França vai novamente a votos este domingo. O próximo presidente da República será Emmanuel Macron ou Marine Le Pen. O sociólogo Jean Rabot diz que "a escolha é entre o menor mal".

Este fim-de-semana, os franceses escolhem o próximo presidente. Emmanuel Macron e Marine Le Pen vão a votos numa França onde “a escolha é entre o menor mal”, diz Jean Rabot, francês e docente de Sociologia no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho (ICS UMinho). Ainda assim, o sociólogo acrescenta que a “os franceses não vão cair” nas mentiras de Le Pen. Emmanuel Macron foi o candidato mais votado na primeira volta, com 23,9% dos votos. Le Pen, líder da Frente Nacional, chegou a 21,4% dos eleitores.

O balanço

Para João Miguel Carvalho, professor no departamento de Ciência Política do ISCTE em Lisboa, o debate “não deve ter servido para acrescentar grande esclarecimento” à discussão, “uma vez que foi uma troca de acusações pessoais”. Do seu ponto de vista, serviu para demonstrar “um pouco dos limites da campanha de Marine, que, tendo uma oportunidade bastante clara de expor o seu programa e as ideias da Frente Nacional, preferiu enveredar por uma campanha de difamação do seu principal rival, o Macron”.

Segundo Jean Rabot, docente do ICS UMinho, no decorrer da campanha eleitoral Le Pen criou uma imagem de Macron como “o homem das finanças” e, assim, “um homem desonesto, um homem como todos os financeiros, banqueiros que arruinaram parte dos países europeus e também da América do Norte”. O facto de ter trazido à discussão pública o assunto de uma suposta conta offshore do seu adversário serviu para reforçar esta ideia e a “de Macron como uma ave de rapina”.

Para João Carvalho, Le Pen procura “personalizar muito a votação e acusar Macron de ser o líder do mundialismo, que vai vender a França ao estrangeiro: Macron ligado a fundamentalistas islâmicos, Macron com contas nas Bahamas em offshore…”.”E perdeu no meio disto tudo uma oportunidade de avançar as ideias da Frente Nacional, de avançar o programa preparando o caminho para as legislativas”, acrescenta. Faltando isso, o professor crê que “o debate não ajudou a esclarecer muito” e “não vai provocar grandes alterações de voto” para as presidenciais.

“Marine Le Pen perdeu a oportunidade de apresentar as ideias da Frente Nacional”

Marine Le Pen conseguiu reunir o voto feminino. Foto: Rémi Noyon/ Flickr

“Os eleitores de Marine normalmente caracterizam-se por altos índices de lealdade eleitoral, portanto não acredito que Marine vá sofrer uma erosão eleitoral na segunda volta em relação à primeira, mas sim fidelizar os seus eleitores. Agora o problema de Marine é conseguir alargar a sua votação para além dos eleitores da Frente Nacional e do outro candidato com quem ela se aliou para a segunda volta e que vai designar como primeiro-ministro [Nicolas Dupont-Aignan, do movimento Debout a France, candidato na primeira volta e o sexto mais votado]. Um candidato que teve 4% na primeira volta, mas que foi bastante importante para dividir o voto também de Fillon”.

De acordo com Jean-Martin Rabot, as mentiras de Le Pen são “um dos métodos de todo o político, que consiste em denegrir o outro”. A mentira é um “estratagema” que “faz parte do jogo” e, neste jogo, “Le Pen representaria o povo, o verdadeiro povo, a França profunda”. Mas, acredita o professor, “os franceses não vão cair nessa da Le Pen”, especialmente pelo ponto de vista económico que Macron trouxe a debate e no qual se “saiu melhor”.

“O que se espera é a vitória de Macron sobre Le Pen”

Sobre as mentiras que Marine Le Pen possa ter trazido para a troca de ideias, o professor João Carvalho fala em inverdades. Uma coisa ou outra, o que é certo é que não vão influenciar as intenções de voto dos franceses. A opinião é generalizada junto da comunidade especialista. Para Rabot, “isso não vai entrar em linha de conta”. “Le Pen vai perder as eleições, isso parece-me óbvio”, acrescenta. João Miguel Carvalho confia nas previsões: “O que se espera é a vitória de Macron sobre Le Pen, como tinha sido previsto nas sondagens já há algum tempo”.

