Os investigadores pós-doutorados abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 57/2016 podem perder as bolsas de investigação no decorrer do ano. Quem o diz é a presidente da Associação de Bolseiros de Investigação Científica  (ABIC). Sandra Pereira esclarece ao JPN que, no inquérito que realizaram em novembro e no qual obtiveram mais de mil respostas, “um quarto dos bolseiros ficariam sem bolsa até dezembro, e dois quartos perderia até agosto”.

A medida do governo passa por retirar da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) a responsabilidade de atribuição de bolsas aos pós-doutorados. Essa função passa, em 2018, a ser atribuída aos centros de investigação que afirmam não ter dinheiro para pagar as bolsas aos investigadores.

Ana Seixas, investigadora no Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC), explicou ao JPN que “esta instabilidade de que os diretores de institutos e investigadores seniores têm vindo a falar, sobretudo na inexistência de financiamento e concursos, também se está a revelar nos recursos humanos.”

“Há uma espécie de ping-pong (…) E quem não tem bolsa, continua sem bolsa”

No entender da investigadora “isso tem contribuído para o atraso na abertura dos concursos para os lugares serem atribuídos pela norma transitória, que é uma componente da nova lei aprovada pelo governo que regulamenta o emprego científico e tem como objetivo terminar com as bolsas no grupo de investigadores doutorados.”

O documento do governo refere que a medida “visa reforçar o emprego científico, bem como potenciar o impacto da investigação científica no ensino superior”. No entanto, no entender de Sandra Pereira, “há uma espécie de ping-pong: os centros dizem que não têm dinheiro, a FCT diz que não faz reforço de verbas. E quem não tem bolsa, continua sem bolsa. Ainda que o ministro tenha feito promessas no parlamento”.

Do lado da fundação, Renata Ramalho afirma ao JPN: “As transferências financeiras às Unidades de Investigação são sempre feitas através de reembolso de despesas. Esses pagamentos têm ocorrido com regularidade, conforme as despesas são analisadas e validadas”.

“A FCT não dá respostas. Ainda não transferiram dinheiro dos primeiros contratos, de há um ano”

Nas palavras da presidente da ABIC e das investigadoras do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), a FCT não tem dado respostas e não há uma solução à vista.

Sandra Pereira revela ao JPN que os investigadores foram ouvidos há duas semanas na Comissão de Educação e Ciência: “Sabemos que há duas propostas para que essas bolsas sejam prolongadas até à saída do resultado dos concursos, porque esses bolseiros não podem ser prejudicados pelos atrasos na abertura dos concursos.”

Renata Freitas, investigadora do i3S, disse que esta situação pode levar a uma rutura  e que “as instituições podem fechar”. Segundo a investigadora, que é também membro da direção da ABIC, as instituições têm-se servido de entidades bancárias e, neste momento, só o i3S, pela sua capacidade financeira, pôde avançar com os contratos que esperam o reembolso por parte da FCT. No entanto, afirma que há cerca de 70 contratos pendentes na instituição.

“A FCT não dá respostas. Ainda não transferiram dinheiro dos primeiros contratos, de há um ano”, acrescentou Renata Freitas. Ana Seixas confirma que “foi feita [a contratação de pós-doutorados], numa primeira leva, em 2017, e em pouquíssimos institutos como o  IBMC do i3S que, de facto, abriu os editais e já contratou doutorados, mas ainda não deu seguimento à 2ª fase da norma transitória”.

“Nós não trabalhamos sem financiamento”

A investigadora foi mais longe e disse: “Quanto às outras iniciativas ainda continuamos sem notícias do FCT. Têm saído pouquíssimos resultados e de forma faseada”.

Renata Ramalho, da FCT, adiantou ao JPN que “para este mês está prevista uma transferência relativa aos pedidos já analisados e ainda não reembolsados de unidades cofinanciadas pelo COMPETE 2020 [Programa Operacional Competitividade e Internacionalização], na sequência de uma transferência de fundos do FEDER [Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional] “.

Na prática, a instabilidade no financiamento às instituições e investigadores “afeta o trabalho numa base diária”, confessou Ana Seixas ao JPN. A investigadora acrescentou: “Nós não trabalhamos sem financiamento, porque precisamos de comprar o que faz falta no laboratório”.

O impacto da norma transitória abrange tanto a ausência de financiamento individual aos investigadores, que se traduz em salários, como a falta de financiamento aos projetos de grupos e instituições.

Artigo editado por Sara Beatriz Monteiro