O mestrado em Oncologia levou-o aos corredores do IPO do Porto. Na bagagem, Hernani Zão Oliveira levava já duas licenciaturas: uma em Biologia e outra em Ciências da Comunicação.

Um dia, uma enfermeira contou-lhe a história de uma mulher submetida a uma reconstrução mamária. Era de uma, podia ser de várias. “Não a tinham avisado – por ser uma coisa tão rotineira – que ela não ia ficar com a auréola logo na primeira operação. Quando foi mudar o penso, ela não estava à espera daquilo. Pensava que ia ter uma mama perfeita e quando viu ficou tão mal que ficou num estado depressivo durante semanas”. Foi aí que o agora estudante de doutoramento pensou: “Tinha de fazer alguma coisa”.

E fez. No âmbito do mestrado que estava a fazer no Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar (ICBAS) e no Instituto Português de Oncologia (IPO) decidiu apostar num projeto na área da comunicação em saúde. Como a infografia lhe parecia essencial ao caso, foi bater à porta da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Foi então com a ajuda de designers que criou “uma agenda virtual” para o cancro da mama “para explicar todo o processo desde que a mulher entra no IPO até à parte em que tem de se adaptar a uma nova vida”.

Hernani Zão Oliveira vai ao México apresentar o Projeto HOPE a 13 de novembro.

Hernani Zão Oliveira | Foto: Filipa Silva

O projeto venceu o Prémio Diogo Vasconcelos da FAP, na área do empreendedorismo social, e esteve na origem do primeiro contacto da equipa com a ala pediátrica do IPO. Estavamos em 2013 e lançavam-se as bases do projeto HOPE que agora, quatro anos volvidos, é selecionado como finalista de um concurso internacional de inovação tecnológica em oncologia. Mas já lá vamos.

Super-heróis de pijama

Na sequência da agenda, o diretor da ala pediátrica do IPO abordou a equipa para apresentar “três problemas importantes” das crianças internadas que urgia resolver, conta o investigador responsável pelo projeto ao JPN.

O primeiro era o sedentarismo, o segundo era o medo e o terceiro eram os pais que “acabam por ficar sem saber o que fazer e consultam fontes [de informação] que não são credíveis”.

“O processo foi o mesmo do cancro da mama: comecei a bater a algumas portas, lembrei-me que seria engraçado juntar a parte recreativa, transformando-a numa ferramenta terapêutica para os ajudar a passar o tempo, para aumentarem a atividade física e ao mesmo tempo para aumentarem também o conhecimento sobre a própria doença e os tratamentos”.

Numa altura em que a consola Wii e o exergaming [jogos que proporcionam o exercício físico]  estavam em voga, o desenvolvimento de um videojogo apareceu como a melhor solução.

Com a ajuda do grupo de investigação em videojogos da FEUP – que propôs o tema para uma tese de mestrado em Engenharia Informática – e de uma candidatura bem sucedida ao Passaporte para o Empreendedorismo do Governo – pelo qual consegueriam três bolsas para se dedicarem em exclusivo ao projeto – o HOPE avançou, envolvendo também designers, médicos e uma pessoa da área do cinema que haveria de ajudar na parte da montagem da narrativa do jogo.

O jogo vai até à batalha decisiva: aquela em que a criança, isto é, o super-herói, vai entrar numa cápsula e seguir artéria adentro para destruir as células más do sangue.

O videojogo procurou assegurar duas características: “uma realista, em que a criança identifica o espaço do hospital” e outra “do mundo mágico e metafórico”, através da qual a criança é colocada no papel de um super-herói que tem de batalhar contra o cancro. Desmistificar é o grande objetivo.

“Uma coisa que as traumatiza muito é o facto de, quando começam a fazer quimioterapia, terem de rapar o cabelo, sobretudo as raparigas. Falamos com uma equipa de psicólogos que estavam a trabalhar connosco e percebemos que era muito importante que a criança tivesse a consciência de que rapar o cabelo seria importante para a sua recuperação. Então, no início do videojogo é a própria criança que rapa o cabelo da personagem, o que lhe dá o superpoder essencial para começar a batalhar naquele jogo.”

Para a personagem ficar completa, falta-lhe, claro, um fato. O destes super-heróis é familiar a todos os utentes da ala pediátrica do IPO: o pijama.

O primeiro cenário do jogo, o único que está já desenvolvido, passa-se todo no hospital e tem vários níveis. O objetivo de fundo é sempre o mesmo: dar informação à criança sobre o que está a passar e indicações sobre que comportamento adotar.

