O medo, a resiliência e a dor são as palavras de ordem do trabalho de Flávio Rodrigues. O espetáculo estreia na próxima quinta-feira, dia 15, e está em cena até dia 17 de fevereiro no Teatro Carlos Alberto.

Magma: Mistura de rochas em estado variável de fusão com materiais voláteis, a alta pressão e temperatura. O solo que Magma – No Limite da Selvajaria pisa é uma selva feita de civilização e de modernidade. A criação é manifestamente fruto de condições extremas e pessimismo em relação ao futuro. Não haja, portanto, dúvidas de que este é um magma ácido e corrosivo.

Flávio Rodrigues, ator e criador da peça, dá as boas-vindas a uma luta niilista que trava aparentemente sozinho, mas que prova que o “a sós” pode ser uma multidão. O espetáculo sem diálogos permanece assombrado por uma voz consciente e profética. O discurso caótico e errante faz-se acompanhar de música clássica que adensa a carga dramática e o tom disfórico da atuação.

O fogo é um dos elementos mais evidentes da peça, mas outros se juntam a ele. O som dos chocalhos também pontua a perturbadora sinfonia. Flávio Rodrigues explicou ao JPN que a referência animal se deve a uma preocupação ambientalista e à adoção do estilo de vida vegan.

O chocalho é um dos elementos metafóricos a que Flávio Rodrigues recorre.

O chocalho é um dos elementos metafóricos a que Flávio Rodrigues recorre. Foto: Leonor Gonçalves

“Nós vivemos numa era em que o aquecimento global existe. Na verdade, as calças queimadas com lixívia, toda a banda sonora que nos remete para um lugar a arder, a derreter, refletem a realidade que vivemos hoje, embora algumas pessoas digam que é mentira”, disse o criador, que planeou a obra também numa perspetiva crítica quanto ao aquecimento global.

Apesar de as críticas sociais serem várias, também há espaço em cena para a reflexão pessoal. O criador da peça transporta-nos para um fim onde a esperança é feita em farrapos, queimada e deitada por terra.

“A bandeira que eu ergo é de esperança”

O criador contou que, ainda assim, a bandeira que agita é a da esperança: “Eu estou a falar de mim, das minhas preocupações e a bandeira que eu ergo é de esperança”. É o branco, ao fundo, como cenário, que devolve ao público esta ideia de futuro. Mas o negro, mais à superfície, salta à vista em cada gesto violento. “A noção de violência está muito presente, ainda que de uma forma poética e subjetiva”, sublinhou.

A “guerra sem guerra” é um conflito interno sem fronteiras visíveis. O medo, a resiliência, a dor e a desesperança convivem e caminham para lá dos passos do protagonista. Ainda que a atualidade esteja em destaque, há uma luta épica à espreita, quase medieval, quase primitiva, quase selvagem. “Eu estou aqui sozinho. Para mim, esta é uma guerra comigo, com a performance, com os elementos”, rematou o artista.

O ator e encenador utiliza a camuflagem como mais uma metáfora.

O ator e encenador utiliza a camuflagem como mais uma metáfora. Foto: Leonor Gonçalves

Com um guarda-roupa militar, o criador da peça explicou que também a cultura punk pode ser percebida em termos de “imagética, visual e atitude” que enverga.

Flávio Rodrigues, formado em artes de bailado, evoca a dança sem recorrer a ela. É que os passos que dá são sempre o equilíbrio entre o estar aqui – hoje e agora – e o abismo.

Magma- No Limite da Selvajaria vai estar em cena entre 15 e 17 de fevereiro.

Magma- No Limite da Selvajaria vai estar em cena entre 15 e 17 de fevereiro. Foto: Leonor Gonçalves

O espectáculo para maiores de seis anos resulta de uma coprodução entre o Teatro Nacional São João e a Associação Útero. A peça vai estar em cena nos dias 15 e 16 de fevereiro, às 21h00, e no dia 17, às 19h00, no Teatro Carlos Alberto, no Porto. Magma – No Limite da Selvajaria segue, depois, para o Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra, no dia 20 de fevereiro.

Artigo editado por Sara Beatriz Monteiro