Uns são mais novos, outros têm mais anos de experiência. Em comum têm as memórias criadas nas faculdades. O JPN abriu o baú de recordações de cinco seguranças da Universidade do Porto.

Nem só de alunos e professores se faz a faculdade. Há seguranças que já são quase prata da casa. Veem os estudantes a crescer e as gerações a mudar. Constroem amizades e memórias improváveis. São caras familiares que podiam escrever um livro de peripécias que surgem dentro das paredes da Universidade do Porto. O JPN foi conhecer as histórias e os homens que existem por detrás da farda.

José Caetano trabalha na FEUP há sete anos. Foto: Ana Catarina Peixoto

Quem sobe os degraus para a biblioteca da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) encontra, logo à entrada, uma cara familiar. José Caetano está lá há sete anos. Já foi subgerente de uma livraria de livros técnicos na Baixa, mas agora o contacto com os livros é partilhado com uma nova missão.

Ser segurança na biblioteca é um “posto muito especial”, em que “acontece de tudo”. Em época de exames, é habitual os alunos ficarem até mais tarde na biblioteca e é José quem se certifica que tudo corre bem e que “ninguém fica aqui fechado”.

Há uma boa relação de empatia entre o segurança e os professores da faculdade. Aqui “fazem-se grandes amigos”. “Eu conheço pessoas que já são engenheiras e passam aí, às vezes estão aqui a trabalhar, e eu falo com eles na maior. Já tive casos aqui complicados e que hoje não se passa nada”, explica.

Alguns estudantes já convidaram José para o habitual FEUP Café, uma atividade realizada pela associação de estudantes. Mas, para o segurança, esses tempos já lá vão: “Isso já acabou, não é para a minha idade”. No entanto, admite que talvez este ano dê um salto à Queima das Fitas. Já não passa por lá há uma década e as saudades apertam.

Sérgio Almeida trabalha na FEP há nove anos. A Lady está lá há 20. Foto: Ana Catarina Peixoto

Ainda no pólo universitário, espreitam várias histórias à entrada das faculdades. Num canto recatado da receção da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), vêem-se pequenas tigelas com comida. Há 20 anos que a FEP tem uma mascote: a cadela Lady. Apareceu lá com meio ano e nunca mais foi embora. Quem cuida dela são os seguranças: “Damos-lhe de comer, damos-lhe banho… Damos-lhe tudo”, conta Sérgio Almeida, que lá trabalha há nove anos.

A Lady, que antigamente “ajudava muito na segurança”, agora faz “parte da mobília”. A mascote já é popular, dentro e fora das portas da FEP: “Já se candidatou a diretora da faculdade, mas não conseguiu ganhar. Mas está forte para a próxima eleição”, diz Sérgio, rindo.

O segurança acredita ter uma boa relação com os alunos. Conversam sobre futebol, sobre o curso e, com o tempo, “uma pessoa começa a conhecê-los bem”, revela. “Há um aluno que já acabou há alguns anos que tenho-o como grande amigo. Sempre que vem aqui dá-me um abraço, pergunta se está tudo bem. Isso é normal. Só que a gente não mistura as coisas: trabalho é trabalho, conhaque é conhaque”, explica Sérgio.

Mas dentro da universidade, há uma altura especial em que Sérgio despe a pele de segurança: na FEP League. “A FEP League é uma competição que a FEP faz há muitos anos e nós há três anos que temos uma equipa de funcionários. Na nossa equipa, temos alguns alunos, porque o nosso leque para recrutar jogadores não é muito elevado”. Há uma “rivalidade saudável” entre as equipas, diz, rindo: “A gente gosta de mandar umas ‘boquitas’ e tal. Ali nós não somos funcionários, somos pessoas normais”.

Rui Castro trabalha na FMUP há quatro anos. Foto: Ana Catarina Peixoto

A área de eleição de Rui Castro é outra. Apaixonado pelo cinema, o segurança da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), aproveita todas as oportunidades que tem para ir às sessões organizadas pela associação de estudantes ou por alguns professores.

Foi, aliás, na FMUP que descobriu a outra faceta de um dos cinéfilos que seguia: “O doutor Roma Torres é um crítico de cinema que conheço há 40 anos. Só que eu lia as críticas dele e nunca imaginei que fosse psiquiatra. Aos 20 anos, gostava de cinema de autor, de cinema europeu e ele influenciou-me muito. E encontrei-o aqui, passados uns anos largos”.

