Chegar, faturar e golear. Já vimos este filme vezes sem conta na caminhada para a Rússia. No Bessa não foi diferente. Ronaldo tomou as rédeas do guião e pôs as Ilhas Feroé a tremer. No papel quis regressar aos tempos de protagonista. Dentro das quatro linhas apontou novo hat-trick – o quinto num percurso de 14 anos, 144 duelos e 78 remates certeiros ao serviço das quinas.

Por cada minuto subtraído, o capitão arranja novas formas de se auto-motivar. Afinal, há intérpretes que brilham mais quando as dificuldades sobressaem. Querem um exemplo? Vamos puxar a fita até aos 11 minutos, para apreciar a sociedade Bernardo-Cristiano. O extremo captou a redondinha na direita e desenhou trajetórias para a grande área. Respondeu o avançado com uma finalização a honrar os cânones da ginástica acrobática. Difícil? Só para quem não conhece Cristiano Ronaldo, segundo artilheiro máximo das seleções europeias e sexto melhor a nível mundial.

Nem o golo travou a avalanche dos campeões europeus. Porque os feroeses limitaram-se a jogar próximos da sua baliza. Costuma ser a lei dos mais fracos: montar duas linhas compactas e atacar em doses calculistas, com alguém a tentar segurar a bola lá junto ao meio-campo. Portugal não foi na cantiga. Jogo obcecado nas faixas. Laterais projetados e extremos fletidos para dentro. Uma autêntica placa giratória, da esquerda para a direita e vice-versa. Marcas indeléveis da era Fernando Santos.

Com tanto cruzamento a criar pânico no eixo nórdico, o segundo golo era uma questão de minutos. Surgiu perto da meia-hora: William rasgou, João Mário foi ao relvado e o árbitro apontou para a marca dos onze metros. Na conversão, o suspeito do costume não perdoou. Outras celebrações estiveram ao virar da esquina.

Mas antes que a festa tomasse conta do Bessa, os nórdicos acrescentaram um capítulo de suspense. Às três pancadas, Rógvi Baldvinsson ganhou posição frontal e bateu Patrício sem apelo. De um lançamento lateral, o defesa de 27 anos que joga na Noruega fez história: pela primeira vez as Ilhas Faroé fizeram mexer o marcador diante das quinas. Antes, 5-0 num particular e 0-6 nesta fase de qualificação. Numa terra dominada pelo frio, foi sol de pouca dura.

Quem sabe nunca esquece

Para a etapa complementar, o enredo não demorou a ganhar clarividência. Com mais aceleração que criatividade, William Carvalho e Ronaldo deram a tranquilidade plena às quinas. O médio leonino foi um elemento pendular na construção lusitana, tendo assinado dois momentos de luxo: cabeceou com precisão para o terceiro e lançou Cristiano para fechar o hat-trick e superar o Pelé canarinho no número de golos ao serviço de seleções.

Não deixa de ser intrigante: os dois melhores intérpretes da armada lusa pouco ou nada têm jogado nos respetivos clubes. Cristiano cumpre cinco jogos de castigo em Espanha, tendo disputado apenas 31 minutos oficiais até esta quinta-feira. Por sua vez, o médio defensivo cumpriu os 90 minutos frente ao Desportivo das Aves, mas tem ficado afastado dos últimos jogos do Sporting devido a problemas físicos.

Por esta altura, já Quaresma abanava as bancadas. André Silva continuava sem endireitar a mira. O adversário já nem aparecia no ataque, fazendo por valer uma muralha branca erguida à frente de Nielsen. Pelo caminho reapareceu Nélson Oliveira, para fechar resultados e análises.

O guião era muito óbvio. Duas equipas de trações opostas: uma obrigada a fazer golos, outra condenada a mero figurante. O Golias derrotou o David e ninguém estranhou. Na rota segue-se Budapeste, que trará outro grau de complexidade. Portugal leva pouca margem de erro, até porque a Hungria ainda mantém esperanças matemáticas e a Suíça não desarma na luta pelo apuramento direto.

“A partir do terceiro golo as coisas começaram a fluir naturalmente”

Para Fernando Santos, a seleção portuguesa entrou bem no jogo, tendo cumprido o planeado nos primeiros 15 minutos do encontro. Mas, a partir daí, apontou algumas falhas no desempenho português. “Ofensivamente continuamos a não estar no nosso melhor nível e perdemos alguma concentração defensiva. Nestes jogos estas questões podem-nos criar alguns problemas”, referiu em conferência de imprensa.

“Na segunda parte entramos num ritmo muito elevado e a partir do terceiro golo de Cristiano Ronaldo, as coisas começaram a fluir naturalmente”, apontou o selecionador nacional, reforçando que até ao último jogo de qualificação para o Mundial, contra a Suíça, é necessário “vencer outras três finais”.  “Temos agora o jogo na Hungria que vai ser extremamente difícil”, acrescentou.

Sobre a dispensa de Adrien Silva, que esteve lesionado e não entraria nas contas para este jogo, Fernando Santos explicou que se tratou de um pedido do jogador para resolver o processo de transferência para o Leicester City. “Seria desumano não deixar o Adrien tratar da vida dele”, comentou. Esta sexta-feira vão ser feitos os últimos exames que determinam se o médio português estará apto para o próximo encontro.

“Jogámos muito bem e tentámos ter oportunidades no contra-ataque.”

O selecionador das Ilhas Feroé mostrou-se satisfeito com a prestação da equipa na primeira parte do encontro, apesar do golo Cristiano Ronaldo nos primeiros minutos do jogo. “Não lhes demos grandes hipóteses para novos golos. Jogámos muito bem e tentámos ter oportunidades no contra-ataque. Sabemos que Portugal tem muitos atletas de qualidade e estou muito satisfeito”, referiu Lars Olsen.

Sobre a segunda parte dos feroenses, o selecionador apontou o desgaste físico dos jogadores e alguns erros cometidos. “Portugal foi a melhor equipa e mereceu ganhar”, concluiu.

Artigo editado por Filipa Silva