Adriano Miranda queria ser escultor, mas pelo caminho tropeçou na fotografia e foi nela que encontrou forma de se expressar. Quando estudava, soterrou-se num projeto que consistia em documentar o dia de trabalho dos operários das Minas do Pejão, em Castelo de Paiva, e que lhe viria a dar fama de “fotógrafo dos mineiros”. Passados 25 anos, Adriano lança o livro “Carvão de Aço”. Apresentou-o no Instituto de Produção Cultural e Imagem, no Porto, esta quinta-feira. Atualmente é fotojornalista no jornal Público.

O livro foi lançado no passado 1º Maio, mas estas fotografias já têm 25 anos. Porquê que só agora foi publicado?
Olha, aconteceu! (risos). Foi em 1992 que fiz o trabalho, enquanto aluno de fotografia e depois, em 1994, esteve exposto no festival Encontros da Imagem, em Braga. Desde aí, ficou na gaveta, mas houve sempre vontade minha de publicar um livro com estas imagens, só que nunca surgiu a oportunidade. E o tempo foi passando, até que surgiu agora, a convite da Câmara Municipal de Castelo de Paiva. Achei por bem publicá-lo e, por um lado, o fator tempo veio-lhe dar outra importância.

Porquê?
As minas fecharam em 1994. Foi um encerramento dramático imposto pelo Governo da época em que ficaram milhares de pessoas no desemprego, numa zona deprimida por si só, uma zona que vivia à custa da mina e onde não havia mais nada. Houve casos de problemas sociais graves, como a fome e a emigração. Acabou por fechar e até hoje nunca mais se falou das Minas do Pejão. Agora, passados 25 anos, o tema voltou à esfera política à custa do “Carvão de Aço”, com ajuda da autarquia. Sempre houve também a vontade de fazer lá um museu do couto mineiro.

O facto de ter sido lançado no 1º de Maio teve algum significado?
Foi simbólico. Até foi proposta do vereador da Cultura (da Câmara Municipal de Castelo de Paiva) logo na primeira reunião. E claro que tem essa simbologia do Dia do Trabalhador. Eram operários, mineiros e, portanto, fazia todo o sentido.

Inicialmente, pretendia documentar a exploração infantil. É um assunto que lhe interessa particularmente?
Na altura, a minha intenção era essa. Claro que não houve ninguém que abrisse as portas, como é óbvio. É um assunto sensível e as empresas se têm exploração infantil não a mostram. É ilegal e ainda bem. Depois, a única empresa que me abriu as portas foi a Carbonífera do Douro que fazia a exploração das Minas do Pejão e já tinha o hábito de receber alunos da Universidade de Aveiro. Claro que (a exploração infantil) é um tema que me interessa, apesar de ser um tema de que já se falou muito nos anos 90, principalmente no Norte, nomeadamente na indústria têxtil e na do calçado. Hoje, felizmente, as coisas melhoraram imenso e praticamente o problema foi banido em Portugal.

Os trabalhadores das Minas do Pejão passavam sete horas sem ver a luz do sol. Foto: Adriano Miranda

Já conhecia as Minas do Pejão?
Não conhecia nada, fui completamente às cegas para a escuridão. A primeira vez que lá fui, pensei que nem ia descer. Achei que não autorizavam e fosse só para ver o exterior. Sim, porque havia pessoas que trabalhavam no exterior, nem toda a gente era mineiro “de descer”. Quando cheguei lá, disseram-me para ir ao balneário e vestir a roupa que lá estava, porque ia descer a 410 metros de profundidade. Depois acabei por ir lá várias vezes, porque me apaixonei por aquilo, pela maneira como aquelas pessoas trabalhavam, a dureza que aquilo era e o ambiente daquilo lá em baixo. Passava lá praticamente um turno (sete horas): ia de manhã e saía às três da tarde. Nos meus trabalhos, prefiro ir às cegas e depois ser surpreendido e eu próprio ter a capacidade de contornar as dificuldades que vou encontrar. Naquele caso, foram imensas! A humidade era de 95%, havia água, pó, o piso era irregular e não havia luz (só a dos capacetes). Portanto, havia uma série de fatores que dificultavam o meu trabalho, mas isso é que dá “pica”.

Como é que os mineiros o receberam?
Apesar de ir sempre com o senhor Santos (responsável da Higiene no Trabalho), porque era obrigatório e senão perdia-me lá dentro (risos), no início senti alguma hostilidade e há sempre aqueles que não gostam de ser fotografados. Mas depois fui lá algumas vezes e começou a ser um hábito e até houve uma altura que lhes dei fotografias. Levava as provas de contacto, mostrava-lhes e eles achavam alguma piada a isso. No fim já não custava nada, era muito mais fácil.

