A chuva ameaçou, mas não chegou a cair nos Jardins do Palácio de Cristal, na noite de sábado. Noutros concertos de blues, música que “vem do sofrimento”, a chuva teria sido bem-vinda. Mas para o de Shirley King, não era precisa. Como a filha de BB King disse ao JPN mais tarde, ao contrário do pai, ela faz o “happy blues”.

Público do Porto Blues Fest

Cerca de mil pessoas assistiram ao concerto da segunda noite do Porto Blues Fest Luísa Correia

Se por um lado BB King se sentava abraçado à “Lucille”, a sua guitarra, Shirley admite que sobe ao palco “como uma performer, algo que lhe vem dos mais de vinte anos de experiência como dançarina profissional.

Mais animada que o “King” do blues, acompanhada pela banda “Buddha Power Blues” e por Rui Veloso, a artista dançou e fez dançar as cerca de mil pessoas que assistiam ao concerto na Concha Acústica do Palácio.

De casaco dourado e lantejoulas, brincos e colares pesados e o cabelo tapado por um lenço, adivinhe-se, também brilhante, a filha do blues é rápida a enfrentar o público: “Se houver um homem por aí…”. As propostas que se seguiram foram demasiado diretas para não suscitarem risos de quem as ouvia.

A resposta às vozes do público veio sempre de cima do palco, entre diálogos ou movimentos de dança que mostravam bem o porquê de Shirley King ter seguido as pisadas do pai. A “filha do blues” “só se quer divertir”, e por isso, o concerto de homenagem a BB contou com versões “à Shirley” das músicas do “último bluesman”.

A saudade, um tema muito falado durante o concerto, foi encarnada por Rui Veloso, que usava a boina que King lhe ofereceu em 1990, quando os dois atuaram juntos, pela primeira vez, no Casino Estoril. A memória daquela noite ainda está bem presente.

O cantor português contou que estava “scared shitless”, com direito a tradução para o público português: “estava todo borradinho!”.

Na altura, BB pediu-lhe que começasse a “tocar uma música”. “Que música?”, perguntou um menos experiente Rui Veloso. “Não interessa. Qualquer uma, em qualquer tom, a banda segue-te”. As memórias, que o artista português partilhou com o público, fizeram sorrir Shirley King.

Na noite de sábado, quase 30 anos depois, Rui Veloso contou ao JPN que já não tinha “medo” de atuar na presença da descendência de BB King. “Se fosse o pai, aliás, se fosse a banda do pai”, o caso era outro. Nesta noite, o bluesman português encarnou a maneira típica de tocar de BB King. “Exagerei”, admite. Não parecia arrependido.

No último dia do Porto Blues Fest, que decorreu sexta e sábado, o artista disse que “o Porto merecia mais blues e mais jazz” além de mais festivais e atuações que não fossem “só pop pop pop… e fado”. Álvaro Costa concorda. Na “primeira aparição em público depois de sete meses numa cama de hospital”, o locutor parecia extremamente feliz: “O blues é o meu mundo”. Álvaro contou ao JPN que viajou pelos Estados Unidos, “pelo Sul rural” e foi nas zonas mais pobres dos estados de Tenesse e Mississipi que encontrou as raízes do seu “estilo favorito”. Alertado para o perigo, a resposta estava na ponta da língua: “I’m black, man”. De alma e coração no blues, Álvaro Costa não podia estar mais feliz pela primeira edição do Porto Blues Fest. “Eu tinha de estar aqui”, rematou.

A Rui Veloso e a Shirley King, juntou-se Elisabete Almeida, 23 anos. A estudante de canto de jazz no Conservatório de Música do Porto estava a assistir a um dos ensaios durante a tarde, quando surgiu a oportunidade de cumprimentar Shirley, cuja mãe também se chamava Elisabeth. Conversa puxa conversa e a jovem do Porto acabou por ser convidada a juntar-se à filha do blues em palco. “Os artistas têm de se apoiar uns aos outros”, anunciou Shirley quando chamava Elisabete. “Got my Mojo Workin” de Elvis Presley, o rei do rock’n’roll, foi o tema interpretado pelas duas artistas e Rui Veloso.

“The Thrill Is Gonne”, “Rock Me, Baby” e “Everyday I Have the Blues”, versões de temas originais de BB King “que nem a própria filha consegue imitar”, encerraram o concerto. A performer de 67 anos confessou ao público que gostava de ver em todas as cidades onde o pai atuou uma estátua do “rei do blues”. Shirley King anunciou ainda que vai voltar a Portugal em agosto, para um festival de blues em Reguengos de Monsaraz.

Para o ano, a organização pretende “homenagear as mulheres do blues”. Ainda não há datas para o próximo Porto Blues Fest, mas a segunda edição do festival terá novamente lugar nos Jardins do Palácio de Cristal.

A organização faz um “balanço muito positivo” do fim de semana que “provou que o Porto tem massa crítica para aderir a este tipo de festivais”.

Artigo editado por Filipa Silva