Uma hora antes da abertura das portas, três horas da tarde e a entrada do NOS Primavera Sound ainda estava vazia. Não havia filas em frente ao enorme letreiro de luzes que, na sexta edição do festival, se mexia, bem no alto das portas, formando uma onda que balanceava o nome do evento.

Já a chegar às 16h, ainda eram poucos os que percorriam o labirinto do perímetro de segurança para seguir as luzes e chegar finalmente ao inclinado relvado do Parque da Cidade, no Porto.

Por esta hora ainda não havia filas para as barraquinhas dos brindes ou das coroas das flores (uma das imagens de marca do Primavera) e que foram a primeira paragem de muitos festivaleiros. Foi em frente ao palco Super Bock, o segundo maior, que se começaram a estender as toalhas: este ano a formar um lençol aos quadrados amarelos e brancos.

Esperava-se, muitos sentados e deitados ainda longe do palco, por Samuel Úria. Ivo Atrião, 38 anos, era um dos poucos que guardava lugar na primeira fila, apesar de ter vindo atrás de Miguel e Run The Jewels, que viriam a tocar horas mais tarde no palco do lado.

Fiel ao Primavera, é cliente assíduo desde a primeira edição e tece elogios àquele que considera ser “o melhor festival de Portugal”. Ivo diz que não é preciso pensar muito para perceber o porquê. “Espero que nunca deixe de ser no Parque da Cidade e de ter este ambiente”, explica. A “fácil acessibilidade do recinto” e a “maneira quase orgânica de navegar de palco em palco que permite que se veja quase todos os concertos”.

Já tem bilhete desde julho, um mês depois do final da edição passada que trouxe ao Porto, Beach House, Animal Collective e Sigur Rós. Quando os nomes de 2017 saíram, admite, “como sempre”, não se ter arrependido da decisão. Quanto ao cartaz desta edição, Ivo considera que é “o mais equilibrado de sempre, mas também o que traz menos nomes atrativos”.

Esta quinta-feira, dia de semana e primeiro dia do festival, ainda não foi necessário tomar decisões. Sexta-feira, poderão haver grupos de amigos, casais ou até indivíduos divididos entre Bon Iver e Swans ou Nicolaas Jar e King Gizzard And The Lizzard Wizzard.

Durante o primeiro dia, o público quase como uma orquestra bem treinada por um maestro invisível passava de palco para palco numa maratona de concertos, onde a electrónica e os sons urbanos eléctricos reinaram.

Samuel Úria “beijou” os lábios de Amália

Ao som do primeiro acorde do músico português, Samuel Úria, uma pequena parte do público levanta-se e aproxima-se do palco. Um grupo mais coeso de festivaleiros reúne-se para ouvir o pop rock de “Dou-me Corda”, a primeira música do Primavera Sound 2017.

Três quartos de hora de concerto não deram tempo a Úria para mostrar tudo o que queria. Tanto do “Carga de Ombro”, o álbum mais recente de 2016, como dos outros pelos quais passou ainda mais fugazmente. Uma chamada de atenção para a “Lenço Enxuto”, a “música mais nortenha” que iria tocar, avisou, e “Molly”s Lips”, tema original dos The Vaselines, que passou pelos concertos dos Nirvana e chegou ao artista natural de Tondela numa versão em português a que chamou “Beija os lábios da Amália”.

Dir-se-ia que já estava tudo combinado (e estava mesmo) porque minutos depois de Úria confessar, a cantar “Teimoso”, nunca “ter sido do prog-rock”, subiam ao palco os americanos Cigarettes After Sex.

O palco principal é gigante para os quatro músicos estáticos, todos vestidos de preto, como se se tentassem esconder atrás dos vídeos que passavam num ecrã gigante ao fundo do palco, quase como se lhes servissem de banda sonora, adivinhe-se, também às vezes a roçar o fúnebre.

