Dono de uma curiosidade inesgotável, David Sobral não toma o céu como limite e interroga-se sobre quem somos e de onde vimos. Questões a que o investigador ficou mais perto de dar resposta quando, em 2015, liderou a descoberta da galáxia mais brilhante do universo primitivo.

A propósito das comemorações do centenário de Óscar Lopes, promovidas pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o investigador regressou a Portugal, mais concretamente ao Porto, onde esteve, na Fundação de Serralves, a dar uma palestra.

Doutorado em Astrofísica e, desde 2016, professor na Universidade de Lancaster, no Reino Unido, no currículo cabe-lhe, ainda, a representação de Portugal no comité de investigadores do Observatório Europeu do Sul (ESO) e na direção da Sociedade Portuguesa de Astronomia.

Para David Sobral, “a astronomia é um investimento com retorno”, porque o céu não é o limite e ainda falta encontrar as primeiras estrelas das primeiras galáxias.

Como é que a curiosidade em olhar para o céu virou profissão?

É uma história complexa. Como qualquer miúdo queria ser astronauta – acho que toda a gente quer ser astronauta -, mas ao mesmo tempo também quis ser escritor.

O grande fascínio surgiu na infância. Ia a Porto Covo e ao Alentejo e o céu era espetacular. E esse fascínio ficou sempre comigo. Combinando isso com o livro de João Magueijo – que me desviou para a física – e com o Observatório Astronómico de Lisboa percebi que gostava mesmo disto. Foram muitas combinações de fatores, num caminho que não foi de todo retilíneo.

Trabalha para compreender os processos de formação e desenvolvimento das galáxias desde o universo primitivo. Em que medida é importante estudar as nossas origens?

Compreender as nossas origens é, talvez, a questão mais importante de todas. Uma questão que toda a gente, num ou noutro momento na vida, terá. E, por isso, é que é tão importante a investigação para fazer este tipo de perguntas difíceis de responder.

Não lhes vamos dar resposta em cinco ou dez anos e, talvez, nunca lhes responderemos completamente. Mas são as perguntas que motivam cada vez mais. E, por isso, considero-me bastante sortudo por tentar todos os dias responder ao que toda a gente quer ver respondido. Embora, o meu trabalho seja árduo e existam várias complicações, ser capaz de trabalhar numa coisa tão interessante é uma sorte e, muitas vezes, esquecemo-nos de quanta sorte temos.

David Sobral deu palestra em Serralves sobre a origem do universo.

David Sobral deu palestra em Serralves sobre a origem do universo. Foto: Fundação de Serralves

De que forma é que as investigações que lidera contribuem para internacionalmente aprofundar o estudo nesta área?

É quase um princípio base da investigação. Na ciência, há que ter sempre uma dimensão internacional, portanto é sempre relevante à comunidade cientifica como um todo. Muitas vezes, são avanços muito pequeninos. Mas, muitas das vezes, quando tentamos caminhos diferentes acabamos por avançar bastante. O que acaba por acontecer é que, ao avançarmos para um novo caminho, existem várias equipas internacionais que pegam nas mesmas técnicas e nas mesmas ideias e, depois, conseguem progredir muito mais. Portanto é mesmo a ideia de Newton, aquela que dizia que só conseguia ver mais longe quem se colocava em ombros de gigantes. E eu acho que a ciência é sempre assim. Nós estamos sempre a colocar-nos em ombros de gigante e a dar a possibilidade aos outros de verem mais longe.

“Na altura encontramos duas galáxias muito brilhantes em que uma delas era muito pequena e a CR7 era aparentemente muito grande. Começamos a brincar que era o Messi e o Ronaldo”

O risco e a exploração de hipóteses alternativas abriram as portas à descoberta da CR7. O que é e porque é que foi batizada com este acrónimo?

A CR7 é uma galáxia muito distante e tão brilhante que se achava que não poderia existir nada assim no universo primordial. É importante, porque numa galáxia tão distante conseguimos ver os vários componentes, o que normalmente não é acessível.

Uma das razões pela qual demos o nome de CR7 é porque nos dá as coordenadas no céu. Cada uma das letras é uma espécie de coordenada: o “C” diz-nos que a galáxia está num campo do céu a que chamamos “COSMOS” e o “R7” diz-nos a que distância é que está este desvio para o vermelho. É, também, quase como uma piada minha e de uma estudante de doutoramento, porque na altura encontramos duas galáxias muito brilhantes em que uma delas era muito pequena e a CR7 era aparentemente muito grande. Começamos a brincar que era o Messi e o Ronaldo, portanto também houve alguma intenção. Por ser tão natural, o CR7 chega a muita gente e faz divulgação científica. Percebermos que era uma maneira de interessar outras pessoas, que normalmente não leem sobre astronomia, para perceberem o quão interessante ela pode ser.

O que é que torna esta descoberta tão especial, ao ponto de estar entre as 10 melhores do Observatório Europeu do Sul (ESO)?

Na altura era a melhor candidata a ser a primeira galáxia sem os elementos pesados, o que acabou por ser um fator importante na hora de entrar para as 10 melhores descobertas do ESO. 

