Entre lugares legitimados e participações por ocasião, Portugal é o país mais representado no torneio masculino do 12º Campeonato Europeu Universitário de futebol. Ora, as ambições na luta por medalhas foram elevadas ao cubo, para tentar combater o favoritismo das formações provenientes do centro e leste europeu. Nada acontece por acaso. Anos de lutas intensas resultaram numa maior atenção conferida aos estudantes-atletas. Do Minho ao Alentejo, os resultados obtidos por várias instituições de Ensino Superior falam por si.

“Quando aparece um desafio novo à frente, a organização muda”

Perante tantos campeões nacionais, a Universidade Católica Portuguesa-Centro Regional do Porto surge na qualidade de anfitriã do torneio. Porquê? Bastou ter sido a equipa da Invicta com melhor classificação no Campeonato Nacional Universitário de futebol. Chegou às meias-finais e terminou fora do pódio, registos superiores à concorrência direta da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e do Instituto Universitário da Maia.

A Católica caiu aos pés da equipa de Évora nas meias-finais dos campeonatos nacionais. Foto: FADU

“Olhando para trás, vejo uma semana de grandes momentos de felicidade. Sentimos que surpreendemos muita gente e era muito difícil alguém nos passar. Acabamos por cair com os campeões nas meias-finais, nos penáltis. Estivemos lá e agora estamos aqui, nos europeus. O mérito é todo nosso”, afirma o treinador Frederico Ferreira. Mas nem tudo foram rosas. “Chegamos a ter dois jogos por dia. As lesões afetaram a nossa equipa e até perdemos o nosso capitão”, rememora o vice-capitão Pedro Trigo.

Consumado o apuramento, os últimos meses trouxeram uma preparação detalhada para o Europeu. Até porque, como refere o adjunto Ricardo Parente, “quando aparece um desafio novo à frente, a organização muda”.

O grupo não se manteve intacto. Havia quatro lugares para preencher e cerca de uma dezena de novos atletas passaram a integrar os trabalhos. “Tentámos que os jogadores que integrassem a equipa já tenham jogado futebol federado. É sempre uma das nossas preocupações, se bem que nunca fechamos a porta a ninguém”, esclarece Frederico. Acima de tudo, havia consciência do patamar de exigência alimentado nos campeonatos de Coimbra. Por isso, os laços criados pouco ou nada se desapertaram.

“Tornámo-nos amigos e começámos a passar muito tempo juntos. É essa união, essa solidariedade, que depois passa para dentro do campo. É uma coisa muito bonita de se ver: se há um jogador que não consegue acompanhar, tem logo um companheiro ao lado a correr por ele. Dentro do balneário, um dos nossos lemas é: ‘enquanto nós quisermos mais que os outros, estamos a ganhar’”, revela o timoneiro de 23 anos.

Já no campo, a Católica fechou o grupo A na segunda posição, com os mesmos pontos da Norwegian School of Economics. Os noruegueses tomaram a dianteira por terem dois tentos à maior, empurrando o conjunto luso para o confronto com a Universidade de Lille. “Calhámos num grupo muito físico. Foram autênticos combates até agora. A cabeça é que manda, o corpo só sente depois”, avalia Pedro, destacando o espirito nortenho do grupo. “Às vezes somos um bocadinho relaxados, mas passa logo. Temos muita ambição e raça. Fomos um bocadinho desleixados no primeiro jogo, mas o espírito de equipa sobrepõe-se a tudo isso”.

Dois jogos depois, estabelecer metas não passa pela cabeça dos responsáveis da equipa portuense. “Somos uma equipa realista, com os pés bem assentes na terra. O primeiro objetivo está conquistado, que era a qualificação para os quartos de final. A partir daqui vamos pensar a cada 60 minutos, porque os nossos jogadores são rigorosos, concentrados e sabem que desmedir as expectativas não é positivo”, vinca Frederico Ferreira.

Plantel: João Padrão, José Alhinho, Jorge Silva, Miguel Epifânio, José Ferreira, João Ramos, Miguel Dias, Gui Retto, Buli Dabó, Pedro Amadeu, Pedro Trigo, João Pereira, João Santos, Rodrigo Morais, Diogo Costa, Gonçalo Gomes, José Fagulha, João Jerónimo, António Cunha e João Coelho

Importa manter o foco, dentro do esforço individual que cada jogador faz pelo coletivo. “As dificuldades começam sempre com o dinheiro, patrocínios e apoiantes. Durante este torneio almoçamos na faculdade. O transporte dos atletas está ao cargo deles. Algo não muito agradável, mas temos de levantar a cabeça e combater as adversidades”, indica Ricardo Parente.