Para Cigarettes After Sex, o preto é “natural”

O teclista da banda, Phillip Tubbs, viria depois do concerto desmentir esta teoria. Afinal, tocam todos vestidos de preto apenas porque lhes “afigura como natural”, contou ao JPN. E, admite que podem parecer “distraídos” (o vocalista Greg Gonzalez canta Affection e fala de amor com a mesma emoção de quem lê uma lista de supermercados), mas o músico diz que quando em palco “só estão a pensar na música” e que, independentemente de quantas vezes tocam “os afeta sempre, de maneira diferente”.

A melancolia romântica da voz andrógina do vocalista era transversal às próprias gravações do concerto, que estavam a ser transmitidas, a preto e branco, nos ecrãs gigantes. Este ano, não na horizontal mas na vertical para melhor imitar as gravações por telemóvel, cada vez mais visíveis durante os concertos.

“Muito entusiasmado” com o novo álbum homónimo que lançam esta sexta-feira e do qual tocaram três musicas, o teclista da banda que diz ter ficado “contente” com a reação do público aos temas novos, que já tinham sido divulgados nas plataformas digitais.

As nuvens ainda não ameaçavam chuva que, contra as previsões, não chegou a cair até ao final do último concerto da noite, o dos franceses Justice. O sol, coincidência ou não, só se fez sentir durante Miguel. Apareceu no início e pôs-se no fim, a hora do jantar para quem, dispensando ouvir o indie rock dos escoceses Arab Strap, fugiu para a zona da restauração.

R&B para “dançar e cantar a plenos pulmões”

Poucos foram, no entanto, os que quiseram fugir de Miguel, o artista americano com nome português e que não precisou de mais de cinco segundos, para fazer virar as poucas cabeças que ainda hesitaram em deixar a encosta do palco NOS Primavera Sound. Foi o tempo que o californiano, “nascido e criado” em Los Angeles, demorou a percorrer metade do palco, de braço no ar, língua de fora e chamas projectadas atrás, até chegar ao microfone com franjas prateadas que balanceavam tanto com a brisa de final de tarde como com a ventoinha estrategicamente colocada em frente ao músico.

E fez tanto vento que no final do concerto havia uma certeza: um furacão nasceu no palco com tanta “energia coletiva”. O R&B para “dançar e cantar a plenos pulmões” cresceu numa performance ao vivo que mostrou o porquê de compararem o funk do artista de 31 anos a Prince. As palavras são de Wojciech Kozvch, um polaco de 29 anos que já percorreu festivais de música por toda a Europa e que, sete anos depois de começar as viagens, conseguiu finalmente bilhete para um evento que tivesse Miguel no cartaz.

O equilíbrio entre o “material antigo e as músicas mais recentes”, a capacidade de “fazer o público cantar, mesmo que não conheça as músicas”, como aconteceu durante o refrão de “Sure Thing” e os covers de Kendrick Lamar fizeram Voy (um diminutivo do nome polaco) abanar a cabeça. “Devia tê-lo visto há mais tempo, até agora foi o melhor concerto”, sentencia.

Pela primeira vez em Portugal, o polaco diz que se o hermano espanhol do Primavera Sound consegue trazer grandes nomes pelos quais as pessoas estão dispostas a pagar “preços exorbitantes”, é o ambiente do Porto, “mais sobre a música e sobre as possíveis descobertas aleatórias” que distingue os dois. “Todos os anos sei que o cartaz é excitante, mesmo que só conheça 60%”, resume.

A noite continuou com os repetentes Run The Jewels e o duo francês Justice a roubarem as atenções do público. Já não há bilhetes para esta sexta-feira, dia em que são esperadas cerca de 30 mil pessoas, o limite estabelecido pela organização. Entre os mais esperados para ver e ouvir há Bon Iver, Angel Olsen, Nicolas Jaar, Skepta, Swans e King Gizzard & The Lizard Wizard.

Artigo editado por Rita Neves Costa