O presidente da Câmara do Porto convocou, para quinta-feira, uma reunião extraordinária do Executivo. Em cima da mesa está o envolvimento do Porto na candidatura de Portugal à Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla inglesa). Entre outros assuntos, Rui Moreira colocou na ordem de trabalhos “considerar esgotado o objeto da proposta aprovada” na última reunião do Executivo. A proposta foi apresentada pelos vereadores do PS, tinha em vista a formalização de uma candidatura do Porto e já levou Manuel Pizarro a escrever ao autarca.

Por partes: Rui Moreira foi informado no sábado, pelo ministro da Saúde, que o Governo decidiu incluir representantes do município do Porto na Comissão da Candidatura Nacional à EMA. “Tendo em conta os requisitos já conhecidos, só o Porto, a par de Lisboa, parece reunir condições para uma candidatura muito exigente e competitiva em termos europeus”, referiu o Ministério numa nota de imprensa enviada nesse dia.

Com isto, o Governo recuou na intenção inicial de candidatar Lisboa para receber a dita agência, ficando aberta uma corrida a dois para o efeito.

A reviravolta deu-se depois do assunto ter ganho notoriedade pública há pouco mais de uma semana, primeiro quando a autarquia pediu ao Governo os “estudos” que tinham servido de base à decisão e depois quando a Câmara do Porto aprovou, por unanimidade, na sua reunião pública quinzenal, a 13 de junho, uma proposta de candidatura da cidade do Porto.

Essa proposta, apresentada pelos vereadores do PS, foi aprovada com uma condição, sugerida aos vereadores por Rui Moreira: a candidatura só avançaria se o Governo desse “um sinal” de que estaria disposto a rever a posição até ali assumida.

Proposta “deixou de ser necessária”

O presidente da Câmara do Porto, na sequência da comunicação que lhe foi feita por Adalberto Campos Fernandes e, ainda no sábado, pelo primeiro-ministro António Costa, escreveu aos vereadores da Câmara para os colocar a par “dos últimos desenvolvimentos” deste dossiê. Nessa comunicação, o autarca revê a sua posição face à proposta aprovada na última terça-feira.

“Em face do que agora me está garantido pelo Governo, fica prejudicada: ou, mais concretamente, deixou de ser necessária” a proposta dos vereadores do PS, tendo em vista a constituição de um grupo de trabalho para preparar um dossiê de candidatura, lê-se na carta de Rui Moreira.

Cronologia dos principais acontecimentos

Junho de 2016 – Reino Unido vota pela saída da União Europeia; A Agência Europeia do Medicamento, com sede em Londres, terá de encontrar “casa” nova; É uma das maiores – cerca de 900 funcionários – e uma das mais importantes da União Europeia;

Março de 2017 – Governo lança “Portugal IN”, uma unidade de missão – no qual o Porto também participa – com o objetivo de atrair investimentos que estejam de saída do RU por causa do Brexit, mas pretendam permanecer no Espaço Europeu.

Abril de 2017 – No dia 27, o Conselho de Ministro aprova uma resolução de candidatura de Portugal à EMA; No comunicado saído desse Conselho de Ministros já se refere Lisboa como a cidade em que “se pretende” que a agência venha a ficar;

Maio de 2017 – No dia 2, Rui Moreira escreve uma carta a António Costa a manifestar o interesse do Porto na Agência do Medicamento;

Maio de 2017 – No dia 11, os deputados à Assembleia da República aprovam, por unanimidade, um voto de saudação no qual se “saúda e apoia a candidatura de Portugal à fixação da sede da Agência Europeia de Medicamentos em Lisboa, como de interesse nacional”;

Junho de 2017 – No dia 5, é publicada a Resolução do Conselho de Ministros em Diário da República;

Junho de 2017 – No dia 8, Câmara do Porto exige num comunicado que sejam tornados públicos “estudos” que serviram de base à escolha de Lisboa;

Junho de 2017 – António Costa escreve a Rui Moreira uma carta, com data de 8 de junho mas recebida posteriormente pelo autarca, para justificar a escolha por Lisboa. Apresenta duas razões: 1. A conveniência da proximidade com o Infarmed e 2. a maior probabilidade de ali ser instalada uma Escola Europeia – para funcionários e seus familiares – tendo em conta que Lisboa já alberga duas agências europeias;

