Com 15 anos de carreira e muita música, os Linda Martini apresentam o quinto álbum. O JPN esteve à conversa com Cláudia Guerreiro e André Henriques, dois dos membros da banda, momentos antes de subirem ao palco para apresentarem o mais recente projeto. O nervosismo ainda não tinha chegado e, entre risos, confessaram que “só mais perto da hora é que uma pessoa percebe que, sei lá, tem de ir à casa de banho de repente”.

Passado este tempo todo ainda há um certo nervosismo?

C: Nem sempre, mas há dias em que isso acontece e nem é nos concertos que têm mais gente, é nos concertos em que há menos gente, que intimidam um bocadinho mais.

A: De alguma forma sentes que estás mais exposto. Parece um contrassenso, mas é isso.

São menos olhos, mas mais atentos.

Ambos: É isso!

C: Cruzas-te mais com os olhos das pessoas.

“Goste-se ou odeie-se, ninguém ficará indiferente”

Quanto a este disco, porquê começar com o tema da gravidade? É porque as pessoas não pensam tanto e se fosse, por exemplo, o aquecimento global já era mais batido?

(risos)

A: A Gravidade acabou por ser a primeira música que lançámos por uma razão simples: nunca seria um single imediato, não tem um formato de rádio de 3 minutos e verso-refrão. Aliás, não tem um refrão. Tem uma parte lá no meio em que se grita, mas não é um refrão assumido. E não seria, se calhar, a escolha óbvia, mas era a que, para o bem ou para o mal, causava  impacto. E nós  queríamos fazer aquele pontapé na porta do “estamos aqui outra vez” e pareceu-nos uma canção interessante para começar este novo ciclo. Quando escolhes uma música para te apresentar o disco é sempre ingrato, porque ela não consegue trazer Às costas tudo aquilo que o disco tem lá dentro. E a Gravidade também não é isso, nunca seria isso. O disco é muito mais variado, vai a muitos mais lados. Mas pareceu-nos interessante por isso: goste-se ou odeie-se, ninguém ficará indiferente. É uma coisa visceral e com uma energia diferente.

C: Sim, a escolha dos singles ou a escolha da ordem das músicas no disco é sempre complicada. Nós somos quatro e temos quatro visões diferentes de como fazer isso e na verdade não há formas certas de fazer as coisas.

Mas a escolha desta música para lançar o disco foi consensual?

C: Foi, foi. Acabou por partir de uns vídeos que tínhamos feito na gravação desta música em que estamos todos, individualmente, a gritar “a puta da gravidade” e os vídeos eram engraçados e aquilo deu-nos a ideia para fazer uns teasers a dizer que estava aí o disco novo e que estava quase a sair. E depois de usar esses teasers, fazia sentido lançar essa música. Se lançássemos uma que não tinha nada a ver ficava esquisito.

Este pontapé na porta de que o André falava é um recomeço?

C: Todos os discos são um recomeço.

“E quando começamos a fazer música para o disco seguinte é como uma espécie de reação”

Mas tem alguma relação com os anteriores? É uma resposta ao anterior, por exemplo?

A: Sim, tem relação, porque somos sempre as mesmas quatro pessoas a fazer este disco e a fazer os anteriores. Este percurso todo, e o facto de fazermos música juntos há tantos anos, as lições aprendidas nos discos anteriores são obviamente transportadas para o trabalho seguinte. E acabam todos por ser uma reação. O Sirumba, curiosamente, era um disco onde nós tínhamos deliberadamente amansado, tirado o pé da distorção, para perceber se conseguíamos soar a nós e chegar a sítios diferentes. Foi um exercício nesse sentido. E quando começamos a fazer música para o disco seguinte é como uma espécie de reação. Já que andaste dois anos seguidos com este disco na estrada, apetece-te fazer coisas diferentes, pular fora disso.

Cláudia, baixista, e André, guitarrista dos Linda Martini à conversa com o JPN

Cláudia, baixista, e André, guitarrista dos Linda Martini à conversa com o JPN Foto: Diogo Filipe

Por falar em pular fora… Foram para a Catalunha tratar deste disco. Porquê?

C: Nós começámos a fazer o disco mal o Sirumba saiu. E percebemos que precisávamos de ir para fora de Lisboa para estarmos focados no que queríamos fazer. Então, fomos pela primeira vez fazer uma “residência artística” ou “retiro” ou o que lhe queiram chamar. Fomos mais para cima, para o Minho, para Amares. Fizemos isto em dois momentos: em novembro de 2016 e em julho de 2017, já na Arrábida. No fundo, ir para a Catalunha foi continuar esse processo. Calhou ser a Catalunha, porque estava lá o Santi, que é uma pessoa que já conhecíamos, já tinha misturado e masterizado alguns discos nossos. Conhecíamos o trabalho dele, não todo, pesquisámos mais a fundo e percebemos que fazia todo o sentido. Ele tem um passado muito parecido com o nosso: do punk, do hardcore, de organizar os concertos, do tipo de bandas que ouvia, do tipo de concertos que marcava, do tipo de vivência suburbana. E no fundo, fomos para a Catalunha, mas podia ser outro sitio qualquer, onde ele estivesse. E calhou de ser quando se estava a passar aquilo tudo lá.

