A exposição das capas dos álbuns da icónica editora discográfica Orfeu, criada por Arnaldo Trindade em 1956, vem relembrar atos corajosos em tempos difíceis para a liberdade em Portugal.

“As coisas bonitas têm que ser assunto sério e assim começou a Orfeu”. Estas foram algumas das palavras que o fundador da editora usou no discurso da inauguração da exposição para explicar o nascimento da Orfeu num contexto político e social conturbado do país. Adiantou que “era uma época muito difícil para se editarem os discos, porque a censura existia e punha toda a responsabilidade no editor”.

Numa fase inicial, a Orfeu começou por editar discos de poesia, de autores como Miguel Torga, José Régio e Alberto Serpa, mas, mais tarde evoluiu para a gravação de discos de cantores com a boca amordaçada pelo regime ditatorial: Adriano Correia de Oliveira, José Afonso ou Sérgio Godinho são alguns exemplos. A maioria destes álbuns foram alvo de censura, mas isso não demoveu Arnaldo Trindade de prosseguir com a editora, nem calou os artistas que lá gravavam as suas obras. A Orfeu fechou as portas em 1983, mas a sua identidade ficou gravada na história da cultura portuguesa.

A vertente revolucionária e audaz presente neste desfavorável contexto político-social é um aspeto com destaque na exposição, mas há outro lado que também foi afincadamente explorado pelo curador José Bártolo, investigador e professor na Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos (ESAD). A componente estética das capas dos discos é a principal atração e demonstra a evolução do design na indústria discográfica portuguesa.

No discurso de inauguração, José Bártolo explica que esta é a primeira exposição que dedicam à indústria discográfica, à edição, à produção e a todo o contexto envolvente. “Em relação à influência estética, interessou-nos perceber também a nossa inovação, mas também permeabilidade relativamente a influências externas”.

A ideia da exposição surgiu do próprio curador, mas é um trabalho de equipa que envolveu cerca de dez colecionadores particulares. A reunião de todo o material e a montagem demoraram um mês a estar concluídas, mas a parte da investigação que está por detrás requereu seis meses.

Relativamente ao design desenvolvido na época, José Bártolo esclarece que “é possível assistir a uma evolução de tendências gráficas nas capas da exposição. As capas dos primeiros anos da Orfeu são muito dominadas por uma influência da ilustração norte-americana e aí destaca-se o nome do Moreira Azevedo; nos anos 70, há uma renovação dos designers: pessoas como a Maria Keil, o José Brandão ou o José Santa Bárbara começam a assinar muitas capas.”

A inauguração ficou marcada por uma grande afluência de entusiastas e admiradores, tanto da Orfeu, como da história do design português na indústria discográfica.

Mário Rui, professor e grande apreciador do trabalho de Arnaldo Trindade, realça “o valor incalculável” do criador da Orfeu na luta contra a opressão da liberdade de expressão vivida no tempo da ditadura e considera que este tipo de exposições tem uma grande importância para relembrar o verdadeiro sentido de democracia.

Paralelamente à exposição, irão decorrer outras atividades, como momentos de tertúlia que juntarão colecionadores e artistas da Orfeu. As datas ainda estão por anunciar.

Artigo editado por Rita Neves Costa