O buraco do desporto universitário nacional para as outras nações já foi bem maior. Os portugueses souberam encontrar maneiras eficazes de encurtá-lo. Ano a ano, vitória após vitória. Afinal, os próximos Jogos Universitários Europeus vão ser realizados em Coimbra e poucos ainda se deram conta disso.

“Viemos cá defender o nosso título nacional”

Tudo pelo ouro. A frase encaixa como mais nenhuma nas paredes do balneário da Associação Académica da Universidade de Évora (AAUE), campeã nacional de futebol universitário. Ou seja, as perspetivas são traçadas com demasiada clareza. “O nosso objetivo é vencer. Viemos cá defender o nosso título a nível nacional e tentar alcançar o título máximo, que é ser campeão europeu. Sabemos que vai ser muito difícil, mas estamos aqui a lutar e a jogar contra os outros campeões nacionais”, atira Miguel Oliveira.

Miguel Oliveira prepara a estratégia na véspera de defrontar a Universidade de Lille. Foto: Ricardo T. Ferreira

Na primeira fase, a AAUE abriu e fechou o grupo B com triunfos. Pelo meio sucumbiu aos pés da Universidade de Lille, saltando para o segundo posto da classificação e cruzando com a Norwegian School of Economics nas eliminatórias. O segredo passou por juntar pontos fortes em cada setor. “Praticamente é uma seleção da distrital de Évora, pois muitos jogadores jogam nessa competição. Um ou outro jogava no campeonato nacional e alguns jogar para lá este ano. É uma equipa bastante forte, com gente que está habituada a competir e a vencer. Nós, com a nossa humildade e o nosso trabalho, viemos cá mostrar a nossa qualidade e tentar vencer isto”, reforça o técnico eborense.

Pedro Amendoeira liderou a Universidade de Évora rumo ao título nacional. Foto: Ricardo T. Ferreira

Táticas à parte, a equipa da Universidade de Évora das relações interpessoais uma vantagem competitiva. “Somos uma grande família e a união está muito presente. Quem nos conhece sabe que somos um bom grupo, muito animado e sempre na palhaçada”, aponta o capitão Pedro Amendoeira, elemento determinante na conquista do título nacional. “Os desafios aconteceram jogo a jogo. Uns mais complicados, outros menos. Foi duro, mas todos estiveram no seu melhor”, recorda o dono da camisola quatro. Recorde-se que a AAUE protagonizou uma campanha imaculada, consentindo apenas um golo e vencendo na final a equipa da casa, a Associação Académica de Coimbra, pela vantagem mínima.

Viajar quase 400 quilómetros para jogar na área metropolitana do Porto acarretou despesas, sacrifícios e gestão de prioridades. Mas tudo vale a pena quando está em casa a “oportunidade de uma vida”. “O Europeu é o ponto alto de uma carreira. Aliás, temos um elemento que veio de Inglaterra de propósito para jogar a competição. Outros deixaram empregos, estudos e férias só para aqui estar”, revela Pedro, recente contratação do Juventude de Évora.

Plantel: Nuno Roque, André Farinha, João Nobre, Pedro Amendoeira, Marco Castelhano, Rui Bento, Francisco Serrano, Fábio Potes, Miguel Serrano, André Silva, Duarte Marques, Rogério Galandim, José Quito, Ivanildo Nhaga, Miguel Freire, Octávio Andrade, Pedro Rato, João Aldeano e Miguel Sequeira

“Quando gostamos daquilo que estamos a fazer e temos amor à causa, não custa nada”, acrescenta Miguel, satisfeito com a experiência no norte do país. “Os encargos financeiros passaram pela direção. Trataram de nos dar o máximo de conforto possível. Nós aceitámos de bom grado e estamos com muito orgulho por poder representar o nosso país, a nossa cidade e a nossa universidade. Vamos com tudo para cima deles”, promete o técnico, olhando ao fundo do túnel para os tons reluzentes do troféu que vai ser entregue no próximo domingo.

“É sempre uma experiência enriquecedora”

2016 foi o ano dourado do futebol português. Sobre os relvados, as quadras ou os areais, as quinas deram cartas além-fronteiras nas diversas variantes da modalidade. Nem o futebol praticado nas faculdades fugiu à regra, exponenciado pelo êxito da Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM) nos Jogos Universitários Europeus.

