O Ministério Público português acusou, esta quarta-feira, formalmente, o antigo primeiro-ministro José Sócrates pela prática de 31 crimes no âmbito da Operação Marquês.

De acordo com a nota de imprensa da Procuradoria Geral da República, foram acusados no âmbito deste processo um total de 28 arguidos, 19 pessoas singulares e nove pessoas coletivas.

O ex-governante está acusado da prática de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 crimes de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada.

O amigo de José Sócrates e empresário Carlos Santos Silva, o ex-administrador do Grupo Lena Joaquim Barroca, o ex-presidente do Banco Espírito Santo, Ricardo Salgado, Armando Vara, Zeinal Bava e Henrique Granadeiro (ex-Portugal Telecom), além de três empresas do Grupo Lena e o Resort Vale do Lobo estão na lista de acusados do Ministério Público.

A tese do Ministério Público

Os factos investigados tiveram lugar entre 2006 e 2015 e servem de base a um despacho final com mais de quatro mil páginas.

“A atuação do arguido José Sócrates, na qualidade de primeiro-ministro e também após a cessação dessas funções, permitiu a obtenção, por parte do Grupo Lena, de benefícios comerciais. O arguido Carlos Santos Silva interveio como intermediário de José Sócrates em todos os contactos com o referido grupo”, acusa o MP.

A tese do MP é de que Joaquim Barroca a troco de benfícios e em representação do Grupo LENA, aceitou fazer pagamentos a Carlos Santos Silva que se destinavam, em última análise, a José Sócrates. O fundador do Grupo Lena terá ainda disponibilizado contas suas abertas na Suíça “para movimentar fundos que se destinavam a José Sócrates”.

As contas da Suíça incluiriam também, segundo a investigação, pagamentos ordenados por Ricardo Salgado. “Tais pagamentos estavam relacionados com intervenções de José Sócrates, enquanto primeiro-ministro, em favor da estratégia definida por Ricardo Salgado para o grupo Portugal Telecom, do qual o BES era acionista”.

Ainda na esfera da Portugal Telecom, o Ministério Público acusa Ricardo Salgado de ter ordenado pagamentos a Zeinal Bava e a Henrique Granadeiro “para agir em conformidade com os interesses” definidos pelo ex-banqueiro para o BES, enquanto acionista da PT.

Voltando a José Sócrates, outra frente do MP diz respeito ao resort Vale do Lobo, implicando o antigo ministro socialista Armando Vara. Diz a acusação que o “à data administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) recebeu também pagamentos com origem em receitas desviadas do grupo Vale do Lobo”, com o objetivo “de facilitar a concessão de financiamentos por parte da CGD”.

As contas do Ministério Público são estas: “Com origem nos grupos Lena, Espírito Santo e Vale do Lobo foi acumulado na Suíça, entre 2006 e 2009, um montante superior a 24 milhões de euros”.

O Departamento Central de Investigação e Ação Penal mandou arquivar processos relativos aos arguidos João Abrantes Serra (advogado), Joaquim Paulo da Conceição (administrador do Grupo Lena) e Paulo Lalanda e Castro (empresário), tendo extraído, no caso deste último, uma certidão para investigação de factos relativos à sociedade que controlava.

Advogados de José Sócrates falam em “romance”

A primeira reação do advogados do ex-primeiro ministro, João Araújo e Pedro DeLille, foi entretanto conhecida. Em comunicado, consideraram a acusão do MP “infundada, insensata e insubsistente”.

Agora é tempo de “examinar detalhadamente o despacho e todos os elementos do processo” garantindo que vão usar “todos os meios do direito para derrotar, em todos os terrenos, esta acusação”

“A um primeiro relance, trata-se de um romance, de um manifesto, vazio de factos e de provas, pois não pode ser provado o que nunca aconteceu”, dizem.

Os causídicos voltam a apontar o dedo ao MP por ter “largamente ultrapassado todos os prazos da lei” e regozija-se pelo facto de a acusação cessarem “os poderes de direção do processo pelo Ministério Público, que ficará sujeito ao controlo jurisdicional por juiz competente, isento e imparcial”.

Processo arrasta-se há quase três anos

José Sócrates foi detido a 21 de novembro de 2014 no aeroporto de Lisboa no âmbito de uma investigação por “suspeitas de crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção”. Esteve preso preventivamente 288 dias, até 4 de setembro, altura em que passou para prisão domiciliária. Foi libertado em outubro de 2015, quase um ano após a detenção.

A conclusão do inquérito de investigação, há muito reclamada pelo arguido mais mediático do processo, ultrapassou sucessivos prazos devido “à excecional complexidade” do processo. Antecipou-se, contudo, ao último prazo que era conhecido: 20 de novembro de 2017.