Junho de 2017 – No dia 13, a Câmara do Porto aprova avançar com candidatura na condição do Governo de António Costa rever a sua posição;

Junho de 2017 – No dia 17, o ministro da Saúde informa Rui Moreira que o Porto vai, afinal, poder estar representado na Comissão da Candidatura Nacional;

O edil apresenta duas razões. Primeiro considera que “o fim que [a proposta] tinha em vista já foi alcançado”; por outro lado, tendo em conta que Portugal tem até 31 de julho para formalizar a candidatura, Rui Moreira aponta para o facto da proposta socialista prever “o prazo de um mês” para a constituição do grupo de trabalho.

É ainda do entendimento do edil do Porto que passa a ser da competência da Comissão de Candidatura, na qual se incluem os representantes do Porto, “consultar e ouvir os contributos das instituições públicas e privadas” que entenderem “úteis para a elaboração da candidatura”.

“Sublinho e recordo que essa proposta, aprovada na sua versão revista por unanimidade, visava a produção de um dossiê a entregar ao Governo, promovendo o diálogo a fim de integrar o Porto na Comissão de Candidatura. Ora, o que a cidade do Porto conseguiu garantir junto do senhor ministro da Saúde e do senhor Primeiro-Ministro e pelos dois me foi comunicado a 17 de junho, é bem mais do que isso, pois é já a própria inclusão do Porto numa Comissão Nacional que assim deixa de ser a Comissão da Cidade de Lisboa”, explicou.

Perante a carta, Manuel Pizarro decidiu escrever de volta por não compreender por que razão quer o presidente da Câmara do Porto revogar a proposta dos socialistas.

“A participação de representante(s) do Porto na Comissão Nacional não obsta e não dispensa o nosso trabalho autónomo”, lê-se na missiva.

“O Executivo deliberou de forma unânime a criação do grupo de trabalho, sujeita a uma condição já realizada [o recuo do Governo]. É obrigação do Presidente da Câmara Municipal do Porto implementar as deliberações do órgão a que preside”, escreveu. “A não ser que opte por propor a sua revogação o que, em meu entender, seria incompreensível”, declarou ainda.

Em declarações ao JPN, o líder do PS Porto reforçou que “só há vantagens” na constituição do grupo que tinha proposto, no qual se incluíam instituições como a Universidade do Porto, a Associação Comercial do Porto ou os dois centros hospitalares da cidade, no sentido de poderem contribuir para “melhorar a qualidade e a abrangência” dos argumentos levados pelos representantes da cidade à Comissão de Candidatura.

Quanto ao prazo de um mês mencionado por Rui Moreira, Manuel Pizarro esclarece que esse prazo tinha em vista a preparação de todo o dossiê e não unicamente a constituição do grupo e trabalho.

O também candidato do PS às autárquicas de outubro no Porto, que teve um acordo de governação com Rui Moreira e o seu movimento até há pouco mais de um mês, referiu ainda ter “a expectativa” que na reunião marcada para quinta-feira seja possível chegar a um entendimento sobre a matéria.

O que vai ser discutido na reunião extraordinária?

Rui Moreira colocou três pontos na ordem de trabalhos da reunião de quinta-feira:

  • Aprovar a participação do Porto na Comissão Nacional de Candidatura;
  • Nomear Eurico Castro Alves – ex-secretário de Estado da Saúde e ex-diretor do Infarmed – e o vereador Ricardo Valente – que tem a pasta da Inovação – para a referida Comissão;
  • “Considerar esgotado o objeto da proposta aprovada em reunião de executivo de 13 de junho”, o que em última instância significará a sua revogação.

Os dois primeiros pontos não devem dividir o Executivo à luz dos argumentos apresentados na reunião de 13 de junho – o nome de Eurico Castro Alves, por exemplo, tinha sido sugerido por Manuel Pizarro.

Vinte países devem avançar com uma candidatura ao acolhimento da Agência Europeia do Medicamento. De acordo com o Ministério da Saúde, no próximo Conselho Europeu, a decorrer a 22 e 23 de junho, vão ser aprovados os critérios definitivos para a relocalização da agência.