No nível do diagnóstico, por exemplo, o jogo propõe que se acerte no alvo. “Temos a agulhinha e o braço está agitado. E a criança reconhece que quanto mais o braço se agita mais difícil é acertar no alvo, isto para dar à criança a noção de que é muito importante permanecer calma, sossegada”, explica o investigador.

Na parte da radiografia, a atividade exigida aumenta obrigando-as a fazer alguns alongamentos. Isto vai até à batalha decisiva: aquela em que a criança, isto é, o super-herói, vai entrar numa cápsula e seguir artéria adentro para destruir as células más do sangue.

Na pesquisa para o desenvolvimento deste videojogo 2D para tablets e smartphones foram entrevistadas 80 crianças, com a doença ou sem ela, e pais. “Era muito importante para nós fazer alguma coisa que, de facto, fosse jogável. Que não fosse apenas um jogo sério”, frisa Hernani Zão Oliveira.

O primeiro protótipo ficou pronto a meio de 2014 e seguiram-se os testes de usabilidade com as crianças.

“O que percebemos é que o jogo atingiu níveis de motivação muito interessantes. Cerca de 80% das crianças depois de utilizarem o jogo durante um mês aumentaram o conhecimento sobre a questão do cancro. E é engraçado que esta informação desmisticava muitos medos que tinham. Já sabiam dizer os procedimentos que iam fazer”, conta.

Paralelamente, é identificada outra lacuna que levou ao desenvolvimento de uma ferramenta para os pais e cuidadores informais da criança. Trata-se de uma aplicação, ligada ao videojogo, que contém informações, muitas vezes básicas, para apoiar os pais sobretudo depois da fase de internamento hospitalar, em aspetos como a alimentação da criança com cancro. Aqui também foram envolvidos, além de psicólogos e nutricionistas do IPO, pais e crianças que sobreviveram ao cancro.

 

Apresentada a tese de mestrado na área da Engenharia Informática, em finais de 2014, o projeto conclui, por assim dizer, uma primeira fase.

Projeto é finalista de concurso internacional

Passaram três anos, mas o HOPE não foi esquecido. Hernani Zão Oliveira arrancou há dois anos o doutoramento em Media Digitais, na FEUP, também com o objetivo de o resgatar. E o projeto ajudou a tornar mais evidente a necessidade de criar uma estrutura de investigação ligada à literacia em saúde.

Foi então, já em 2016, aproveitando a abertura de um concurso do Media Innovation Labs da UP, que foi criado o LACLIS, Laboratório de Criação para a Literacia em Saúde, que junta nove centros de investigação e faculdades da universidade e que é pioneiro na área ao nível nacional.

Agora, o HOPE renova a esperança de conhecer novos avanços. Isto porque, depois de ter chegado a finalista de grandes concursos nacionais, como o “The Next Big Idea” e o “Prémio Nacional para as Indústrias Criativas”, está entre os cinco finalistas de um concurso internacional, promovido pela farmacêutica Astellas Pharma, em parceria com Robert Herjavec, conhecido investidor do Shark Thank americano.

Hernani Zão vai apresentar o videojogo e a aplicação à Cidade do México no próximo dia 13, na World Cancer Leaders Summit. Na condição de finalista, o projeto tem garantidos 12.500 dólares e corre por um prémio final de 50 mil dólares, e ainda uma sessão de consultoria com Robert Herjavec, que foi também ele cuidador da mãe na fase terminal da doença.

Ganhe ou não o prémio final, estar entre os cinco finalistas do Astellas Oncology C3 Prize, entre 160 projetos de 21 países, tem já ganhos garantidos.

Além do reconhecimento do valor da ideia, da oportunidade para fazer contactos e apresentar quer o LACLIS quer outros projetos da unidade, está assegurada para os finalistas um ano de participação no MATTER, um consórcio de inovação tecnológica nos cuidados de saúde que pode ajudar ao desenvolvimento da ideia. “Vai ser muito bom para tentar concluir ao máximo o protótipo, tentar lançá-lo, ainda há muita coisa a fazer no protótipo, mas o que queremos mostrar é uma ideia que já está a produzir resultados, que já está a ser publicada em termos académicos e que só precisa de força financeira.”

Desistir é palavra que não está nos planos de Hernani Zão Oliveira mesmo sabendo que 50 mil dólares são uma gota num oceano de investimento que o projeto necessita. É um esforço de guerra de uma batalha maior: mudar a informação e a comunicação nos hospitais. “É por isto que eu luto. É um dos meus projetos de vida. A comunicação é também uma forma terapêutica e é uma recomendação terapêutica que os médicos devem ter. Médicos e profissionais de saúde. Devemos ter esta noção: a informação é poder.”