Com apenas 19 anos, Tiago Rodrigues já ganhou dois europeus e dois mundiais de hóquei em patins. Deu os primeiros passos sobre rodas no Hóquei Académico de Cambra, mas é na União Desportiva Oliveirense que fez o seu percurso desde o primeiro ano de iniciados até agora. No último verão, como capitão de equipa nacional que participou no mundial de sub-20, defendeu os dois penaltis na final.  O atleta e estudante da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto foi também reconhecido pela academia, em setembro, com o Prémio Atleta Revelação do Ano.

Tiago mal começou a jornada da sua vida mas já tem inúmeros troféus nas prateleiras e histórias para contar. À conversa com o JPN, Tiago desvendou um bocadinho daquilo que é dentro e fora de campo.

JPN – Como é que o hóquei surge na sua vida?
Tiago Rodrigues – Por incrível que pareça, foi a minha mãe a tentar uma forma de me arranjar algo para competir com a escola. Ou seja, se ela me colocasse num desporto que eu gostasse, eu tinha de me esforçar na escola para poder praticar esse desporto. Para poder ir aos treinos, ou para jogar. Na altura, o mais mediático era o futebol, mas ela tinha pena de ver os miúdos a jogar à chuva e ao frio e meteu-me no hóquei e correu bem (risos).

Tiago na UD Oliveirense |

Escolheu ser guarda-redes?
Eu antes de entrar para a patinagem tinha dito ao meu pai que queria ser guarda-redes. Mas depois de fazer o primeiro treino de patins apercebi-me que os guarda-redes não marcavam golos e virei-me para o meu pai e disse: “Olha, não quero ser guarda-redes, porque os guarda-redes não marcam golos”. E ele disse que para ele estava tudo bem. No hóquei primeiro tens de aprender a andar de patins e só depois é que vais para a baliza ou não. Quando chegou a fase de começarmos a jogar, não havia guarda-redes. Então, eles pegavam nos miúdos um de cada vez a ver qual é que tinha mais jeito. E não sei o que aconteceu naquele treino, ou naquele dia, as coisas correram bem e eu fiquei a guarda-redes e a partir daí fiquei sempre nessa posição.

Tiago pela seleção Nacional de Hóquei sub-20 |

Os estágios são frequentes. Como gere tanto a vida pessoal como a académica visto que está constantemente longe de casa?
Eu acho que se houver um esforço e a uma boa organização, nós podemos conciliar tudo. Claro que, a maior parte das vezes os meus amigos iam sair à noite e eu ia tomar café com eles, mas se calhar às 22h00 vinha para casa porque tinha jogo no dia a seguir. Mas é um esforço que até agora tem valido a pena e acho que tem de ser assim, senão fizermos esforços nem na escola nem no desporto conseguimos ser bons.

Nunca sentiu que não tinha uma vida dita “normal”? Como lida com isso?
Eu sempre lidei bem porque a partir do momento em que eu percebi que podia fazer algo mais com o hóquei, conciliando-o com a minha vida profissional e académica, sempre me mantive muito focado. E, por essa razão, nunca fiquei triste por não ir sair um dia à noite, ou por não ir passar o fim de semana com os meus amigos.

“O hóquei passou de um desporto a um modo de vida”

Sente que o hóquei o tornou mais maduro e o fez crescer mais depressa?
Sim, eu acho que o hóquei passou de um desporto a um modo de vida. Aprendi muitos valores, aprendi a lidar com vários tipos de pessoas e devo isso ao hóquei. Aprendi coisas que vou levar para a vida, certamente. As pessoas com que lidas no hóquei, ou seja, personalidades, feitios são o que vais encontrar na faculdade, no trabalho ou ao longo da tua vida. É claro que choquei muitas vezes contra muros, contra obstáculos, mas isso só me ajudou a ultrapassar as dificuldades e a crescer enquanto pessoa.

Agora é aluno na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, a realizar a Licenciatura de Ciências da Desporto. Vê este curso como um complemento à carreira de atleta?
Eu desde miúdo que gostava de ser professor de educação física. E sempre foi o meu sonho entrar na Faculdade de Deporto que é a melhor do país e era algo que eu gostava há muito tempo. Claro que quero muito ser jogador de hóquei e jogar ao mais alto nível, mas tenho plena consciência que, nos dias que correm, o hóquei não sendo um desporto tão conhecido e tão bem remunerado como o futebol, é muito difícil vivermos apenas disso. E, por isso, quero tirar a minha licenciatura para já e depois o futuro, só Deus sabe. Ainda não sei bem o que quero fazer, mas tirar mestrado é algo que tenho em mente.