O ambiente das minas é escuro e inóspito. Que dificuldades técnicas enfrentou?
A primeira coisa que acontecia era que as máquinas ficavam todas molhadas e embaciadas, por isso, tinha que esperar  um bocado para elas se adaptarem a 95% de humidade. Depois, estavam sempre a sujar-se. Eu achei que não devia usar flash, nem outras iluminações, porque ia estragar o ambiente e queria mostrar aquele ambiente mesmo denso e pesado, então tirava sempre partido da luz das lanternas. Passados estes anos, revi os negativos todos e claro que encontrei muitas fotografias subpostas, outras completamente arrastadas ou tremidas, mas isso fazia parte.

Lá em baixo, os níveis de humidade eram altíssimos. Foto: Adriano Miranda

As fotografias são todas a preto e branco. Porquê essa opção?
Para já, eu acho que ali a cor não existe. A cor ali é o negro: o carvão é preto e as pessoas andavam todas enfarruscadas; a única que existia era a dominante amarela da luz dos capacetes. Por isso, (se utilizasse a cor) só iria destruir o ambiente daquilo e perdia toda a piada. E é lógico que o preto e branco também dá outra densidade e uma carga mais dramática do que uma fotografia a cores. O facto de, na escola onde andei se fazer quase tudo a preto e branco devido à maior facilidade do processo, também é um dos motivos.

Qual é a sequência do livro?
É a sequência de um turno de trabalho, ou seja, desde que os mineiros entravam na mina, desciam, começavam a trabalhar, faziam uma pausa para almoçar (faziam-no lá em baixo) até irem para os balneários tomar banho.

Os mineiros estavam sempre lá em baixo?
Só saíam no final do turno, a não ser que acontecesse algum acidente ou por outro motivo de força maior. Tinham apenas meia hora para almoço e eram à volta de 300 homens, por isso, não havia tempo útil para subir.

Os mineiros na pausa para almoço. Foto: Adriano Miranda

Quanto tempo demorou o projeto?
O projeto para a escola demorou um semestre, mas eu gostei tanto de lá andar que acabei por ir às minas durante mais três anos. O livro tem fotografias desse período todo. Mas, como é lógico, não ia lá todos os dias.

De onde vem o título do livro?
“Carvão de Aço” vem do carvão, porque eram minas de carvão e vem de aço pela força dos homens. O aço é um metal muito duro e inquebrável e eles próprios são extremamente orgulhosos da profissão. Tiveram um final infeliz e de grande luta contra o Governo, com greves, cortes de estrada e marchas a pé a Lisboa para evitar o encerramento (das minas).

Quando tirou estas fotografias tinha 26 anos. Se fosse agora, teria feito as coisas de outra forma?
Sim e ainda bem que foi naquela altura. Se fosse hoje, teria feito completamente diferente, porque naquela altura estava a aprender e tinha um olhar muito limpo e virgem. Hoje não. Hoje tenho truques, outras maneiras de olhar e de pensar, outras ferramentas, outras abordagens. Ali (nas fotografias) não há reenquadramentos de imagem, nem nada. O livro assume precisamente o que eu fiz há 25 anos enquanto estudante.

No fim do trabalho, os mineiros tomavam banho nos balneários. Foto: Adriano Miranda

Tem orgulho neste trabalho?
Tenho. Para mim, foi o trabalho que mais orgulho me deu. Aliás, eu, na altura, fiquei conhecido por o “fotógrafo dos mineiros” e foi quase como uma rampa de lançamento. E agora, com o lançamento do livro, já olho para ele de outra maneira. Faz parte do amadurecimento do olhar.

Qual foi o objetivo que teve com este trabalho?
A minha família sempre teve tradição na ala esquerda da política, portanto, eu comecei desde pequeno a despertar para as questões sociais e do mundo do trabalho. Não era por acaso que eu queria fazer esse trabalho sobre a exploração infantil e acabei, num tiro completamente ao lado, por fazer sobre os mineiros. As coisas estão ligadas, porque para mim, o valor do trabalho é muito importante. Dar voz a quem não tem voz é muito importante e, neste caso, foi o que aconteceu. Todo o trabalho de autor que desenvolvo passa sempre por causas e este (das Minas do Pejão) insere-se nessa linha que começou a despertar cedo. Eu percebi que a fotografia era um bom veículo para transmitir o que penso do mundo e para me interrogar a mim próprio.

Artigo editado por Rita Neves Costa