Segundo a análise do professor do ISCTE, a vitória do centrista é esperada “pelo menos desde que François Fillon entrou em crise depois das acusações e dos inquéritos judiciais sobre a contratação de familiares”. “Fillon ganhou as primárias, teve ainda um auge de popularidade bastante elevado”, o que para o professor seria decisivo. “As previsões das sondagens eram de que haveria um duelo entre Le Pen e Fillon na segunda volta, mas depois dos inquéritos judiciais, foi Macron o principal beneficiário e ficou como principal favorito para ser o rival de Le Pen na segunda volta”.

“Macron beneficiou dos inquéritos judiciais a Fillon”

Emmanuel Macron já foi ministro da Economia, da Finança e da Indústria da França. Foto: Lorie Shaull/ Flickr

A eleição deste domingo é considerada uma das mais importantes na França, com duas visões opostas sobre a Europa e a moeda única. Enquanto Le Pen, líder da Frente Nacional, se propõe a fechar as fronteiras e a abandonar o euro, o candidato centrista Emmanuel Macron procura uma maior cooperação europeia, uma economia aberta e “trazer França para o século XXI”.

No que diz respeito ao programa de Le Pen, que inclui a saída da França da União Europeia e consequentemente da moeda única, Jean Rabot diz que não ficou bem definido. “A posição de Le Pen não é clara. Essa saída sempre esteve no programa, mas agora, para não perder uma parte do eleitorado pró-europeu ou que não se pronuncia a favor de uma saída, suavizou o seu discurso”. O professor relembra ainda: “Le Pen afirmou que uma eventual saída só se fará depois de um referendo”.

Quanto ao desempenho, o professor da Universidade do Minho distingue o desempenho de Macron como “muito superior” a Le Pen, cujos argumentos “eram vagos, incertos, superficiais”. “Do ponto de vista económico, Macron foi muito superior. Tinha um determinado plano, que apresentou. Já Le Pen prometia mundos e fundos, mas sem saber como proceder”, acrescenta.

Marine Le Pen e Trump – o paralelismo

Ainda sobre as promessas, Jean Rabot pensa que Le Pen usou “uma linguagem mais suave e mais vaga porque ela diz uma coisa e o seu contrário. Fez como o Trump, que parte das promessas que fez, não está a realizá-las. Primeiro quis dar cabo totalmente do Obamacare, agora já não o faz, vai alterar alguns pontos”.

Ainda assim, importa lembrar: Trump ganhou nos EUA. No entanto, João Carvalho frisa também que o atual presidente dos EUA perdeu as eleições no voto popular. O professor fala ainda do eleitorado: “Por exemplo, uma das características do eleitorado de Marine Le Pen foi que em 2012 o voto dos trabalhadores precários tinha sido em massa a favor do Partido Socialista francês. Em 2017, esse apoio transferiu-se, em grande parte, para Marine Le Pen. Um pouco como Trump conseguiu captar franjas mais populares de eleitorados que antes tinham votado democrata”.

Quanto às estratégias no debate, diz que se notaram semelhanças nas “faltas de verdades, de inseminar falsas verdades sobre o outro candidato para denegrir”.

O sociólogo Jean Rabot acrescenta as manifestações de descontentamento ao paralelismo: “Se Le Pen ganhasse as eleições, penso que uma parte dos franceses mostraria o seu descontentamento na rua, sem dúvida nenhuma. Haveria greves, haveria contestação. Isso é óbvio”.

E as parecenças continuam a sentir-se: “Se Le Pen ganhasse, o que é muito pouco provável, não conseguiria governar porque o Parlamento é-lhe hostil, não é de extrema-direita e mesmo que haja eleições legislativas a Frente Nacional nunca teria a maioria no parlamento, nunca na vida. Por isso, as medidas que eventualmente quisesse implementar, não o poderia fazer, seria impensável. Precisamente porque nunca terá o apoio do Parlamento”.

Os protestos  foram-se sentido ao longo da campanha. No último dia, Marine Le Pen teve de sair pelas traseiras durante a visita à Catedral de Reims.

