“Grândola, Vila Morena” foi a música que mais se ouviu esta manhã na Avenida da República, em Vila Nova de Gaia, em frente ao El Corte Inglés. “O povo é quem mais ordena, Dentro de ti ó cidade” – cantaram os manifestantes do CESP – Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal – que se juntaram para reivindicar uma negociação do contrato coletivo de trabalho sem contrapartida, isto é, sem redução dos salários.

A ação está inserida numa quinzena de lutas do CESP pela melhoria de condições laborais no setor da grande distribuição, que vai contar com manifestações em vários pontos do país. Célia Cardoso, dirigente sindical, contou ao JPN que os trabalhadores estão em protesto pelo “aumento dos salários para todos”.

“Temos trabalhadores a entrar para ganhar 600 euros e outros que trabalham aqui há 11 anos, desde a abertura da loja [El Corte Inglés], a ganhar 626. Portanto, queremos um aumento em proporção e um aumento do subsídio de alimentação, que já não acontece desde 2006. Também queremos exigir um subsídio de calçado, porque a chefia exige-nos certo tipo de calçado e não o paga”, adiantou Célia Cardoso.

“Empresa é das poucas do setor que discrimina salarialmente as mulheres e os homens”

A dirigente sindical trabalha na superfície do El Corte Inglés e denunciou que, em todos os pisos, há trabalhadores que sofrem pressões e intimidação por parte das chefias: “As próprias chefias também sentem na pele essa pressão. Nas reuniões com a direção, dizem que é mentira, mas todos sabemos que é verdade”.

Marisa Ribeiro, coordenadora do sindicato, contou ao JPN que costuma receber muitas queixas de colaboradores do El Corte Inglés: “Além dos problemas laborais que existem, esta empresa é das poucas do setor que discrimina salarialmente as mulheres e os homens, ou seja, paga mais aos homens do que às mulheres. Além disso, pressiona e persegue as trabalhadoras que pedem, ao abrigo da lei, horários para conseguirem ir buscar os filhos à escola”.

Célia Cardoso levantou ainda a questão do direito das trabalhadoras à maternidade e a ter horários compatíveis com a vida familiar: “Queremos que parem com o assédio moral que fazem às mães. Quando elas pedem flexibilidade de horário ou quando amamentam, fazem muita pressão psicológica. Temos colegas que não podem trabalhar a certas horas na altura do Natal e dos saldos, porque têm a sua vida familiar”.

“Eles [chefia] não mandam ninguém embora, mas fazem com que as pessoas se cansem psicologicamente e vão embora sem nada”

A dirigente sindical avançou que a empresa tem por hábito negar as acusações que os trabalhadores apresentam: “Dizem que não ameaçam, mas, entretanto, chamam-nas ao escritório com as chefias e dizem que as mudam de piso caso não trabalhem essas horas. Portanto, sofrem muita pressão, muitas represálias”.

Fernanda Cabral, ex-trabalhadora do supermercado do El Corte Inglés, contou ao JPN de que forma sentiu as pressões por parte das chefias, ao longo de quatro anos e de como a mudança de gerência alterou o ambiente de trabalho na empresa.

“Já não trabalho para esta empresa, porque sofri muita pressão psicológica. Eles [chefia] não mandam ninguém embora, mas fazem com que as pessoas se cansem psicologicamente e vão embora sem nada, que foi o meu caso”, acusou.

“Foi-me dito que não fui aumentada para castigo”

A antiga trabalhadora refere que, em alguns momentos, lhe foi exigido o cumprimento de funções que não lhe competiam: “Eu trabalhava atrás do balcão, na peixaria. Se houvesse um papel no chão, o diretor obrigava-me a dar a volta para ir apanhar o papel, sendo que havia uma equipa de limpeza”, acrescentou.

Fernanda Cabral apontou ainda outros episódios que a levaram a despedir-se da grande superfície. “Eu adoeci, fiquei com um problema muito grave na coluna, devido ao trabalho. Recorri à companhia de seguros e foi-me dito que eu não podia fazer esforços”.

Quando comunicou a situação à direção da empresa, Fernanda Cabral diz ter recebido palavras de compreensão, mas as chefias “não entenderam” e continuaram a exigir “demasiados esforços”. Foi nessa altura que ex-funcionária do El Corte Inglés decidiu aderir ao sindicato.

A manifestante sublinhou que começou a sentir mais pressões quando a chefia e a direção reuniram para rever a situação. A partir desse momento, deixou de ser aumentada. “Foi-me dito que não fui aumentada para castigo, porque eu tinha levado o meu chefe e o diretor de loja a confronto. A partir daí, eu passei de bestial a besta. Ao fim de doze anos, o diretor de loja disse-me que não confiava no meu trabalho. Eu ganhava 3,65 euros à hora e havia pessoas a entrar para ganhar 4,10 ou 4,20 euros”, continuou.

“A FNAC é das poucas empresas do setor que paga, como salário base, o salário mínimo”

Fernanda Cabral diz ter-se sentido “injustiçada” e alega ter começado a ter problemas de saúde. Depois, sentiu-se “forçada” a chegar a acordo e despediu-se.

Noutro plano, Paulo Mota, trabalhador da empresa FNAC, aponta, sobretudo, problemas a nível da remuneração. Foi esta tarde, em frente à FNAC de Santa Catarina, no Porto, que reivindicou o que acredita serem os direitos dos funcionários da loja e de todos os contratos realizados pela APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição.

“As condições foram revistas em 2016, mas eu apenas recebi um pequeno aumento de salário, isso para não caducar o contrato. Antes de 2016, já não era revisto há quase dez anos”, contou Paulo Mota.

O funcionário da FNAC disse que as condições de trabalho na FNAC contradizem os ideais que a empresa defendeu quando se instalou em Portugal. “[A FNAC] era considerada uma das melhores empresas para trabalhar e, neste momento, nós estamos muito atrás das outras empresas. A FNAC é das poucas empresas do setor que paga, como salário base, o salário mínimo, tendo em conta que todas as categorias profissionais que estão no contrato coletivo já foram ultrapassadas pelo salário mínimo. Só uma das categorias está acima do salário mínimo”,explicou.

“Eles [chefia] fazem os horários como querem e restringem-nos meses para férias, como julho e agosto”

Paulo Mota reforçou que a FNAC é “das empresas que pagam pior no setor”, mas também alegou “o assédio moral e a desregulamentação dos horários” como razões de descontentamento por parte dos trabalhadores. “Eles [chefia] fazem os horários como querem e restringem-nos meses para férias, como julho e agosto”, rematou.

Os participantes das manifestações de hoje ergueram a bandeira branca, não a das tréguas, mas a da luta, uma luta que, prometem, vai continuar pelas superfícies do país de que o CESP mais recebe queixas.

A próxima manifestação está marcada para sábado, dia 10, no El Corte Inglés de Lisboa. No dia 9 haverá plenário nas instalações da Jerónimo Martins de Algoz e da Azambuja.

Artigo editado por Sara Beatriz Monteiro