“Chegamos a um ponto que anda próximo do insuportável, do intolerável”. A carência de enfermeiros é um dos problemas da profissão que preocupa Paulo Parente. O presidente da Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP) considera ser uma questão mais grave do que a falta de médicos, a qual, na sua opinião, “passa mais por uma má distribuição”. Atualmente, com sete enfermeiros para cada mil habitantes, Portugal apresenta “um registo mais baixo do que a média da União Europeia”.

Os valores apresentados não são, contudo, uma questão de falta de candidatos aos cursos de Enfermagem. “Temos 270 vagas e sempre candidatos na ordem dos mil, o que é quase quatro candidatos por cada uma das vagas”, frisa. O problema, garante, está no “difícil acesso” à profissão em Portugal. Paulo Parente diz ao JPN que essas dificuldades passam por uma “forte contenção nas admissões na Administração Pública”,  a maior empregadora de enfermeiros.

Nesta situação, deixa de haver “emprego para responder a novas necessidades”, como as das pessoas dependentes. Os apoios a este grupo da população são “ainda pouco profissionalizados” e deveriam “ser assegurados por enfermeiros”. “Há uma grande necessidade de enfermeiros”, aponta o responsável.

Uma questão de “justiça comparada”

Paulo Parente não tem dúvidas de que a escassa oferta de emprego está ligada ao investimento insuficiente do Estado. O presidente da ESEP considera que quando o “Estado não tem disponibilidade para investir na resposta às necessidades da população” é natural que haja dificuldades na criação de emprego.

Das promessas de 35 horas semanais de trabalho, de reposição de “horas incómodas” (noites, fins de semana e feriados) e da revisão da carreira, o presidente da ESEP desconfia: “Gosto mais de ver as coisas preto no branco, das promessas serem cumpridas na hora”.

Admite que o Estado tem “recursos limitados” e que “nem tudo o que desejamos é possível”, mas a proposta negociada até ao momento parece-lhe “escassa”. A falta de medidas face aos “ordenados baixos” dos enfermeiros remete para uma questão de “justiça comparada”.

“Vemos aumentos de 200, 400 euros em algumas profissões que viram a sua carreira revista. Os enfermeiros, como são muitos e têm um fortíssimo impacto em termos de finanças públicas, não são revistos”, lamenta Paulo Parente.

Para o professor da ESEP, o Governo deveria ter “encarado estas questões da melhor maneira”. A falta de esclarecimento quanto ao método e recursos do Governo nas negociações são um ponto que “deu azo” a reclamações e manifestações por todo o setor da enfermagem, o qual se sente “de alguma forma injustiçado”.

1.200 euros é um salário digno?

Paulo Parente estabelece uma relação entre o trabalho do enfermeiro e a sua compensação financeira. Para ele, os valores atualmente auferidos ficam àquem das “habilitações e responsabilidades” inerentes à profissão. É “importante reconhecer que os enfermeiros são mal pagos”, sublinha.

As negociações para a revisão da carreira e tabela salarial do enfermeiro chegaram a bom porto há dez anos. Contudo, “o Governo caiu” e deu-se início a uma “fase de contenção”. O congelamento de salários deixou os enfermeiros, “já na altura, claramente abaixo de outras profissões”, salienta o presidente da ESEP, uma das três escolas públicas de Enfermagem do país.

Paulo Parente volta a destacar ao JPN que não tem “dúvida”: os enfermeiros são “das profissões mais mal pagas na Administração Pública”, dentro da esfera da saúde.

Movimento sindical pouco coerente

Com experiência em sindicatos e na Ordem dos Enfermeiros, Paulo Parente confirma que existem “tendências” distintas nas várias “correntes sindicais” envolvidas nas negociações de enfermeiros com o Governo.

O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) é uma das associações defensoras dos direitos da profissão. Créditos: Sindicato dos Enfermeiros Portugueses

Sindicato dos Enfermeiros (SE), Sindicato Independente dos Profissionais de Enfermagem (SIPE) e Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) apresentam “linhas de política diferentes” na interação com o Estado. Em função do “ciclo político que estamos a viver”, os sindicatos poderão ser “mais reivindicativos ou menos reivindicativos”, esclarece o presidente da ESEP.

Logo, para Paulo Parente, não é surpresa que “os sindicatos que emergiram agora como mais reivindicativos” são os que estão fora da “órbita do Governo”. Essas mesmas associações que em anos anteriores assumiam “exatamente posições contrárias”.

A entrega de títulos de especialidade

Adalberto Campos Fernandes, ministro da Saúde, afirmou em julho deste ano que a entrega dos títulos de especialização dos enfermeiros é uma atitude “ética e deontologicamente condenável”. Para Paulo Parente é uma questão de “reivindicação” dos direitos do enfermeiro.

A especialização exige uma “formação acrescida”, cujo título, entregue pela Ordem dos Enfermeiros, garante ao profissional especialista “habilitações para prestar esse tipo de cuidados especializados numa dada área”. “A maior parte dos enfermeiros têm uma formação especializada e a saúde materna e obstétrica é um bom exemplo”, confere Paulo Parente ao JPN.

No entanto, as instituições “aproveitam as competências dos enfermeiros” para “rentabilizar interesses da própria instituição”, sem remunerá-los pelo trabalho mais “especializado”. O presidente afirma que “não há qualquer  legitimidade” em contestar o direito do enfermeiro a “ver reconhecido e retribuído esse trabalho especializado”.

Em setembro, milhares de enfermeiros saíram às ruas para contestar a desvalorização dos títulos de especialidade. Créditos: Adriano Miranda/Público

A lacuna encontra-se na legislação: só existe uma categoria na carreira de enfermeiro. Logo, engloba “tanto enfermeiros de cuidados gerais, como enfermeiros especialistas”. Este argumento utilizado pelo ministério da Saúde não convence Paulo Parente: “se essas competências são usadas, devia ser sempre remunerado”.

É deste modo que o Estado “se aproveita de forma abusiva e exploradora da formação que os enfermeiros têm”. O protesto mais comum é a “entrega da cédula com o título de enfermeiro especialista”. O professor da ESEP não vê mal: da mesma forma que “a Ordem [dos Enfermeiros] lhes atribuiu o título”, também o pode ver devolvido.

Artigo editado por Filipa Silva