São os rostos invisíveis da pesca, as que preparam os barcos, ajudam a descarregar o peixe e depois o amanham e vendem. Das Caxinas aos Açores, histórias de mulheres que se casaram com o Atlântico. E que sabem que o mar tudo dá. E tudo tira.

O mercado das Caxinas, em Vila do Conde, fica mesmo à beira-mar, no piso térreo de um edifício laranja, e está dividido em diversas áreas, sendo uma delas a peixaria. Conhecer algumas das mulheres que ali trabalham, e poder ouvir as suas experiências e de que modo a pesca se reflete nas suas vidas, permite perceber como as vidas destas mulheres são condicionadas por um único elemento: o mar.

Uma mulher tímida, é assim que se pode descrever Maria Celeste, 51 anos, peixeira das Caxinas.  Ao aproximarmo-nos da sua banca, reparamos no cuidado e na organização que emprega em tudo. A sua banca era a maior do mercado e a que tinha mais variedade de peixe, e enquanto algumas das colegas discutiam entre si, Maria Celeste confidenciava toda uma vivência como “mulher do peixe”.

Pouco tempo depois de ter casado, o marido, jovem pescador, foi para a pesca do bacalhau no Canadá, onde ficava temporadas longas, às vezes de seis meses. Para Celeste, foram momentos difíceis de ultrapassar, tanto sofrimento e tanta saudade. Mas o mar corria-lhes no sangue, dela e do companheiro. Uma vez emigraram para a Alemanha, dois anos e meio, e a falta que lhes fazia a ondulação não tardou a fazê-los voltar. Mesmo hoje, reformado, o seu homem não consegue ficar muito tempo sem ir ao mar – de vez em quando vai à sardinha. “Este trabalho é só para quem gosta.”

Mar de saudade

Mesmo na banca da frente está Dolores Arteiro. Oriunda de família de pescadores, começou desde muito cedo a ajudar a mãe. Hoje, aos 61 anos, revela-se uma mulher com muita paixão pela sua profissão de peixeira. É casada com um pescador, é mãe de outro, e sabe que a vida encostada ao mar é ter sempre o coração numa aflição.

Nunca conseguirá esquecer os naufrágios que o marido experienciou em mais de 40 anos de pesca. Num deles, há 37 anos, o barco virou e 12 homens caíram ao mar. “Seis morreram, seis sobreviveram”, disse com a calma de quem já viu muitas tempestades. Ele ficou duas horas no Atlântico, e a vida por um fio. Quando chega o inverno e o mar fica mais bravo, o coração está sempre nas mãos. Pode o marido estar reformado que agora tem o filho a prolongar-lhe a aflição. Parece ser esta a sina das mulheres da pesca. Nunca se sabe o que o mar traz. Mas também nunca se sabe o que ele leva.

Mar de Rosa

Rosa Braga, nascida há 51 anos na Ilha Terceira, Açores, é filha de um pescador e casada com outro. Os seus dias são dedicados à venda de peixe porta à porta, numa carrinha, pelas freguesias da Ilha. Diz que sempre teve muito medo do mar, mas a água salgada corre-lhe nas veias, mesmo que esteja em terra. “Adoro a vida de vender peixe. Há gente que só compra a mim porque o vendo fresco e tenho orgulho nisso.”

É uma vida ingrata, pois o sustento de sua casa vem todo do mar. Quando o marido não pesca, ela não vende. E há tantos dias em que o Atlântico é forreta. “Na minha casa só entra dinheiro quando há peixe. Quando o barco volta vazio, a carteira também fica.” É mãe de três filhos, avó de dois netos, são muitas bocas para alimentar. No natal o barco da família afundou, andam desde então a fazer contas aos trocos que sobram nas carteiras. Deus há de ajudar, acredita ela. Se lhe salvou o homem, também lhe há de matar a fome.

N.d.r. Este artigo foi escrito por estudantes do 1º ano do curso de Ciências da Comunicação e Cultura, da Universidade Lusófona de Lisboa. Trata-se do trabalho final para a cadeira de “Géneros Jornalísticos”, um trabalho iniciado em Lisboa e terminado na redação do JPN, ao abrigo da iniciativa “Alfa Pendular”.