O presidente do Brasil, Michel Temer (PMDB), apoiou um esquema de compra de silêncio no âmbito da Operação Lava Jato, acusa empresário em delação à Justiça. A denúncia foi publicada em primeira mão pelo jornalista Lauro Jardim, de “O Globo”, e é a mais grave envolvendo Temer desde a sua ascensão ao poder no ano passado. Enquanto a base do governo recua diante do cenário político incerto, deputados da oposição iniciam trâmites pela abertura de um processo de impeachment.

A delação-bomba foi realizada na última quarta-feira (12) no gabinete do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). O empresário Joesley Batista e seu irmão, Wesley, proprietários da JBS, maior produtora de proteína animal do mundo, delataram o esquema que garantia uma mesada mensal ao ex-deputado Eduardo Cunha e ao doleiro [pessoa que compra e vende divisas] Lúcio Funaro, ambos réus condenados e presos pela Lava Jato. Em contrapartida, a dupla garantia silêncio durante as investigações.

Segundo Joesley, o presidente Michel Temer não apenas tinha conhecimento das transações ilegais como também apoiava a continuidade delas. A prova seria uma conversa gravada entre o empresário e Temer no Palácio do Jaburu, residência do presidente, no mês passado. No áudio, entregue à Justiça, Joesley conta a Temer que pagava um valor mensal pelo silêncio de Cunha e Funaro, ambos conhecedores de segredos que poderiam abalar o governo. O presidente, por sua vez, teria aprovado o esquema e pediu: “tem que manter isso, viu?”.

A delação de Joesley também inclui uma denúncia de pagamento de suborno em contrapartida de uma solução para um entrave entre o grupo J&F, empresa de investimentos que controla a JBS, e o governo Federal. Em trecho da conversa gravada, Michel Temer solicitou a Joesley que procurasse o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB), homem de confiança do presidente, para a resolução do impasse entre a Petrobrás e o grupo sobre o preço do gás natural vendido à termoelétrica EPE, controlada pela J&F desde 2015.

Joesley explicou a Loures que o preço oferecido pela Petrobrás levava a um prejuízo diário de 1 milhão de reais [cerca de 290 mil euros] e por isso era necessária uma solução. Em troca da ajuda, o parlamentar receberia um suborno de 5%. Loures entrou em contato com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão que supervisionava a disputa entre a J&F e a Petrobrás. Não se sabe se a solicitação de Joesley foi atendida.

Para concluir o acordo, um novo encontro foi orquestrado em São Paulo entre o deputado Rodrigo Loures e um empresário da JBS. Foi estabelecido que o parlamentar receberia 500 mil reais por semana [cerca de 145 mil euros] durante os 20 anos – totalizando 480 milhões de reais [139 milhões de euros] em subornos. Michel Temer também teria sido citado na conversa. A primeira parcela da quantia foi entregue em uma mala e toda a ação foi filmada pela Polícia Federal.

Após o vazamento das denúncias, foi trancado o gabinete do ministro Edson Fachin, do STF, e relator da Lava Jato na Justiça Federal. A Corte ainda não se manifestou sobre a delação nem confirmou se a mesma foi homologada e incluída nas investigações.

Governo nega irregularidades

Após horas de silêncio diante das acusações, o Palácio do Planalto emitiu uma nota oficial afirmando que “o presidente Michel Temer jamais solicitou pagamentos para obter o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha. Não participou e nem autorizou qualquer movimento com o objetivo de evitar delação ou colaboração com a Justiça pelo ex-parlamentar”.

“O encontro com o empresário Joesley Batista ocorreu no começo de março, no Palácio do Jaburu, mas não houve no diálogo nada que comprometesse a conduta do presidente da República”, continua a nota. “O presidente defende ampla e profunda investigação para apurar todas as denúncias veiculadas pela imprensa, com a responsabilização dos eventuais envolvidos em quaisquer ilícitos que venham a ser comprovados”.

Acusado de receber suborno para resolver o impasse da Petrobrás com a J&F, o deputado Rodrigo Laures não se pronunciou sobre o caso. Segundo a assessoria de imprensa do parlamentar relatou aos veículos de imprensa, Laures está nos Estados Unidos e deve retornar ao Brasil nesta quinta-feira (18) para “se inteirar e esclarecer os fatos divulgados”.

Oposição cobra impeachment

Parlamentares da oposição se organizaram logo após a divulgação da denúncia para exigir a renúncia ou abertura do processo de impeachment contra o presidente Michel Temer. Em menos de duas horas, o deputado Alessandro Molon (Rede Sustentabilidade) protocolou na Câmara dos Deputados um pedido pelo afastamento de Temer.

“Eu já protocolei um pedido de impeachment de Michel Temer com base nesta denúncia, nesta delação, que se trata do pedido de manutenção do pagamento de propina a Eduardo Cunha para que ele mantenha seu silêncio”, afirmou Molon. “Isso fere direta e claramente a Lei dos Crimes de Responsabilidade, que diz que ter comportamento incompatível com o decoro do cargo é causa para a cassação do mandato”.

Em nota, líderes de partidos de oposição, incluindo o Partido dos Trabalhadores (PT), vítima do processo de impeachment que levou ao afastamento de Dilma Rousseff, exigem a renúncia de Temer e convocações de eleições diretas no país.

“Não há possibilidade de continuar governando. Chegou ao ponto final”, afirmou o deputado Carlos Zarattini (PT). “O ponto final se não for dado pela própria renúncia, que esperamos que seja feita, será feito por esta Câmara e por este Senado através de um impeachment”.

Silêncio na base

Em silêncio desde a publicação da denúncia no início da noite, a base do governo Temer não se pronunciou abertamente sobre o clima tenso que paira sobre a capital federal. O Parlamento Brasileiro foi atingido pela notícia durante uma sessão plenária, encerrada às pressas pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, principal aliado de Temer na Casa, que correu ao encontro do presidente no Palácio do Planalto.

As poucas vozes ouvidas durante a noite chuvosa de Brasília não se manifestaram a favor do presidente. O líder do Democratas (DEM) no Senado, Ronaldo Caiado, se posicionou por meio de assessoria de imprensa. “Só resta a renúncia do presidente Temer e mudança na Constituição. É preciso antecipar eleição presidencial”, escreveu em nota.

Nos bastidores, a informação é que o PSDB, um dos partidos que articularam o impeachment de Dilma Rousseff no ano passado e uma das bases de apoio de Temer, ameaça deixar o governo caso os áudios e imagens envolvendo Temer se tornem públicos.

Paulo Roberto Netto foi estudante de mobilidade internacional da Universidade do Porto nos cursos de Ciências da Comunicação e Línguas e Relações Internacionais. Atualmente, é jornalista graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais e reside em Belo Horizonte (Brasil).