Aos 23 anos, Bruno Helman é a prova viva de que a diabetes tipo 1 não é um obstáculo à vida normal. Formado em Relações Internacionais, pertence à Associação de Diabetes do Brasil e é Young Leader in Diabetes pela Federação Internacional da Diabetes. Dedica-se à educação e à luta pelos direitos da população afetada pela doença, tendo já criado o seu próprio projeto relacionado com a causa, o #42KFOR420MILLION.

Esteve em Portugal a convite da Associação de Jovens Diabéticos de Portugal (AJDP) para participar numa corrida/caminhada no dia 6 de janeiro no Parque das Nações, com o objetivo de divulgar a sua história, incentivar a prática de exercício físico e quebrar preconceitos sobre a diabetes.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, o número de pessoas que sofrem da doença passou de 108 milhões em 1980 para 422 milhões em 2014. Apesar de serem cada vez mais os afetados, Bruno Helman considera que ainda existem “muitos mitos e preconceitos sobre a condição.”

Numa entrevista concedida ao JPN numa passagem recente pela Invicta, o jovem explica do que se fala quando se fala de diabetes tipo 1: “É uma doença crónica autoimune, ou seja, o nosso sistema imunológico destrói as células pancreáticas que produzem a insulina. A insulina é a hormona responsável pela metabolização do açúcar no sangue, ou seja, por quebrar o açúcar em moléculas menores e transformá-las em energia. Uma pessoa que tem diabetes tipo 1 não produz insulina e precisa de tomar doses diárias desta para que consiga metabolizar a glicose, algo que uma pessoa que não tem diabetes faria de uma forma natural”, explica.

Bruno foi diagnosticado com diabetes tipo 1 aos 18 anos, uma idade relativamente tardia. “Foi um completo choque”, confessa. “Tive de ser internado para estabilizar os meus níveis glicémicos. Eu não entendia o porquê de eu ter desenvolvido diabetes, o que mostra a falta de informação e os preconceitos que permeiam a condição”.

Confessa que associava a diabetes “exclusivamente aos maus hábitos alimentares e ao sedentarismo”. Depois percebeu que não, e que estava perante uma condição com que “teria de viver o resto da vida”. Aí, deparou-se com duas escolhas: “ou deixava a diabetes controlar-me ou eu controlava a diabetes. Escolhi a segunda opção e a partir daí a minha qualidade de vida e o meu bem-estar melhoraram muito.”

Celebrar “o doce da vida”

Bruno considera que a notícia do diagnóstico implicou grandes mudanças na sua vida: “A primeira foi o autoconhecimento: conhecer o meu prórpio corpo, as suas diferentes reações e respostas, entender quais eram os meus limites e saber respeitá-los. A segunda foi a responsabilidade e a maturidade de entender que aquela era uma condição com que eu teria de conviver o resto da minha vida e que para isso alguns hábitos teriam de ser adotados”.

A seguir entra a corrida. “Eu não corria antes do meu diagnóstico, por isso eu tornei-me maratonista por causa da diabetes. Acima de tudo, a diabetes trouxe-me amor próprio e amor à vida; aproveitar ao máximo o que a vida oferece e aprender sempre com os momentos de dificuldade; como eu digo, celebrando o doce da vida”.

O jovem acredita que “o estilo de vida que uma pessoa com diabetes tem não é muito diferente do estilo de vida de qualquer pessoa que procura ter uma alimentação equilibrada”: abusos excecionais, 30 minutos de atividade física diária e equilíbrio emocional fazem parte da receita.

Bruno considera que estas preocupações com a saúde “não são exclusivas de quem tem diabetes e aplicam-se a todas as pessoas que procuram ter qualidade de vida”, mas realça que não quer romantizar a diabetes, visto que “existem algumas questões especiais, como o acompanhamento médico frequente, a utilização dos medicamentos de acordo com a prescrição e a procura de acompanhamento psicológico e de associações ou formação sobre a diabetes”.

Uma das maiores mudanças que o próprio considera que a diabetes lhe trouxe foi a corrida. Bruno conta que começou a correr com o objetivo de correr uma maratona com o pai, para “retribuir de alguma maneira todo o amor e carinho que ele me tinha dado ao longo dos anos”.

“Comecei do zero, nunca tinha corrido, praticava atividade física, mas nunca tinha corrido. Prepararei-me para a maratona correndo todas as principais distâncias: 5, 10, 15, 21 e 30 quilómetros, com ele, por isso ele também acompanhou todo o processo de preparação. Em maio de 2016 completamos juntos a Maratona do Rio de Janeiro e a partir daí eu percebi que a corrida não era só um aliado importante no meu cuidado com a diabetes, mas também para me conectar comigo mesmo, para regular o meu humor e mais do que isso, para a minha luta pelos direitos da população com diabetes”, conta ao JPN.

