Há clássicos com significados próprios. Alguns podem nem ser um primor técnico, mas valem a dobrar. Ou a triplicar. Assim se escreve a história do triunfo boavisteiro (1-0) sobre o Vitória SC neste domingo. A pantera não só regressou às vitórias, depois do abanão consentido na Vila das Aves. Ultrapassou também o rival minhoto na luta pelo acesso às competições europeias e atingiu a barreira dos trinta pontos, igualando o Desportivo de Chaves no sexto lugar do campeonato.

Fábio Espinho pautou diferenças a meio da etapa complementar, desenhando em casa o antídoto perfeito para colmatar a intermitência dos jogos fora. Três anos e seis duelos depois, o Boavista voltou a derrotar o rival minhoto. Um atestado de crescimento na busca do trilho milionário.

Renovação ofensiva sem efeitos práticos

Pressionado a manter distâncias na luta pelo quinto lugar, o Vitória veio ao Bessa tentar interromper uma coleção de quatro deslocações sem pontos. Sem mexer na estrutura, Pedro Martins promoveu novidades no reduto atacante. Heldon e Rafael Martins regressaram à titularidade, mas foram outros intérpretes a animar a primeira dezena de minutos. Em dois lances, a cabeça e o pé direito de Hurtado não igualaram o nível técnico dos serviços providenciados por Raphinha.

Na verdade, o Boavista também tinha entrado meio adormecido. Os extremos encostavam junto à linha média, deixando Rui Pedro, de novo titular três meses depois, enterrado no trio de construção vitoriano. Quando ficou desperto começou a abrir oportunidades pelos corredores. Na soberana ocasião do primeiro tempo, já depois do quarto de hora inicial, Kuca cheirou o golo. O internacional cabo-verdiano fez quase tudo bem na meia-esquerda, mas não calibrou a pontaria com as medidas exatas da baliza guardada por Douglas.

O lance espelha grande parte dos movimentos ofensivos axadrezados. Se os corredores estavam sobrelotados, a solução de recurso consistia em apostar na meia-distância. Fábio Espinho e David Simão arriscaram. Não tiveram sucesso, mas impunham a voz de um Boavista rematador.

Até ao descanso, nota para novo envolvimento dos extremos da casa. Yusupha cruzou da direita e Kuca apareceu no coração da grande área a disparar de cabeça. A bola saiu frouxa, permitindo um mergulho tranquilo de Douglas. Do outro lado, a inoperância atacante resistia.

Marcar, recuar e suspirar

Sem surpresas, Pedro Martins promoveu alterações ao intervalo. Mattheus Oliveira e Hurtado ficaram na cabine. Rafael Miranda e Sturgeon entraram para conferir outro fulgor ao corredor central. Resultou em parte. O jogo vitoriano teve mais bola, mas sofreu duro revés. Por culpa própria e por mérito da oposição, que se pôs em vantagem à hora de jogo. Com uma jogada digna de um qualquer compêndio dos contra-ataque futebolístico.

David Simão abriu caminho, Talocha acelerou, olhou para a área e descobriu dois companheiros livres de marcação. O cruzamento do lateral teve correspondência perfeita e imediata. Fábio Espinho colocou olhos na bola e rematou cruzado, à meia volta, sem qualquer espécie de preparação. Douglas ficou pregado ao relvado, a ver a bola encaminhar-se tranquilamente para o fundo da baliza. Uma dezena inteira de jogos a sofrer golos.

Com o marcador alterado, os papéis inverteram-se. A equipa de Guimarães subiu metros, o Boavista acantonou-se na defesa. Não houve oportunidades de relevo, antes espaço para dúvidas. Ao minuto 64, Yusupha corta com o braço uma investida de Heldon. O árbitro principal apontou para a marca da grande penalidade. O vídeo-árbitro avisou que a falta era fora da área. Nuno Almeida não precisou de ver as imagens em tempo real. Confiou nos seus pares e reverteu a decisão inicial.

Antes que fosse tarde demais, Jorge Simão cerrou fileiras com um meio-campo refrescado. Idris foi a resposta preparada para combater o jogo aéreo do recém-entrado Estupiñán. Resultou, mesmo que Rafael Miranda tenha assustado Vagner no último suspiro.

“Termos atingido o sexto lugar não significa nada”

No final do desafio, Jorge Simão considerou que o triunfo foi “justo”. “Pela primeira parte que fizemos, a vantagem ao intervalo seria mais adequada. Depois do golo a tendência inverteu-se um pouco. O Guimarães começou a circular mais a bola na zona do meio campo ofensivo, mas sem construir grandes situações. Ganhou a melhor equipa em campo”, resumiu o técnico boavisteiro, que não associa o sexto lugar ao melhor momento do clube na temporada.

“Uma das coisas muito importantes para uma equipa ser madura é a capacidade para poder jogar em casa ou fora e não notar diferença no desempenho. O facto de termos atingido o sexto lugar não significa nada. Gostava de chegar ao final do campeonato e ter tantos pontos fora como em casa. Era um sinal de estofo”, reconheceu na conferência de imprensa.

“Na segunda estivemos melhor”

Já Pedro Martins considerou que o encontro teve “duas partes”. “Na segunda estivemos melhor, mas não tivemos oportunidades. Acabámos por sofrer um golo na transição, mas o jogo foi sempre muito equilibrado”, começou por dizer o técnico vimaranense, confessando que já esperava um clássico com poucas oportunidades.

“Estes jogos normalmente são disputados desta forma. No ano passado também foi dividido e foram pequenos detalhes que definiram. A equipa que errar menos é a que tem mais condições de vencer o jogo. Foi isso que aconteceu”, reconheceu, explicando as razões que o levaram a fazer uma dupla substituição ao intervalo. “Tínhamos perdido o controlo no meio. O Mattheus já estava com o cartão amarelo e não quis correr riscos. O Fábio [Sturgeon] vem numa boa fase. Foi nesse sentido que quis meter mais gente e ter mais equilíbrio no meio”.

Artigo editado por Filipa Silva