Através da literatura de Miguel Torga, o segurança encontrou outra forma de estar em contacto com a comunidade. Rui tem consigo cerca de 400 textos retirados dos diários do escritor: “Li os diários e estava a gostar tanto daquilo que comecei a selecionar textos”.

E como o que é bom deve ser partilhado, Rui teve a ideia de enviar os trechos preferidos por e-mail: “Quando dei por ela, tinha aqui vinte e tal pessoas nos destinatários: professores, um ou outro aluno. Durante dois ou três anos enviei os textos selecionados por mim. Todas as semanas, naqueles períodos mais calmos, estava ali a escrever”.

Rui está exatamente onde quer estar, perto dos professores e dos alunos, com quem partilha “relações de confiança”: “É um orgulho trabalhar aqui na FMUP. Aliás, há um ano e tal despedi-me da outra empresa de segurança que aqui estava porque era outra que ia entrar. Então passei para a outra. E agora, daqui a um mês e tal, vou fazer o mesmo. Para poder continuar aqui”.

Jorge Macedo trabalha no pólo de CC há quatro anos. Esteve na FDUP durante 12. Foto: Ana Catarina Peixoto

Jorge Macedo tem sempre, na ponta da língua, uma história a contar. Está no pólo de Ciências da Comunicação da UP há quatro anos. Mas o seu percurso como segurança nas faculdades é bem mais longo: 12 anos na Faculdade de Direito e uma breve passagem de 15 dias na Faculdade de Desporto. Ainda hoje conhece todas as chaves das salas da FDUP.

Entre muitas peripécias, Jorge revela que já chegou a ir comprar comida para um grupo de estudantes de praxe que “estavam em baixo” e, por ser muito tarde, não podiam entrar na faculdade. “Eu é que pagava do meu bolso para elas. Não queria dinheiro nenhum, eu ia lá dentro buscar batatas fritas, trazia-lhes sumos, oferecia-lhes e depois elas ficavam todas contentes”, conta.

A atitude do segurança e a boa relação que mantém com os estudantes já lhe valeu várias cartas de recomendação, incluindo do Orfeão Universitário do Porto e do Núcleo de Etnografia e Folclore da Universidade do Porto. O segurança admite que ele foi um caso único e que “nunca tinha ouvido dizer que fizessem cartas de recomendação para os seguranças”.

Já foram muitos os estudantes que viu passarem pela faculdade. Agora, até fora das paredes da universidade e sem a farda de segurança, é reconhecido pelos alunos. Já aconteceu em Zamora, em Viana do Castelo e na Figueira da Foz. “Há coisas muito interessantes, como eu ir para algum lado e estarem-me a bater nas costas ou eu ir no passeio e do outro lado ouvir ‘Ó Senhor Jorge!’. E ires a Espanha e passa-te um jipe com quatro ou cinco estudantes a chamar por ti”, explica o segurança, entre risos.

Daniel Anjos trabalha na FDUP há dez anos. Foto: Ana Catarina Peixoto

Jorge Macedo trabalhou, durante muitos anos, lado a lado com Daniel Anjos. Hoje estão em edifícios separados, mas a amizade fica. Vai fazer dez anos que Daniel está à porta da Faculdade de Direito. A empresa em que trabalha já o tentou tirar de lá, mas a faculdade exigiu que voltasse. Não esconde que se dá muito bem com os alunos e com os professores.

O segurança vai aos almoços de Natal da faculdade e aos churrascos dos alunos. Até já chegou a estar nos jantares de praxe feitos no bar da faculdade: “Eles faziam mais a festa a nós, que estávamos a fazer o nosso turno da noite, do que propriamente aos alunos. Tenho uma relação muito boa com eles”.

Já fez bons amigos dentro da faculdade. E alguns continuaram, fora dela: “Um aluno estudou aqui enquanto eu cá estava e agora é meu advogado”.

Nos seus turnos, Daniel nunca apanhou muitos sustos. Mas já deu alguns: “Uma ocasião, de madrugada, comecei a fazer a ronda e senti barulho na associação de estudantes. Estava escuro e assustei-me um bocado. Fui ao carro buscar um pau, peguei na lanterna, fui sorrateiro por lá dentro e encontrei um casalinho a namorar no sofá. Quando me viram, assustaram-se e fugiram logo”, conta, entre risos.

Mas nem só de alunos e professores é feita uma faculdade. O segurança diz que foram várias as vezes que foi à faculdade, mesmo de folga: “Antes até cá passava a noite nas folgas, quando a AE tinha bilhar. Se um colega estivesse a fazer noites, vínhamos nós para a beira dele e vice-versa”, conclui.

Artigo editado por Rita Neves Costa