“Por mais preparado que se esteja, por mais vídeos que se vejam, por mais notícias que se leiam, nunca estamos completamente preparados para enfrentar o que se encontra num campo de refugiados”. Quem o diz é Dip Manilal, um jovem português de 24 anos que fez recentemente três semanas de voluntariado na ilha de Lesbos, na Grécia.

Kara Tepe é o nome do campo onde esteve. Segundo ele, um dos que reservam melhores condições aos cerca de mil refugiados ali concentrados: “é o campo das famílias”, conta ao JPN. Famílias que já não vivem em “tendas”, mas sim em “contentores”.

Dip integrou uma associação de voluntários que tinha três grandes funções: a “distribuição de chá e café” – que é, ao nível cultural, muito importante para os refugiados; a “distribuição de roupa” e “dar aulas para quem quisesse assistir”. Apenas voluntários certificados o podiam fazer e as aulas eram em inglês.

Em Kara Tepe dança-se…

Kara Tepe é um campo de refugiados em Lesbos, na Grécia. Foto: Dip Manilal

O turno de Dip começava às 8h30. A primeira coisa a fazer era a distribuição do pequeno-almoço. “Tínhamos um tea point, em que as pessoas vinham com as suas termos buscar o chá ou o café”, explica. Por volta das 13h00, era feita a distribuição do almoço. Durante a tarde era servido um lanche e, por último, o jantar.

Entre as refeições, “alguns iam às aulas, outros saíam do campo para ir pescar”. Para as crianças, “havia muitas atividades, mas para os adultos as opções eram mais escassas”.

Dip encontrou em Lesbos, como seria de esperar, uma realidade muito diferente da sua. Para ir do apartamento onde dormia para o campo, “ou apanhava um autocarro ou apanhava boleia” e, neste caso, boleia era “literalmente estender o polegar e esperar que um carro que parasse”. “O que eu fazia era perguntar: ‘Kara Tepe?’ e se as pessoas passassem lá, respondiam: ‘Kara Tepe!’ e deixavam-me entrar no carro”, conta.

Em relação ao contacto com as pessoas, “o maior choque foi cultural”. A questão das mulheres, por exemplo, é “muito delicada”. “Não havia aulas mistas”, explica-nos.

“É importante perceber que, naquele campo, havia pessoas de vários países, etnias, nacionalidades, culturas e até de várias religiões”, prossegue. Muitas delas são de países em guerra. Talvez por isso, uma das celebrações que trouxe na memória foi aquela a que assistiu às sexta-feiras no campo: “A festa funcionava de uma forma muito simples: era uma música de cada país e ia rodando”. O jovem revela ter ficado “pasmado” ao ver que “toda a gente dançava a música de toda a gente”.

“Ali não havia sírios, não havia iraquianos, não havia afegãos, não havia nacionalidades. Ali havia união”, nota.

… mas também se faz silêncio

Dip relata que todas as conversas com os residentes daquele campo não eram fáceis porque “ali cada um tinha a sua história de vida difícil”. Destaca os “minutos de um silêncio constrangedor, muito difíceis de gerir”, fruto das histórias que ouvia pelo campo fora. “É nestas situações que a vida nos dá mesmo uma chapada e pensamos que os nossos problemas, comparados àquilo que ouvimos ali, não são nada”, diz.

“Quando lá estás, percebes que o expoente mais alto da humildade é a felicidade na sua forma mais simples”

O jovem afirma que as histórias que as pessoas contavam era a parte “mais chocante”. No entanto, sente ter encontrado em Kara Tepe das crianças “mais felizes” que algum dia conheceu. “Crianças naturalmente alegres”, recorda. “Quando lá estás, percebes que o expoente mais alto da humildade é a felicidade na sua forma mais simples”.

Uma das centenas de crianças de Kara Tepe.

Uma das centenas de crianças de Kara Tepe. Foto: Nações Unidas

“Depois de voltares, só consegues pensar na próxima”

“É muito gratificante pertencer a isto”, diz-nos. Ir a Lesbos, conhecer um campo de refugiados: “foi a experiência da minha vida”, confessa. O jovem com ascendência indiana diz que aquilo que recebeu desta experiência, a “semente” que lhe deixou “plantada”, é sublime e que, por isso, “não vai haver outra experiência” que o faça mudar “tanto a maneira de pensar e de ver as coisas”.

Aquando do retorno a Portugal, Dip procurou um projeto em que pudesse continuar a ajudar refugiados e por isso candidatou-se à Refugees Welcome Porto.

“Depois de voltares, só consegues pensar quando é a próxima, quando é que voltas a ter disponibilidade para regressar. Eu mantenho contacto diário com pessoas que conheci lá em três semanas. Não me consigo desligar daquelas pessoas nem quero. São pessoas muitos diferentes que acabam por te enriquecer e por mudar bastante a tua forma de ver as coisas. E isso foi a coisa mais positiva que eu trouxe de lá: aprender a desconstruir qualquer tipo de problema que me surja. Aprendi a ver as coisas de uma forma muito mais relativa”, concluiu.

Artigo editado por Filipa Silva