Os acontecimentos na Catalunha influenciaram?

A: Não, porque quando vamos para estúdio já temos tudo alinhado. A composição é feita antes, porque no estúdio o tempo está a contar, estás a pagar. Há sempre espaço – e nós quisemos que houvesse espaço – para o produtor opinar e dar sugestões, mas o grosso do que é o disco final é muito o que tínhamos na cabeça. O Santi foi muito importante a traduzir o som que tínhamos idealizado para a gravação.

“Os discos saem quando temos canções das quais nos orgulhamos e que queremos partilhar com quem gosta de nós”

15 anos de carreira. Estão na adolescência. Sentem que podem tudo?

(risos)

C: Queremos tudo ao mesmo tempo.

A: Em termos musicais ambicionamos e queremos fazer sempre coisas diferentes. Obviamente, nós como todas as outras pessoas temos limitações técnicas, imaginativas, criativas, o que seja. Portanto, acabamos por soar a nós, o que não é nada mau. Mas o que importa no “salto” depois de fazer um disco novo é sentir que puxaste as fronteiras do que está para trás. Isso deixa-nos muito felizes. Depois destes 15 anos continuamos a reinventar-nos e a fazer discos não por questão de calendário ou de pressão de editoras, ou elementos externos a nós, mas porque queremos fazer. E isso foi sempre uma constante: os discos saem quando temos canções das quais nos orgulhamos e que queremos partilhar com quem gosta de nós.

E no futuro: um álbum em inglês está nos planos ou o que é nacional é que é bom?

(risos)

C: Não. Um álbum em inglês esteve nos planos no início. Depois percebemos que não funcionava. Pensámos que podíamos ter um álbum sem palavras, depois percebemos que, se calhar, devíamos ter um álbum com palavras em português. E a partir daí, essa decisão está tomada e não há volta a dar. Não nos faz sentido nenhum cantar em inglês. Não é pior ou melhor, simplesmente não é como fazemos a coisa. E tudo bem que gostamos de fazer coisas diferentes de disco para disco, mas esta não me parece que seja uma delas.

Quanto a este disco, como o poderiam descrever numa palavra?

C: Forte. Para mim é forte.

A: Abrasivo, enérgico. Tens momentos diferentes, não é tudo no vermelho como é o Boca de sala e o Gravidade, os dois singles já conhecidos.

C: Por isso é que não disse bruto, disse forte. Forte porque tens a força das palavras, a força da emoção.

A: Concordo. É forte. Mesmo as músicas onde vamos abaixo, com um ritmo mais lento, têm uma carga, uma energia que pende para essa força. O peso não está na rapidez com que tocas, mas na intenção das coisas. Não só das palavras, como dos instrumentos.

C: Quando tens uma letra mais leve, tens uma música mais forte. Agora não me ocorre outra palavra. E quando tens, se calhar, uma música mais branda, tens uma letra mais forte. Tipo a Domingo Desportivo que é branda, mas a letra não será assim tão branda.

“Criar música é ter um ângulo, uma perspetiva sobre algo”

Cláudia Guerreiro dos Linda Martini

Cláudia Guerreiro fala da relação com a banda Foto: Diogo Filipe

E no processo criativo, é fácil lidarem uns com os outros? Ou foram aprendendo a lidar?

C: Nunca foi difícil, mas como em todas as relações, passamos por fases. Há fases em que me dou mais com o André. Há fases em que me dou mais com outra pessoa. Às vezes vamos fazendo grupinhos.

A: É a vantagem de uma relação a quatro em vez de ser só a dois.

C: Exato. Não nos cansamos tanto, porque podemos trocar.

(risos)

E o facto de o Hélio tocar noutra banda não compromete o processo criativo? É fácil de se organizarem em termos logísticos?

A: Em termos de concertos e da calendarização das gravações tem de ser uma coisa sempre concertada. A própria forma como marcamos os concertos e tournés tem de ter isso em conta. Mas no resto do ano cada um tem a sua agência que marca os concertos e é um bocado: o primeiro a marcar é o primeiro a tocar. Outros de nós já tiveram noutros projetos, mesmo não musicais, e a lógica é sempre essa.

