O estudo “Vida sem Sida” – realizado pela Universidade de Lisboa em parceria com o Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ) e com o programa Escolhas – concluiu que menos de 40% dos jovens utiliza preservativo sempre que tem relações sexuais. A investigação teve como base um inquérito a 1166 jovens de todo o país – estudantes e não estudantes – entre os 18 e os 24 anos.

A maioria dos inquiridos (78,8%) diz ter usado proteção na primeira relação sexual, mas apenas 37% garante usar sempre preservativo. “Foi muito claro que há uma grande diferença entre usar [preservativo] a primeira vez e manter-se motivado no seu uso sistemático”, esclarece a investigadora Margarida Gaspar de Matos.

“É como se as pessoas dissessem ‘Se isto é uma doença crónica não vale a pena preocupar-me. Tomo a medicação e consigo sobreviver se ficar infetado’ “

Quanto às formas de contágio do vírus da SIDA há alguns mitos que prevalecem. Entre os jovens inquiridos 27% acham que podem ficar infetados por utilizar os mesmos talheres de alguém que tem o vírus e 12% acredita que o VIH pode ser transmitido através de um espirro.

Na perspetiva da autora do estudo, as descobertas científicas trouxeram qualidade de vida aos seropositivos – que agora, graças à medicação, podem conviver com a doença- mas criaram um otimismo excessivo, que conduz a um menor cuidado com a proteção da saúde do indivíduo e do parceiro.

“É como se as pessoas dissessem ‘Se isto é uma doença crónica não vale a pena preocupar-me. Tomo a medicação e consigo sobreviver se ficar infetado’. Isso não é um pensamento muito interessante do ponto de vista da saúde, porque a medicação tem custos não só económicos, mas para a própria saúde”, adianta Margarida Gaspar de Matos.

Educação sexual deve ir “ao encontro das angústias dos jovens”

Margarida Gaspar de Matos acredita que a forma como a educação sexual é abordada nas escolas é pouco dinâmica e atrativa.”Está a haver educação sexual nas escolas, há um conjunto de horas que tem que haver por ano em função do ano de escolaridade e as escolas cumprem isso, mas fazem-no como se fosse uma matéria letiva, como se fosse um conhecimento livresco”, sustenta.

“A educação sexual é uma educação para os direitos humanos, para a igualdade de género, para a distribuição equitativa do poder no seio de um casal”

Para a autora do estudo é necessário que as sessões de educação sexual nas escolas “vão ao encontro das angústias dos jovens”. Margarida Gaspar de Matos sublinha que durante a realização do estudo percebeu que as principais dúvidas dos jovens se prendem com “a questão emocional ligada à sexualidade, à sua segurança pessoal, ao conhecimento do seu corpo e ao modo como conseguem comunicar e afirmar-se durante as relações sexuais”.

Em oposição ao modelo de educação sexual nas escolas, a autora defende uma educação para os afetos que estimule uma sexualidade saudável e equilibrada para os dois elementos do casal. “Nós defendemos há muito tempo que a educação sexual é uma educação para os direitos humanos, para a igualdade de género, para a distribuição equitativa do poder no seio de um casal, seja homossexual seja heterossexual”, expõe.

Aplicação para telemóvel, manual de boas práticas e vídeos podem ajudar a informar

O grupo de trabalho responsável pelo estudo “Vida sem Sida” quer que a investigação resulte em medidas práticas que atuem na sensibilização dos jovens em idade escolar.

Para isso, propõem a criação de uma aplicação para telemóvel “em que a informação é disponibilizada por técnicos de saúde” que exponha as práticas preventivas e que faça, ao mesmo tempo, a ligação com linhas de apoio de urgência “Para , por exemplo, quando um jovem que teve uma relação desprotegida saber como deve atuar”.

Margarida Gaspar de Matos pretende ainda disponibilizar vídeos com testemunhos de pessoas infetadas “nos quais a própria pessoa seropositiva diz o que é que acha que vai ser útil aos jovens, protegendo o seu anonimato, de forma a estar ali o texto e não a pessoa”.

“Aqui há uns anos havia muitos professores e muita formação na área da educação para a sexualidade. No entanto, agora a população docente está a envelhecer e a sair da sistema”

No âmbito da educação sexual nas escolas, o grupo de trabalho pretende criar um manual de boas práticas para educadores, com vista a colmatar o desnivelamento que existe entre os docentes ao nível da formação para a sexualidade.

“Aqui há uns anos havia muitos professores e muita formação na área da educação para a saúde, para a cidadania, para os afetos e para a sexualidade. No entanto, agora a população docente está a envelhecer e a sair da sistema. Neste momento não há uma renovação dos professores com formação para a educação sexual. Há uma certa descontinuidade das políticas públicas nesta área”, esclarece Margarida Gaspar de Matos.

A valorização do papel do professor enquanto educador “para os afetos” é fundamental para que a educação sexual nas escolas tenha uma nova aceitação por parte da comunidade docente “As políticas públicas têm que encarar a valorização do professor que quer intervir na escola a nível da educação para a saúde como um agente importante da escola. Aí o professor para a educação para a saúde da escola sente-se valorizado”, remata.