Rabot aponta o medo ou o desconhecimento como fator influenciador: “Foi curiosa a maneira como Trump ganhou, porque isso aconteceu sem o apoio de parte do seu próprio partido. Perdeu nas grandes cidades e ganhou nas pequenas cidades do interior. Com Le Pen acontece mais ou menos isto. Le Pen não tem apoio nas grandes cidades. No campo e zonas rurais, onde os medos, mesmo que sejam ‘afantasmados’, existem”.

O voto feminino, para João Carvalho, tem também um lugar nestas eleições, que não teve enquanto Jean-Marie Le Pen esteve à frente do partido. “Marine Le Pen veio acrescentar grande parte do voto feminino, que em 2002 era completamente oposto à Frente Nacional. Desde que Marine ficou como líder do partido e se assumiu como feminista contra a opressão muçulmana e do Islão conseguiu captar o voto das mulheres que antes nunca tinha tido”.

“Marine Le Pen conseguiu captar o voto das mulheres”

Mas, acrescenta, havendo “um efeito tipo Trump aqui na Europa, ou na Frente Nacional, os resultados do partido são menos surpreendentes, se considerarmos o contexto altamente favorável em que decorrem estas eleições. No contexto da crise dos refugiados, ataques terroristas no solo francês… Toda uma série de fatores que deviam potenciar o voto da Frente Nacional e catapultar o voto no partido, e nós vemos é um crescimento ligeiro, significativo, mas ligeiro da Frente Nacional”. “Não é um crescimento exclusivo e inesperado, de certa forma”.

O paralelismo não será, então, total. João Carvalho relembra que “a Frente Nacional é um fator da paisagem política francesa incontornável, enquanto Trump foi uma surpresa”. O professor salienta que as mobilizações provam já algumas diferenças, e lembra o caso de 2002. “De certa forma, há um certo conformismo por Marine ter chegado à segunda volta, enquanto em 2002, quando o pai dela chegou à segunda volta, houve uma grande mobilização anti-fascista. Desta vez, a esquerda radical está bastante dividida porque tem de apoiar um banqueiro ou um fascista, Macron ou Marine”.

A escolha do “menor mal”

O professor de Sociologia da Universidade do Minho, Jean Rabot, resume a situação atual nas presidenciais francesas como um problema que não será só francês. “A política nunca é a escolha entre o bem e o mal. A maior parte das vezes, é a escolha entre o menor mal. E acho que na circunstância atual, o menor mal é o pró-europeu Macron. Ele é pró-europeu, tem uma visão institucional das coisas, não quer dar uma grande reviravolta. Pensa refundar a Europa, porque a Europa fundada na mera austeridade é uma Europa que perde a sua alma e que não consegue entusiasmar os seus cidadãos”.

Já Le Pen “destruiria todo o trabalho feito”. “Não se faz política com rancor puro e a Frente Nacional, a madame Le Pen, tal como o pai dela, é uma pessoa rancorosa e, com rancor, quer-se vingar e chegar ao poder a todo o custo, impor as suas ideias. E com rancor na política não se vai a parte nenhuma”.

Macron sobe nas sondagens

Emmanuel Macron continua à frente nas intenções de voto. A dois dias da segunda volta (sexta–feira) das eleições presidenciais em França, e naquele que foi o último dia de campanha para os candidatos, a empresa de sondagens Elabe indicou uma subida de três pontos para o centrista em relação à última sondagem.

A primeira sondagem da Elabe realizada depois do debate da última quarta-feira, apontava para os 62% das intenções de voto para Macron. Marine Le Pen ficava assim com 38% dos votos, de acordo com as mesmas previsões.

Os “premières” escolhidos

Macron anunciou esta sexta-feira que já decidiu quem será o seu primeiro-ministro se vencer a segunda volta das eleições francesas, mas indicou que o anúncio vai ser feito apenas depois da transferência de poderes, que deverá acontecer até 14 de maio. O candidato avançou também que ainda nem o escolhido está a par da decisão.

Por outro lado, Le Pen já tem o nome do seu primeiro-ministro: Nicolas Dupont-Aignan, do movimento Debout a France, candidato na primeira volta e o sexto mais votado.

Artigo editado por Rita Neves Costa