução necessária” a um ataque químico “bárbaro”. Também o Exército Livre da Síria considerou a investida americana uma “solução justa” face à alegada brutalidade do regime.

Em Portugal, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, diz que o país “compreende as posições dos seus aliados, que são posições que procuram medidas de retaliação a crimes de guerra”. Mas também espera pelas discussões do Conselho de Segurança da ONU e pelas posições dos aliados europeus.

O Secretário Geral da ONU, António Guterres, apelou às forças internacionais para “evitarem atos que possam aprofundar o sofrimento do povo sírio”.

“Difícil prever mais violência do que a atual”

Teresa Cierco Gomes, do departamento de Relações Internacionais na Faculdade de Letras do Porto, diz que é difícil afirmar se o ataque vai levar a uma escalada de violência. “Violência já existe há bastante tempo”, defende, “a escalada é a que todos conhecemos, e o regime tem sido um dos principais incentivadores”.

Também António Monteiro, diplomata e antigo alto comissário da ONU, diz que é “difícil prever mais violência do que a atual”.

A docente acrescenta que a Rússia “não tem moral” para condenar o ataque. Este não é sequer, para Cierco Gomes, um “fim da lua de mel” entre a administração Trump e o Kremlin. A perita em Relações Internacionais defende que a proximidade entre os dois governos é apenas um conceito promovido pelos media norte-americanos, e que já houve um claro acerto da administração Trump e do próprio Putin em contrário. “A intervenção militar não traz nada de novo neste aspeto”, reitera a especialista. António Monteiro salienta que este ataque acaba por beneficiar o próprio presidente Trump, que fica liberto das “suspeitas” de ligação aos russos que têm ensombrado o seu mandato.

Embora sublinhe que “tudo pode acontecer” nas relações internacionais, Teresa Cierco Gomes não acha que a Rússia vá deixar cair o regime de Bashar al-Assad. Há uma convergência de interesses que é “claramente antiocidente, anti Estados Unidos”. As sanções e a situação com a Ucrânia criaram um Putin que já “não está muito interessado” em manter boas relações com os países europeus. E para a especialista, a posição da Rússia face ao ataque só vem cimentar o status quo: “de um lado a Rússia e os seus aliados, de outro lado os estados europeus”.

Da ONU, Cierco Gomes espera “o costume”. Uma declaração a condenar a violação do direito internacional, caso ela tenha existido. De resto, salienta que a organização “não pode fazer muito mais” e que o seu papel passa só por velar pelo respeito às leis internacionais. É aí que a opinião de António Monteiro difere da da especialista. Embora advirta que uma solução pacífica para o problema da Síria “não será fácil”, defende que é no Concelho de Segurança da ONU que reside a “melhor esperança”  de resolver a situação do país. Conseguir uma posição de unanimidade sob a qual agir seria um importante passo para fugir dos atos de “crime contra a humanidade” que têm ocorrido na Síria.