Chegar a um Campeonato do Mundo impõe obstáculos para todos os gostos. Uns descrevem meras formalidades, outros são testados à prova de sangue. Que o digam as quinas. Seis goleadas depois, os campeões europeus experimentaram os campos convertidos em batalhas e os intérpretes com pele de soldados. Deu triunfo português (1-0), socorrido do oportunismo aéreo de André Silva na abertura do segundo tempo.

Curto, mas merecido. Sagaz, não menos sofrido. Com muitas nódoas negras, é certo. Também com um destino autossustentável, que vai mordendo os calcanhares à Suíça e já afastou os perigos vindos de Budapeste. Ou seja, mesmo que o duplo-compromisso de outubro não arrepie caminho direto, Portugal terá sempre uma segunda oportunidade para chegar à Rússia.

Lembram-se de Nuremberga? Foi uma amostra

Em 2006, Portugal e Holanda protagonizaram o duelo mais violento da história dos Mundiais. Onze anos volvidos, Budapeste recebeu nova batalha com lusitanos metidos ao barulho. Culpa da agressividade magiar, que deixou marcas de guerra bem vincadas no domínio português: nas pernas de André Silva ou nos rostos de Pepe e Cédric, por exemplo – a cotovelada ao central do Beşiktaş deu mesmo ordem de expulsão para Tamás Priskin.

Estava gasta a primeira meia hora e parecia estar encontrado o tónico para materializar a superioridade lusa. Senão vejamos: enquanto houve igualdade numérica, Ronaldo tentou celebrar de cabeça e Cédric rematou sem direção. Portugal adiantou níveis de pressão e limpou mesmo a baliza de sobressaltos. Depois descontrolou-se com escaramuças e repelões, inflamados pelo próprio fervor das bancadas. Aliás, até ao intervalo só André Silva teve oportunidade de bater Gulácsi.

Como se não bastasse, Fábio Coentrão saiu lesionado por questões musculares, sem que fosse preciso intervir o manual de intimidação magiar. O lateral leonino – esperou quase dois anos para voltar a envergar as quinas em jogos oficiais – foi uma das quatro novidades no xadrez do engenheiro. Tal como o companheiro Gelson Martins, dos mais apavorados com o ambiente, o adversário e a bola.

Tranquilizar sem arriscar

Se a jogada não andava pelo corredor direito, tornava ao miolo para viajar à asa contrária. Em organização, Portugal não se importa de jogar em estilo de andebol. Não admira que tenha nascido da esquerda a chave do encontro. Mário e Moutinho, dos mais esclarecidos na hora de tratar a redondinha, esquematizaram a fuga de Ronaldo. O capitão correu até à linha de fundo e serviu André Silva ao segundo poste. O dianteiro milanês meteu a cabeça onde um húngaro foi com o pé.

O mais difícil parecia feito. Santos lançou Bernardo para descansar com bola, não fosse o diabo tecê-las. As quinas continuaram a fazer do meio-campo contrário espaço de guerra. Houve excessiva movimentação, sem qualquer golpe de misericórdia. Os húngaros pouco quiseram desmantelar a rigidez dos dois blocos de quatro unidades montados à frente da baliza. Storck prescindiu das referências Nagy e Szalai e mostrou pouco interesse em ganhar o jogo. Preferiu ficou a fazer figas com as bolas paradas cobradas por Dzsudzsák. Nada resultou, mesmo que o relógio escancarasse aos poucos o epitáfio da eliminação.

Das quatro finais, duas estão ultrapassadas com sentimento de missão cumprida. Faltam outras duas, que fazem adivinhar dificuldades tão diferentes como o fosso escavado por Suíça e Portugal face aos restantes adversários. Ainda agora começou setembro e outubro já está ao virar da esquina. Na rota segue-se o artifício minúsculo de Andorra, antes da receção decisiva aos helvéticos.

“Depois da expulsão, não sei o que aconteceu”

Fernando Santos destacou a superioridade portuguesa ao longo do encontro. Mesmo assim, o selecionador das quinas diz não perceber a reação dos seus jogadores nos minutos seguintes à expulsão de Priskin. “É um jogo difícil de descrever. Até aos 30 minutos fomos muito melhores, organizados, a jogar com muita pressão, o que não permitiu que o adversário jogasse. Criamos cinco, seis, sete ocasiões de golo, pelo que o golo ia acabar por aparecer, tal era o nosso volume atacante. Depois da expulsão, não sei o que aconteceu. Deixamo-nos levar com o futebol ofensivo, entramos em discussões desnecessárias e perdemos 15 minutos”, afirmou na zona de entrevistas rápidas à RTP.

Na etapa complementar tornou-se menos frenético, mas nem por isso os campeões europeus ficaram mais tranquilos. “Fizemos o golo e a partir daí tivemos o jogo sempre controlado. Mas estava perigoso e difícil. A sensação que deu era que os jogadores sentiam que este jogo era como uma final e ficaram na dúvida: se era para ir para a frente e fazer o 2-0 ou se era para ficar. Penso que tivemos muito receio de jogar para a frente. Mas eu percebo, havia muita ansiedade e tiveram alguns momentos de travagem”, apontou.

Para os compromissos de outubro, Fernando Santos teme que a gestão logística afete o desempenho da armada portuguesa. “Vamos ter uma jornada duríssima em Andorra, ao contrário do que toda a gente pensa. Em casa são muito difíceis. Ganhou à Hungria, empatou com as Ilhas Faroé e só perdeu 1-0 com a Suíça. Temos uma viagem terrível: caso não seja possível aterrar em Andorra, vamos ter de fazer uma viagem de três a quatro horas de autocarro desde Barcelona. Três dias depois temos o jogo com a Suíça”, recordou.