C: Mas mesmo criativamente é uma coisa que até para nós, a certa altura, terá sido difícil entender: como consegues ser uma pessoa numa banda e outra pessoa na outra e aquilo não ser parecido. Para já, o modo como nós temos bandas é muito “democrático”: criamos todos, não há um líder. Se bem que a parte da melodia não está na bateria, está nas guitarras, portanto, à partida, essa parte não está nas mãos do baterista. Mas mesmo partilhando um guitarrista, uma banda é muito diferente, porque é composta por mais pessoas. É o conjunto que faz um certo resultado. É claro que pode haver semelhanças em bandas que partilham elementos, porque afinal de contas tens o teu cunho lá. Mas o contexto é outro, por isso é sempre diferente.

André Henriques fala sobre o processo criativo

André Henriques fala sobre o processo criativo ao JPN Foto: Diogo Filipe

E onde vão buscar a inspiração?

A: Essa é a pergunta dos 10 mil euros. (risos) É difícil, porque tudo pode ser inspirador. Quando ouvimos uma música, ou vemos um filme, ou lemos um livro, ou temos uma conversa com um amigo não estamos num bloco de notas a apontar, a pensar que dali vai sair uma ideia que vá dar alguma coisa. Acho que, como todas as pessoas, o que te influencia e inspira é muito aquilo que te vai acontecendo na tua vida, tudo o que vives, os momentos por que passas e as coisas que vais assistindo. E depois, se tens a ambição de fazer alguma coisa criativamente com a música ou ter uma voz própria, é tentares que se perceba isso no resultado final. Criar música é ter um ângulo, uma perspetiva sobre algo. Nós, no nosso caso, como a Cláudia disse, como somos quatro e todos a pensar em conjunto,  não opinamos só sobre o nosso domínio, sobre o nosso instrumento. A soma das partes acaba por ser, de facto mais. Às vezes chegamos à sala de ensaios com um esboço, uma coisa muito crua, e na cabeça de quem trouxe a ideia ia para um lado, e depois de passar pela peneira vai para outro lado que a pessoa nem se tinha lembrado. Isso é muito interessante.

“O que nos diferencia é sermos nós os quatro”

E em termos de referências?

C: As referências vão mudando. É bom que em 15 anos vão mudando. Não falo por mim que estou um bocadinho parada no tempo em termos de referências. (risos) É normal que uma pessoa, a certa altura, quando toca, passa por esta fase chata de não lhe apetecer procurar música. Já tem os ouvidos tão entupidos que acaba por não procurar e apanhar a que lhe aparece por acaso. Não me orgulho disso, mas seja como for somos quatro, portanto há gente na banda que vai ouvindo muitas coisas muito diferentes. E se no início nos associavam muito à Sonic Youth tinha a ver com um guitarrista que já não está na nossa banda, o Sérgio. Hoje não sei dizer. Acho que encontramos o nosso espaço e estamos um bocadinho viciados na nossa forma de fazer música. E vamos tentando sair desse ponto de conforto, mas somos nós a fazer música como sempre fizemos. O que ouvimos vai-nos influenciando, mas não nos damos conta disso. Às vezes as músicas fazem-nos lembrar de certas coisas, mas não é premeditado. Há uma que é chapada a alguma coisa mas nós não nos demos conta na altura: a Volta. (risos)

A: (risos) A Volta é parecida com uma música dos Falácia e ninguém se lembrou. Mas é isso, nunca é um ponto de partida, nem deve ser. Quando éramos putos, se calhar, a ambição era reproduzir fielmente um estilo ou banda que admirávamos. Mas passando essa fase e tendo a ambição de apresentar uma perspetiva, esse nunca pode ser um ponto de partida. Agora, o que acontece muitas vezes é que as notas são as que existem e não se inventaram mais…

O Tom Jobim, creio, disse que há 7 notas musicais e servem para mentir para tocar verdades.

A: Mas é mesmo isso. O número de progressões que tens e combinações é finito e, por isso, vai chegar a alguma coisa parecida.

C: Mas depois vêm os outros três e fazem com que não pareça. (risos)

O que vos diferencia das outras bandas de rock portuguesas?

A: Ui, isso é uma pergunta difícil.

C: Olha, não vou dizer que somos a última Coca-Cola do deserto, porque não somos. Todas as bandas são diferentes. Nós havemos de ser parecidos com muita coisa e muito diferentes de outra. Isto é uma resposta muito genérica, mas é isto.

A: O que nos diferencia é sermos nós os quatro. Estes quatro só fazem música juntos para esta empresa.

C: Nós não somos uma empresa, por acaso. (risos)

Artigo editado por Sara Beatriz Monteiro