Foi distinguido, recentemente, com o prémio revelação da Universidade do Porto. Sente-se reconhecido?
Eu penso que o prémio teve muito a ver com a minha prestação nos campeonatos universitários. Mas claro que a conquista do mundial teve alguma influência e é bom que a Universidade onde estás a estudar, que as pessoas que estão ao teu lado na vida académica reconheçam o teu trabalho e o teu esforço e é muito bom teres essas pessoas contigo e elas darem valor ao teu trabalho.

“O hóquei é a modalidade que mais títulos deu a Portugal e merecia um bocadinho mais de respeito e valor”

Por vezes tem de abdicar do hóquei pela universidade e vice-versa. Sente que a faculdade possui mecanismos que se adaptam às necessidades dos atletas de alta competição?
Sim. Nós, atletas de alto rendimento, temos outras vantagens que os alunos ditos normais. Podemos faltar mais vezes, temos a época especial e isso é importante porque há certos momentos durante a época e durante o ano letivo em que a escola e o hóquei vão chocar. E se não fosse assim, era ainda mais difícil. Mas, atualmente, dá para conciliar sempre as duas coisas.

E em Portugal, o hóquei tem o devido reconhecimento?
Eu acho que o hóquei devia ter mais reconhecimento. Não estamos mal, mas se formos a ver não estamos bem, porque é tudo para o futebol. Mas falo no hóquei e falo noutras modalidades do nosso país que nos dão tantos títulos. Eu penso que o hóquei é a modalidade que mais títulos deu a Portugal e que merecia um bocadinho mais de respeito e de valor, porque é um desporto bonito, que cada vez mais pessoas começam a gostar e se começasse a ser mais transmitido e tivesse mais apoios, era uma modalidade que podia crescer e dar ainda mais ao nosso país.

Dois mundiais ganhos. Dois penáltis defendidos que foram decisivos para a conquista do mundial 2017. Qual é o truque para se fazer diferença entre os postes?
Eu acho que não há truque. O segredo é a equipa. Não é uma pessoa que vai resolver um jogo. Sim, eu estava lá e defendi os penaltis, mas se os meus colegas não tivessem marcado os golos nós não ganhávamos. Outras jogadas que se eles não tivessem tirado de lá a bola, podíamos ter sofrido golo. Por isso, eu acho mesmo que o truque é mesmo a equipa e a união que o conjunto tem de ter nestes momentos decisivos como é uma final.

Tiago a a levantar a Taça de Campeão Mundial sub-20, em Agosto de 2017

Está no hóquei há já alguns anos. Que situação mais engraçada recorda?
Acho que a situação mais engraçada foi quando fui pela primeira vez campeão da Europa. Lembro-me que acabou o jogo e eu não sabia o que havia de fazer. E andei uns tempos a dizer isso: “Fogo, eu acabei o jogo e não sabia o que havia de fazer, como havia de festejar”. Se haveria de levantar os braços, se haveria de tirar o equipamento, não sabia o que havia de fazer. Porque, lá está, até à altura nunca tinha ganho nada de importante e, de repente, um miúdo com 14/15 anos é campeão da Europa e ficas um bocado sem conseguires exprimir o que estás a sentir. Acho que é o momento mais engraçado e mais marcante até agora. Foi o primeiro título a sério que tive.

Sente-se já um ídolo?
Ídolo não sei, mas exemplo sim, porque tu a partir do momento que entras numa seleção nacional, por muito poucas pessoas que te vejam, tudo o que faças, dentro e fora de campo, de certeza que haverá algum miúdo, mesmo que seja do teu clube, que te conheça que vai ver e dizer:”Se ele fez eu também posso fazer”. Mas não, ídolo acho que não.

E o que é que se sente quando se é campeão pela seleção?
Não se descreve, sente-se. Nós normalmente, na cerimónia de abertura dos mundiais ou dos europeus, canta-se sempre o hino. E os hinos, normalmente, são cortadas a meio e em todas as equipas da seleção que eu tive, nós cantamos sempre o hino da seleção até ao fim, ou seja, a organização cortava-nos o hino e nós continuávamos a cantar e a maior parte das vezes, levantávamos os pavilhões, porque ficavam, do tipo ‘o que é que eles estão a fazer?’. Porque acho que o hino é algo que nos caracteriza, é um motivo de orgulho poderes cantar o hino do teu país para tanta gente. É algo que é indescritível mesmo, seja no início, seja no fim, quando ganhas a taça. Não há palavras para descrever.

Quais os objetivos agora?
Agora é continuar a trabalhar. Vou passar a sénior no próximo ano. Mas não sei o que é que me espera. O foco é sempre continuar a trabalhar para alcançar os meus objetivos.

Artigo editado por Filipa Silva