Bruno Helman conta já com três participações em maratonas. Apesar de afirmar que cruzar a linha de chegada com o pai “foi dos momentos mais emocionantes e indescritíveis” da sua vida, considera a Maratona de Nova Iorque a sua prova mais marcante, “não por ser a maratona mais importante do mundo, mas sim por ter sido a estreia do meu projeto, por eu estar a representar a comunidade de pessoas com diabetes e também por ter conseguido arrecadar mais de 4500 dólares para a fundação americana JDRF (Juvenile Diabetes Research Foundation), que financia vários estudos clínicos em todo o mundo à procura da cura da diabetes”.

Confessou-se emocionado quando “em vários momentos da maratona as pessoas reconheceram o logótipo da diabetes” e o pararam para lhe agradecer. Não só conseguiu o seu melhor tempo como saiu grato por ter representado a comunidade e por saber que de alguma forma contribuiu “para a procura da cura da diabetes”.

“Foi uma prova em que eu senti que não estava lá por mim, eu estava lá por todos nós e foi muito especial poder praticamente desfilar no Central Park com a bandeira do projeto”, acrescenta.

O projeto #42KFOR420MILLION

Mesmo sendo associado de várias instituições dedicadas à diabetes, Bruno também criou o seu próprio projeto. Chama-se “Correndo pela cura da Diabetes #42KFOR420MILLION” e nasceu a partir do seu desejo de “correr a Maratona de Nova Iorque por algo relacionado com a diabetes”. Bruno revela que começou por “pesquisar as diferentes instituições que arrecadavam recursos para a maratona” para assegurar a vaga e que assim descobriu “o trabalho magnífico que a JDRF realiza”.

“Eu não queria que fosse só uma angariação de fundos, eu queria que fosse um projeto muito maior, foi por isso que eu criei o #42KFOR420MILLION, porque eu queria que as pessoas doassem para uma ideia”, conta. Confessa que incialmente tinha pensado no “”Correndo pela Cura” no sentido literal de arrecadar recursos para a cura da diabetes” mas que depois percebeu que “a cura é diária; a partir do momento que nós acordamos e decidimos cuidar-mo-nos, respeitar-mo-nos e buscamos uma vida de plenitude, no âmbito metafórico já estamos mais próximos da cura”.

Para a Maratona de Nova Iorque teve o patrocínio da farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, “mas foi um apoio pontual”, refere. Agora, o atleta pretende procurar outros parceiros para “tornar o projeto sustentável”. Afirma que o projeto ainda “é algo muito amador e despretensioso” e conta que tem como objetivo “correr o principal circuito de maratonas do mundo pelo projeto e aí sim, arrecadar recursos, não sei se pela JDRF ou se por algo mais voltado para a educação no Brasil”.

Olhando para o seu país, Bruno Helman classifica o “descaso com a saúde” no Brasil como “inaceitável”: “apesar do nosso sistema público de saúde constitucionalmente garantir o acesso gratuito a medicamentos, existe uma falta sistemática de insulina, tiras para teste ou materiais descartáveis”, afirma.

O fim é um novo começo

Bruno convida todos a contribuir para a causa através da procura e disseminação de informação “para desmistificar a diabetes”.

“Muitas vezes a sociedade de uma forma geral aponta o dedo e julga as pessoas com diabetes, mas aquilo de que nós precisamos é de acolhimento, porque esta é uma luta coletiva. Estimativas indicam que pelo menos 10% da população mundial tem diabetes (…) e que mais de metade desses 10% não está diagnosticada. Precisamos de quebrar esse estigma e mostrar à população e aos governantes que é preciso investir na educação e mostrar que o trabalho de associações como a AJDP e a APDP [Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal] é fundamental”, afirma.

Bruno apela também aos portugueses para que conheçam as associações e ajudem “seja de forma voluntária, através de donativos ou a partir do desenvolvimento de novos projetos”, ressalvando que “o importante é que se envolvam”. Explica que a diabetes traz também consequências económicas e que “segundo a Organização Mundial do Comércio, se não forem tomadas medidas urgentes, até 2030 trará perdas diretas e indiretas de mais de mil milhões de dólares”. “É um aspeto que deveria ser prioritário, mas infelizmente não é, e vai muito além da questão humanitária”, conclui.

O maratonista pretende mostrar “que seja no desporto, nas artes, seja em que campo for, as pessoas podem conquistar os sonhos delas”.

“É algo que requer preparação e dedicação mas eu acredito plenamente que somos do tamanho dos nossos sonhos, o Walt Disney já diria: ‘Se você pode sonhar, você pode fazer”, remata.

Aos jovens diabéticos deixa uma ideia de esperança: “A mensagem que eu quero passar é que ao sermos diagnosticados acreditamos muitas vezes que a diabetes é o fim, e de facto é o fim. É o fim da vida a que estavamos acostumados, mas pode ser o começo de uma vida de muita felicidade, muita saúde, muito bem estar e de uma vida extremamente doce. Lembrem-se que não estão sozinhos, é possível ser feliz com diabetes”, concluiu.

Artigo editado por Filipa Silva