A coleção de Nuno Baltazar foi a primeira do último dia do Portugal Fashion, logo seguida da designer Katty Xiomara.

Os dois criadores foram a diferentes alturas do século XX buscar inspiração para os coordenados. Nuno Baltazar pegou na obra de Paula Rego para contar a história da sua coleção e Katty Xiomara transpôs para as peças um abstracionismo que reflete, de acordo com a designer, a sociedade atual.

Nuno Baltazar recria processo criativo de Paula Rego

O som de uma máquina de escrever enche a sala. Ouve-se uma história a ser narrada e Maria Clara surge na passerelle com um vestido de tule num tom bronze. Os ombros são volumosos e vislumbram-se anotações através da transparência do material.

Em “Studio”, Nuno Baltazar evoca o processo criativo e de construção de Paula Rego, transportando para a coleção a imagética da pintora.

“Eu respeito tanto o trabalho dela que não queria trabalhar sobre o trabalho propriamente dito, mas sobre o processo: como ela chega lá, o ateliê dela, … Toda essa composição para mim era onde eu me sentia mais confortável a trabalhar”, explica o criador.

O criador revelou ao JPN que este era um tema que gostava de retratar há algum tempo: “A minha gaveta é enorme. Tem muitas personagens e figuras que me inspiram bastante e a Paula era uma que já estava nesse baú, que é muito meu, há muito tempo. Agora foi o momento em que eu senti que fazia sentido”.

Quadros como “Mulher Cão”, “A Dança” ou “O Anjo” dão vida a coordenados elegantes e austeros. Há contrastes de luz e sombra, feminino e masculino, compacto e etéreo.

A postura da mulher cão, personagem de uma das pinturas de Paula Rego, traduz-se através de volumetrias nas mangas. Estas “encurtam os ombros e dá a sensação quase de um encolhimento”, sublinha Nuno Baltazar.

Já para a paleta de cores, o criador foi buscar inspiração à obra “A Dança”, um quadro que a pintora produziu na altura em que o marido faleceu. Nude, cinza, preto, azul, laranja e os metalizados perpassam a coleção.

Surgem sobreposições que remetem para a construção das personagens que Paula Rego pinta na sua obra. “Ela veste e experimenta uma roupa em cima da outra e, por isso, é que havia tantas camadas nesta coleção”, esclarece o designer.

Peças inacabadas e com anotações transportam o público para o estúdio do estilista, onde a história continua.

A reflexão de Katty Xiomara sobre a atualidade

Katty Xiomara procurou uma palavra que refletisse o que somos hoje e o que sentimos. Chegou à palavra “abstrato” e tomou-a como ponto de partida para esta coleção.

Em termos sociais, económicos e políticos é o abstracionismo que melhor define a nossa sociedade atual, uma vez que “não sabemos o que vai acontecer”, defende a criadora que nasceu na Venezuela.

Ainda que a ideia não tenha sido recriar um quadro específico ou inspirar-se num qualquer artista desta corrente artística, as peças remetem-nos para uma mistura entre Picasso, Matisse e Miró.

A designer nota que o abstracionismo presente na coleção é “bastante mais lírico do que cubista”. Afiguram-se formas orgânicas, como olhos, narizes e bocas. “Não é completamente geométrico e a ideia é exatamente essa: ter algum humanismo inserido neste tipo de arte que, por norma, é bastante mais rude, mais dura”, salienta.

Katty Xiomara criou contrastes entre cores e silhuetas.

Katty Xiomara criou contrastes entre cores e silhuetas. Foto: Alexandra Denise

Como é característico em Katty Xiomara, a paleta de cores e materiais é extensa. Pretos contrastam com azuis, vermelhos com rosas, num conflito intenso. Surgem ainda laranjas, corais, cinzas e tijolo.

A criadora joga com diferentes texturas, volumes e padrões, refletindo o imaginário da coleção.

“Quando se pinta, acaba por se sobrepor muitas figuras. Nesse sentido, a coleção é trabalhada com assimetrias, algumas geometrias, algumas peças quase que rasgadas, um bocadinho para interpretar, no vestuário, o que é a arte abstrata”, explica a estilista ao JPN.

Ao longo do dia passaram também na passerelle as propostas para o outono/inverno do segmento Shoes, das marcas Concreto, Ana Sousa, Lion of Porches e Dielmar, além dos designers Luís Onofre e Diogo Miranda.

Artigo editado por Filipa Silva