O terreno onde se encontra instalado o antigo Colégio Almeida Garrett, que a Universidade do Porto, atual proprietária, decidiu alienar em hasta pública este verão, tem “uma pequena faixa” que se inclui na zona de proteção da rua de Cedofeita, facto que garante à Câmara Municipal do Porto o direito de preferência na aquisição do imóvel.

A autarquia não tem, contudo, planeado o exercício do direito, uma vez que teria de igualar a oferta vencedora da hasta pública, de 6,1 milhões de euros, um valor “35% acima” do valor da avaliação dos terrenos feita pelos serviços camarários.

O assunto foi levado à reunião pública do Executivo na manhã desta terça-feira pelo presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, que fez uma cronologia de eventos na sequência de um pedido de esclarecimento apresentado por escrito pelos vereadores do Partido Socialista e da CDU.

Manuel Pizarro e Ilda Figueiredo questionaram a presidência, a 16 de novembro, sobre se a câmara tinha conhecimento da venda do imóvel, situado junto à Praça Coronel Pacheco, e se estaria disponível para exercer o direito de preferência na sua aquisição.

A autarquia respondeu não ter sido notificada nesse sentido e que a informação de que dispunha; à altura, era a de que nem o edifício estava classificado nem estava implantado em zona de proteção.

No dia seguinte, o cenário mudaria de figura: “na tarde de 17 de novembro, veio a Universidade do Porto notificar a Câmara do Porto, através do portal Casa Pronta para, querendo, exercer o direito de preferência”, explicou Rui Moreira aos presentes.

O antigo Colégio Almeida Garrett fica junto à Praça Coronel Pacheco, no centro do Porto.

Entrada principal do antigo Colégio faz-se pela Praça Coronel Pacheco. Foto: Rita Neves Costa

Na sequência deste contacto, a câmara reuniu na semana passada com o administrador da Universidade do Porto.

“Foi então possível apurar qual a área exata que foi colocada em hasta pública e quais as confrontações e limites do terreno tendo-se percebido que há uma pequena faixa do terreno, que não incluía o edifício do antigo colégio, que se encontra na zona de proteção de imóvel protegido, relativamente àquela zona de proteção da rua de Cedofeita”, declarou ainda o presidente da Câmara do Porto.

Rui Moreira pediu, então, aos serviços da autarquia para avançarem com uma “estimativa de avaliação ao imóvel nas condições em que era apresentado em hasta pública”.

O valor médio a que a autarquia chegou andou próximo, ainda que ligeiramente abaixo, daquele que a UP lançou na hasta pública. Os serviços da câmara apontam para um valor médio de avaliação na casa dos 4,5 milhões de euros, ao passo que a UP lançou a hasta pública  nos 4,7 milhões.

O “problema”, como Rui Moreira o chamou, é que o edifício foi vendido por 6,1 milhões de euros e é este o valor que a autarquia terá de igualar se quiser exercer o direito de preferência.

“O preço de mercado está cerca de 35% acima do valor de avaliação, sendo ainda 32% acima do valor base da hasta pública lançada pela UP”, concluiria o governante para depois da reunião acrescentar que, por essa razão, “não” lhe “parece razoável que o município exerça o seu direito de preferência”.

“Em princípio não”, respondeu quando confrontado diretamente com a possibilidade.

Rui Moreira salvaguardou ainda que considera “legítimo que a UP tente aproveitar esta oportunidade para fazer uma mais-valia muito superior até aquilo que estava a pensar. A universidade quer com isso fazer um conjunto de investimentos que o senhor reitor já anunciou”,disse no final aos jornalistas [ver caixa].

PS visita colégio na quinta-feira

Voltando à reunião, o Partido Socialista agradeceu os esclarecimentos, pela voz de Manuel Pizarro, e informou que vai proceder a uma visita ao edifício na quinta-feira de manhã e que o PS não tem uma opinião fechada neste momento sobre o assunto.

A avaliação do exercício do direito de preferência deve ser feita, na opinião dos socialistas, de acordo com o “interesse público municipal” do imóvel.

O concurso público para a alienação do antigo Colégio Almeida Garrett foi aberto em junho pela Universidade do Porto.

A Real Douro, Promoção e Gestão Imobiliária foi a vencedora do concurso ao comprar o complexo por 6,1 milhões de euros, segundo adiantou a Lusa.

A universidade pretende reinvestir o valor ganho com a venda “integralmente” em reabilitação.

Só para os próximos dois anos, a instituição tem previstas intervenções “orçadas em 20 milhões de euros, que permitirão renovar os edifícios da FEP, FBAUP, criar novas instalações para a FCNAUP, reabilitar nove residências universitárias e recuperar o Estádio Universitário”, esclarece a instituição.

A área total do terreno do antigo Colégio de Almeida Garrett é de 8.520 metros quadrados. A área de implantação de edifícios é de 2.880 metros quadrados.

“Tanto quanto nos parece, só existem nesta área da cidade dois espaços com o mesmo valor paisagístico e ambiental: além do Colégio Almeida Garrett, o quarteirão da Companhia Aurifícia. O que quer dizer que estamos em risco, se não for exercido o direito de preferência em nenhum dos casos, se não formos capazes de adquirir nenhum destes imóveis, de perder a possibilidade de alargar o espaço público da cidade”, disse durante a reunião.

Mais à frente na reunião, já a propósito do debate do orçamento da autarquia para o próximo ano, que foi aprovado com votos contra da CDU e abstenções dos vereadores do PS e de Álvaro Almeida, da coligação Porto Autêntico (PSD/PPM), o edifício voltou à baila na discussão, com Rui Moreira a querer puxar a discussão sobre a posição que a autarquia deve adotar em matéria de direito de preferência.

O vereador social-democrata, Álvaro Almeida, advoga cautela no exercício desse direito. Comprando, diz o professor da Faculdade de Economia do Porto, a câmara vai “pressionar o mercado imobiliário” podendo contribuir para o aumento de preços e da procura, expressando ainda dúvidas sobre se a câmara deve ter aspirações de proprietária: “só com objetivos específicos”, disse.

O antigo Colégio está visivelmente degradado.

O antigo Colégio está visivelmente degradado. Foto: Rita Neves Costa

Rui Moreira é da opinião de que o município deve sempre “avaliar a possibilidade de fazer um bom negócio”, o que pode passar pela aquisição de património para o qual tenha uso desde que a compra esteja balizada pelo valor do mercado ou esteja mesmo abaixo desse, cumprindo dessa forma, em simultâneo, uma função de quase regulador ao “formalizar o mercado”.

“Com preços claramente inferiores ao mercado aceito”, retorquiu Álvaro Almeida, “mas ao preço do mercado está a aumentar a procura àquele preço e portanto a contribuir para o aumento do preço e da procura naquela zona”.

Manuel Pizarro entende “os riscos económicos” de uma intervenção da autarquia, mas considera ser essa a melhor solução para uma cidade “mais equilibrada”.

À frente, Ricardo Valente, vereador com a pasta da Economia e também ele professor na FEP, veio considerar “um mito” a avaliação feita por Álvaro Almeida, uma vez que os números dão conta de uma intervenção “ínfima” da autarquia – seis imóveis em 513 transacionados no centro histórico em 2016, segundo os dados que citou. Preferência sim, mas “sem ceder à especulação”, o que aconteceria, defendeu, se a câmara igualasse valores que estão acima da avaliação de mercado, como acontece no antigo Colégio Almeida Garrett; a segunda condição a cumprir será  haver “utilidade estratégica” para o município.