Há doze meses, a saga minhota em terras croatas acabou por escrever um novo capítulo na história do desporto nacional. Afinal, o triunfo (2-1) sobre a equipa alemã da Universidade de Bochum permitiu à Universidade do Minho (UM) tornar-se no primeiro conjunto universitário português a vencer um Campeonato da Europa de futebol.

“Foi uma grande experiência, que foi muito falada e teve repercussão na imprensa. Não estávamos à espera”, começa por confessar o capitão João Martins, antes de explicar o segredo do sucesso. “Claro que no início é difícil dizer ‘vamos ganhar’. Ao contrário de outras modalidades, o futebol é muito imprevisível e nem sempre os melhores ganham. No ano anterior tínhamos conseguido o terceiro lugar, já tínhamos ido uma vez aos quartos-de-final. Portanto já estávamos preparados para vencer. Sabíamos que mais tarde ou mais cedo poderia acontecer”, refere o guarda-redes de 24 anos.

Daí para cá, caiu o pano sobre uma etapa de quatro anos. “Foi o fim de um ciclo académico para muitos dos jogadores. Este ano estamos numa fase de transição, a trabalhar para voltarmos a conquistar o título nacional. Quando falo em transição, não é uma equipa em transição para uma outra equipa. É a renovação de uma equipa que vai ficar e que tenho a certeza que nos próximos anos vai dar muitas alegrias à AAUM, à UM e também a Portugal nos próximos europeus”, afiança o treinador Michael Ribeiro.

As mudanças eram inevitáveis, mesmo se algumas peças do xadrez teimam em conservar sucessivos anos de fidelidade à casa. “É o nosso quinto campeonato europeu. Temos jogadores que estiveram em todos os torneios, outros que participaram por três ou quatro ocasiões”, nota o técnico da AAUM. “São elementos que têm mais responsabilidade pela sua experiência. Mas também há jogadores que estão cá pela primeira vez e podem fazer muito pela equipa nos próximos anos”, completa João.

Mesmo com toda a logística inerente à participação numa prova desta envergadura, as dificuldades estiveram na constituição do plantel. Nestes contextos, um número alto de atletas federados pode ser uma faca de dois gumes: acrescenta competência técnico-tática, mas aparenta sempre uma disponibilidade volátil. “Foi difícil muitos jogadores que estão aqui terem autorização dos clubes para jogar. Querem-nos nas pré-épocas, não querem que tenhamos lesões. Nesta altura a época já começou. Se isto fosse há duas ou três semanas era mais fácil”, comenta o doutorando de Economia pela UM.

Michael Ribeiro valoriza a sintonia entre a academia e os clubes do Minho. Foto: Ricardo T. Ferreira

Vale a compreensão alheia, aliada às ideias que gravitam à volta do treinador. “Felizmente temos uma boa relação com os clubes da nossa região. Em cooperação connosco acabaram por ceder os jogadores para esta semana. Por exemplo, temos cá dois jogadores que até já começaram a pré-época. Também temos um staff médico preparado para qualquer eventualidade, pelo que estamos sempre em sintonia com esses clubes”, diz Michael, frisando que “não há jogadores preferíveis”. “Os jogadores que estão aqui são aqueles que nós quisemos que estivessem cá. São jogadores em que confiamos”.

Três jogos volvidos, a UM defraudou expectativas. Um ponto e duas derrotas pela margem mínima ditaram a queda logo na fase de grupos. Os minhotos vão agora discutir até ao próximo domingo os últimos lugares da prova, entre o nono e a décima quinta posições.

Plantel: João Martins, Diogo Carvalho, João Ferreira, Tiago Macedo, João Neiva, Júlio Oliveira, José Silva, João Silva, Tiago Francisco, André Fernandes, João Araújo, Vítor Ribeiro, José Pereira, Diogo Novo, Pedro Silva, José Ventura, Vítor Rodrigues, André Salgueiro e Vítor Brito

Seja como for, com mais vitórias ou derrotas, ficam à tona momentos arquivados para a vida. “É sempre uma experiência enriquecedora. A troca de conhecimentos, de cultura, o intercâmbio entre as próprias equipas. Nós temos uma relação incrível com Kuban State, a equipa da Rússia. Já nos defrontamos várias vezes nos campeonatos europeus. Dentro do campo somos adversários, mas há sempre uma relação muito especial e lá fora somos amigos”, recorda o treinador da formação encarnada. “Costuma ser um ambiente bastante saudável, que depende também das equipas. Aquelas mais apostadas em ganhar a competição fecham-se mais, outras promovem mais o contacto com as restantes equipas”, conclui João Martins.