Na mesma medida que um astrofísico aposta na descoberta do desconhecido, o desafio para quem financia a ciência e a investigação no campo da astronomia passa, também, por investir no longo prazo?

Sem dúvida. E, aqui, a questão prende-se com a importância em apostar na investigação fundamental, aquilo que em inglês se chama “Blue Sky Research”. Normalmente, há a ideia de que a melhor maneira de investir é em algo que vai ter um retorno económico quase imediato. Se seguíssemos essa lógica, era impossível que investindo apenas no desenvolvimento de velas se chegasse aos LED. A questão principal é que as maiores invenções e aquelas que têm um maior retorno nunca são feitas diretamente, o caminho nunca é linear.

A importância da humanidade enquanto um todo em investir na ciência “dos maluquinhos” – dos que querem perceber porque é que o céu é azul ou como é que os átomos funcionam – não parece ter qualquer retorno. Mas, em última análise acabam por dar técnicas, por exemplo, para desenvolver o que hoje são as ressonâncias magnéticas ou a web. Tudo isso nunca seria financiado por retorno económico, mas tiveram os maiores retornos económicos de sempre.

Apostar no longo prazo acaba por ser periódico. Há sempre uma altura em que a sociedade aposta um bocadinho mais nas áreas fundamentais e outras alturas de maior aperto económico em que se acha que temos é de ser eficazes. Na prática, se apostássemos só nas pessoas que têm a maior das curiosidades tínhamos o melhor retorno económico. Só que poderiam demorar algum tempo.

“Há a ideia de que a melhor maneira de investir é em algo que vai ter um retorno económico quase imediato. Se seguíssemos essa lógica, era impossível que, investindo apenas no desenvolvimento das velas, se chegasse aos LED.”

Desde janeiro de 2016 que leciona na Universidade de Lancaster. De acordo com as estatísticas, 5% do total de estudantes no Ensino Superior são de países da União Europeia. No campo da astronomia, que implicações pode ter o Brexit sobre a multiculturalidade da área?

É uma questão que ninguém faz a mínima ideia sobre como responder. Porque penso que não se sabe muito bem o que vai, na prática, acontecer. Há esperança de que na área da educação e da investigação não se mude muito. Há esperança que o Reino Unido continue a ser membro de muito dos programas científicos, que continue a ter acesso a financiamento europeu e, que de certa forma, os estudantes da União Europeia possam continuar a vir para estudar. Mas há ainda muita incerteza.

“Questionar aquilo que tomamos como certo” é o mote da ciência. É também aquele que o continua a levar a estudar a formação e o desenvolvimento das galáxias?

Sim. É uma coisa complexa que leva a muitos becos sem saída e a questionarmo-nos a nós próprios. O exercício ainda mais difícil é não só questionar o que foi feito pelos outros, mas questionar o que foi feito por nós próprios, conseguirmos identificar os nossos próprios erros. Porque se continuarmos a procurar há sempre alguma coisa que podemos fazer melhor. Perceber que isso é válido para qualquer pessoa é muito importante, mas ao mesmo tempo a maneira como se lida com isso é muito difícil. E um dos grandes problemas na comunidade cientifica é a síndrome de impostor, que é o que nos faz pensar que fazemos sempre tudo errado, mas que, ao mesmo tempo, nos faz ser melhores cientistas. Portanto, o melhor é tentar o equilíbrio.

A Ciência é igual em todo o mundo. E fazer ciência? Com base na experiência cultural que tem, é similar ou diverge consoante o país?

Fazer ciência depende de quem a faz. E obviamente somos todos humanos e há sempre diferentes motivações para fazer um trabalho. A ciência é mostrar o que está errado e nunca o que está certo.

Fazer ciência depende de país para país. Talvez Espanha seja mais similar a Portugal, mas fazer astronomia nos Estados Unidos ou no Reino Unido é completamente diferente. Por um lado, a comunidade é muito mais antiga e, por outro, acho que têm uma multiculturalidade muito maior, têm investigadores de diferentes nacionalidades a exercer papéis relevantes, enquanto que em Portugal são quase só portugueses.

Além disso, em Portugal também não se reflete sobre o género. O facto de quase não existirem mulheres na academia faz com que, de certa forma, os estudantes não se revejam porque não têm role models. O fundamental mesmo são as expectativas ou os patamares que no Reino Unido ou na Holanda são muito mais elevados e a ambição que é muito mais baixa em Portugal.

No seu blog, num artigo intitulado “Stories of stars and you”, escreveu que “somos filhos das estrelas.” Porquê?

Somos o resultado dos átomos pesados que foram feitos nos núcleos das estrelas. Ou seja, sem elas não poderíamos existir. Todos somos poeira de estrelas, mas não somos poeira de qualquer estrela. É uma questão poética saber se associamos isso a uma relação pai-filho ou apenas a uma consequência da atividade das estrelas de maior massa que permitiu a nossa existência.

Na busca das nossas origens, o céu continua a ser apenas o começo?

Na astronomia e na exploração espacial espero que sair do planeta seja cada vez mais simples e possível, porque o céu tem que ser apenas o começo.

Artigo editado por Filipa Silva