Deslocam-se a lares onde ‘atuam’ muitas vezes nas horas de intervalo. Mas se os palhaços visitadores existem é porque há quem lhes dê vida. Foi com o intuito de multiplicar aqueles que prestam este serviço, fora dos espaços das grandes cidades como o Porto e Lisboa, que Pedro Correia, da direção artística do Encontro Internacional de Palhaços de Vila do Conde (EIPVC), decidiu fazer uma formação.

Pedro Correia

Pedro Correia Foto: César Castro

“A minha ideia é criar um grupo de voluntários para depois fazer estas visitas em lares de terceira idade e hospitais”, adiantou Pedro Correia ao grupo de 15 pessoas que aceitaram o desafio de fazer o pequeno workshop introdutório, no Centro de Formação e Pesquisa da “Nuvem Voadora”, há uma semana. O evento marcou o arranque do programa do EIPVC, que já vai na quarta edição.

A formação, a que o JPN assistiu, foi comandada por palhaças do projeto de solidariedade social “A Visita”, atualmente a colaborar em três lares de Lisboa. Uma delas é Eva Ribeiro. A formadora salientou que o trabalho do palhaço é muito profissional, “de desconstrução pessoal e de aceitação do outro”, pelo que quem quer fazer de palhaço, tem de passar, por exemplo, pela construção da própria figura.  

Entre exercícios corporais e sonoros, que permitem que o grupo se conheça, Eva lembra que o projeto é inspirado em outros tantos que existem no mundo, de que é exemplo a “La Belle Visite”, da Fundação Jovia, no Canadá.  

Para além dos lares de terceira idade, os palhaços visitadores podem “trazer à tona o seu sentido de humanidade e de conexão” em locais como hospitais ou prisões. 

Agora, em duplas, e durante 15 segundos, cada pessoa apresenta-se à outra. “Quem vocês são, o que vocês gostam, o que não gostam. E a outra pessoa vai só ouvir, ela não vai comentar, ela não vai julgar, ela vai só ouvir”, pede Eva ao grupo. Depois, cada um irá apresentar a pessoa que ouviu falar para o grupo inteiro. 

Enquanto prosseguem os jogos que, de alguma maneira, iniciam este trabalho de palhaço, onde se privilegia “o outro, a escuta e a empatia”, Eva lembra que, neste processo de construção, é importante conseguir lidar de uma forma empática com o outro, ter o prazer de estar no lugar e, acima de tudo, ser verdadeiro.  

Em palco, fazem-se exercícios.

Em palco, fazem-se exercícios. Foto: César Castro

Ao contrário do trabalho que se faz quando se fala do palhaço de circo, habituado a lidar com o espetáculo e com o público, aqui, “o palhaço visitador está ao serviço da outra pessoa, e não o contrário”, prossegue Eva Ribeiro. Espera-se, assim, que tenha a sensibilidade de perceber que a emoção, quando se aproxima de outra pessoa, pode ser outra que não a esperada. “Temos de estar preparados para aceitar um não”, afirma a formadora. 

Mais à frente, mais jogos. “Aqui vocês vão encontrar um nariz, vários chapéus, e alguns acessórios. Sintam-se à vontade para colocar. Não pensem muito. Ponham. Eu vou colocar uma música para vocês”, diz ao grupo.  

Na sala, ecoam alguns ‘clássicos’ como “Cinderela” de Carlos Paião, “Gaivota” de Amália Rodrigues, “Non, Je Ne Regrette Rien” de Edith Piaf, ou “Love” de John Lennon. 

A ideia é sentir a música, mas também fazê-la viver nas outras pessoas. É criar um lugar em comum com uma sonoridade ou uma dança.  

Eva Ribeiro Foto: César Castro

Quando trabalham com idosos, o objetivo é ir ao encontro da sua juventude e das suas memórias e, por isso, explica-se a playlist com músicas dos anos 30, 40 ou 50 ou a indumentária mais antiga. “O vestir aquela camisa, aquele sapato. Nós estamos de alguma maneira a entrar no mundo deles e delas. Estamos a procurar pontos em comum”, explica Eva. 

Destinada ao público em geral, a formação pode revelar-se fundamental, sobretudo, para professores, animadores, profissionais de saúde, alunos de artes performativas, entre outros, que estejam habituados a lidar com alguns grupos de risco no seu dia a dia, mas também abertos à curiosidade de quem quer conhecer e descobrir o clown. 

Em duplas, trios ou em grupos, promove-se o encontro, estimula-se a escuta e cria-se a empatia em mais um jogo. Simula-se, num exercício, o átrio de uma sala de um lar, recheada de idosos, prestes a receber uma dupla de palhaços. Com os formandos revestidos de adereços que atordoam os sentidos, semelhante à situação física em que se encontram muito idosos, tenta-se perceber como é que se consegue conectar com pessoas incapazes de ver, ouvir e mexer sem, no mesmo espaço, se descurar as demais. 

Eva Ribeiro salienta que estamos a falar de pessoas que estão no final da sua existência e apela a uma reflexão que deixa a sala compenetrada. “O que representa, para nós seres humanos, estarmos no final de vida?” 

Fala-se de pessoas que já sofreram, certamente, com perdas, que habitam na solidão e cuja autoestima está em baixo. “É nesse lugar que queremos tocar. É chegar às pessoas e dizer: ‘Eu estou aqui para estar contigo’, mas para isso, às vezes, temos quilómetros para percorrer. Não é imediato”, conclui. 

No fim, fica a vontade de continuar a desenvolver este trabalho para alguns. “Vamos para a frente com isto. Isto foi um princípio”, termina Pedro, que vê como bem-sucedida a ideia de “plantar a semente” do palhaço visitador. 

Artigo editado por Filipa Silva