É na sala de Exposições Temporárias, ao passar as estátuas esculpidas por Soares dos Reis, que encontramos a panóplia de trabalhos de José Almada Negreiros. A carvão, a aguarelas, a tinta de vitral e a ferro, as obras descansam nas paredes. E algumas, por agora, no chão.

Mariana Pinto dos Santos é a curadora da exposição “José Almada Negreiros: Desenho em Movimento” que abre esta quarta-feira as portas ao público, no Museu Soares dos Reis, no Porto. Desde 2001 que investiga o espólio escrito de Almada Negreiros e desde 2012 que faz o mesmo com a sua obra plástica.

Trouxe consigo de Lisboa cerca de 90 obras do artista – algumas delas inéditas – com um “convite para agora olhar para elas através de um ponto de vista cinematográfico, no sentido de mostrar o quão esta linguagem foi importante para os artistas da modernidade”, refere.

“Almada diz mesmo que ‘nós, os da ‘Orpheu’, estávamos profundamente atentos a tudo o que se estava a passar no cinema’”, cita a curadora. E estavam mesmo.

A representação das mulheres, como Greta Garbo no filme “O Beijo” , e representação de cortes de cabelo femininos curtos (os famosos cortes “a la garçon”) espelham na perfeição esta ligação entre a arte de Almada e o cinema: o “retrato da vida quotidiana e de mulheres – muitas mulheres, mais do que homens -, desta sociedade, da via mundana e da boémia. Coisas que vêm dos filmes mudos”, observa Mariana Pinto dos Santos.

Mas não era nos filmes mudos que se encontrava a arte: a realidade era demasiado próxima daquilo que deveria ser ficção.

É com a estreia de “A Branca de Neve e os Sete Anões”, em 1937, que Almada encontra a sua vocação artística pelo cinema: através do cinema de animação.

“Foi o primeiro filme sonoro e a cores animado e, quando estreia, ele fica completamente extasiado e faz uma conferência de propósito em Lisboa, porque finalmente conseguiram ultrapassar o problema deixado pelo cinema mudo”, explica Mariana Santos com entusiasmo.

“Ele tentou fazer filmes de animação por volta de 1913 – não sei até que ponto é que a sua memória não lhe estará a pregar partidas, a recuar muito -, mas a verdade é que essa intenção existe e quando ele já está na fase final da sua vida, ele fica muito obcecado e chega a dizer que gostava muito de fazer um filme animado e abstrato geométrico”, completa.

Sobre as aventuras cinematográficas do próprio autor, Mariana Santos relembra o conjunto de seis vidros originais que pela primeira vez vão estar expostos – visto que nem há assim tanto tempo que foram descobertos.

Intituladas de “La Tragedia de Doña Ajada”, as peças foram criadas para uma obra coletiva “em lanterna mágica”: “era um espectáculo musical com componente visual, e ele é responsável por essa parte do espetáculo. Para isso, faz seis desenhos recortados em silhueta, como se fossem sombras chinesas – mas não são, porque são pintados – e fotografa-os em placas de vidro de 8×8 centímetros, pinta-os à mão e projeta-os num aparelho de lanterna mágica que já era obsoleto”.

A composição completa, que junta os desenhos originais de Almada e a composição musical de Salvador Bacarisse, foi apresentada pela primeira vez em Madrid, durante o ano de 1929. Agora, vai estar em projeção digital na exposição, enquanto que os vidros que lhe deram origem estarão em exposição.

Embora a mostra se proponha a ampliar um dos (muitos) conceitos explorados na Gulbenkian, no Museu Soares dos Reis vão estar novidades apetecíveis, dentro das quais 64 desenhos que compõem uma história (cinematográfica) ilustrada a que artista chamou “Naufrágio da Insula”, que conta a história do naufrágio ao largo da ínsula de Modelo, em 1934, em Viana do Castelo.

Em estado de conclusão, Mariana Pinto dos Santos refere ainda outro elemento essencial na exposição: o texto; algum dele inédito também. “Todos os textos – há exceção de alguns – são do Almada. E são também aqui, pela primeira vez, mostrados. São uma compilação que mostra como o cinema esteve presente também na sua escrita e na reflexão que ele fez sobre arte: e principalmente sobre o cinema de animação”.

O ingresso de cinco euros inclui a visita ao Museu Nacional Soares dos Reis e à exposição “José Almada Negreiros: Desenho em Movimento”, que vai estar patente no Porto até 18 de março do ano que vem. Os horários vão das 10 às 18 horas, de terça a domingo, sendo que neste dia as entradas são gratuitas até às 14 horas.

Artigo editado por Filipa Silva