Daniel Rodrigues é um fotógrafo freelancer português nascido em França e atualmente colabora com o “The New York Times”. Um dos últimos trabalhos para o jornal norte-americano foi uma reportagem fotográfica sobre o clube de futebol Canelas 2010, de Vila Nova de Gaia, cuja atenção mediática (nacional de internacional) ganhou força depois da agressão do jogador Marco Silva a um árbitro. O fotógrafo recebeu o prémio principal da secção ibero-americana do concurso Picture of the Year International (PIY) no final do mês de maio. O JPN conversou com Daniel Rodrigues.

Qual foi o primeiro contacto que teve com a fotografia e porque decidiu escolhê-la como profissão?
Não me lembro do primeiro contacto. A minha mãe e o meu tio sempre tiveram máquinas fotográficas. Foi uma coisa muito presente na minha vida. Em relação à vida profissional, já tinha sentido gosto pela fotografia. Até que um dia ofereceram-me um livro do Sebastião Salgado, o livro “África”, e aí eu pensei: “Não quero outra coisa na vida, é mesmo isso que quero”.

Numa entrevista à TSF, o Daniel disse que “até gostava de colaborar com jornais e revistas portuguesas, mas nas condições que oferecem é impossível”. Há falta de investimento no fotojornalismo em Portugal?
Eu não sei o porquê. Mas que há uma falta de investimento, sim há. Como disse na outra entrevista: infelizmente em Portugal há uma falta de respeito pelo fotojornalista. Quando digo falta de respeito, refiro-me a muita coisa. Mas, principalmente aquilo que pagam e as condições que oferecem aos fotojornalistas. Eu deixei de trabalhar para portugueses e comecei a trabalhar para estrangeiros e vi a enorme diferença que existe em tudo. Quer a nível de respeito pelo editor e fotógrafo, quer a nível salarial.

Um exemplo: num jornal pagam 37 euros num serviço sem despesas. Ou seja, é se do Porto e o serviço em Aveiro, tem-se de dar o dinheiro para o gás óleo, para as reportagens. Quando se fazem as contas, está-se a dar dinheiro para trabalhar, acho isso uma falta de respeito. Outra diferença entre Portugal e o estrangeiro é que há conversa entre o editor e o fotógrafo: assim, tu sabes se estás a fazer mal, se estás a fazer bem. Em Portugal não dizem se está bem ou mal, só começam a reclamar quando tu começas a reclamar que estás a receber pouco. Acho uma falta de respeito.

Iniciou a carreira com uma passagem pelo Instituto Português de Fotografia (IPF). O jornal “Correio da Manhã”, “Diário de Notícias” e “O Jogo” foram alguns dos meios de comunicação nacionais com os quais trabalhou.

Já recebeu vários prémios e distinções: em 2013, o fotógrafo ganhou o primeiro lugar no World Press Photo; em 2015, ocupou o terceiro lugar no pódio como Fotógrafo do ano no POYi e em Maio de 2017 recebeu o prémio principal da secção ibero-americana do concurso Picture of the Year.

The New York Times, The Wall Street Journal, The Washington Post, AL Jazeera, CNN, BBC, Folha de São Paulo, Expresso, Visão Magazine são alguns dos médias em que Daniel tem fotos publicadas.

Ganhou na última semana o prémio principal da secção ibero-americana do concurso Picture of the Year, mas também já foi premiado no Word Press Photo, entre muitas outras distinções. Estes prémios influenciam o modo como a profissão é encarada em Portugal?
Eu acho que as pessoas não devem olhar para os concursos e para os prémios. Isso é um bónus e um bom extra. Sou também um exemplo de que um prémio pode mudar uma carreira e a vida de uma pessoa. Eu quando ganhei o World Press Photo estava desempregado e o prémio mudou completamente a minha vida. É muito bom a nível profissional e internacional. Infelizmente, em Portugal acaba por não dar em nada. As pessoas ficam contentes, partilham no Facebook, mas não vejo trabalho aparecer, não vejo ninguém a querer comprar fotos.

O que é que um cenário ou um objeto precisam de ter para serem fotografados? O que inspira o Daniel?
O que me inspira a fotografar são temas que me interessam e que eu tenha uma ligação. Um exemplo que já me aconteceu: já trabalhei muito em África, no Brasil, na Ásia. São temas completamente diferentes, cenários, objetos, pessoas diferentes. Até que um dia, em Portugal, uma pessoa me pediu para fazer um trabalho sobre uma fábrica.

Eu fiz o trabalho e quando acabei, entreguei o trabalho. A pessoa virou-se para mim e disse: “Não é bem isso que eu estava à espera, estava à espera daquilo que você faz em África, aquilo que fez na Amazónia”. E eu disse ao senhor: “Não me leve a mal, mas o cenário é totalmente diferente. Não pode estar à espera que eu faça um trabalho exatamente igual ao que fiz noutro lado do mundo, numa fábrica de ferro em que o cenário não tem nada a ver”. O cenário e as pessoas são muito importantes na fotografia.

E os estilos de fotografias…
O estilo é preto e branco. Embora tenha trabalhos a cores, o estilo que eu gosto mais de fazer é a preto e branco.

Já viajou o mundo a trabalho, mas qual história ou momento que mais o marcou e que conseguiu registar?
O momento que ficou marcado foi quando estava ao meio da selva e mataram uma onça vermelha, que uma espécie de puma. Eu estava a cerca de dois metros e meio e o puma ainda estava vivo, a olhar para mim, a mostrar os dentes como se me fosse atacar. Acho que esse foi um momento incrível e consegui registá-lo. Foi um momento que ficou pela intensidade da situação.

Em 1993, o fotógrafo Kevin Carter registou uma criança em estado de desnutrição no Sudão. Em contrapartida, este ano de 2017, um fotógrafo sírio (Abd Alkader Habak) num ambiente de guerra, largou a câmara para ajudar uma criança que estava muito debilitada e nos seus últimos suspiros. Diante de tais situações, quanto vale um registo?
Vale muito. Porque é algo que ninguém fala e toda gente critica . Toda gente fala dele ter se suicidado [Kevin Carter] por conta das críticas. Mas ninguém fala do facto de que aquela foto que ele tirou, salvou e continua a salvar milhões de pessoas. Naquela altura ninguém tinha noção de como era África, de como era a fome lá. Todas as ONGs começaram a ter mais impacto no país através daquela fotografia. Mas o nosso trabalho é informar as pessoas, mostrar a realidade daquele local e país. E ele pode não ter salvado a criança, mas salvou milhões de pessoas.

Muita gente critica, mas ninguém comenta. É nosso dever ajudar a transmitir através da imagem. Tudo bem que há pessoas que largam a câmara, como o caso do fotógrafo sírio e vão ajudar. Há vários seres humanos e todos são diferentes. Entretanto, eu sempre uso o exemplo do Carter quando faço uma palestra. Ele pode não ter ido ter com a criança, mas a verdade é que ele salvou milhões e milhões de pessoas com aquela fotografia. Esse é o trabalho do fotojornalismo.

Artigo editado por Rita Neves Costa