Montantes, critérios de distribuição e os júris da DGArtes foram criticados no debate aberto que juntou a Câmara do Porto e os agentes culturais da cidade no Rivoli, esta manhã. Igor Gandra, do FIMP, classifica de "profundamente injusta" a exclusão do festival. Manifestação marcada para sexta-feira.

O presidente da Câmara Municipal do Porto (CMP), uma dezena de agentes culturais da cidade, artistas e cidadãos anónimos reuniram-se esta terça-feira no Teatro Rivoli numa reunião para debater os apoios da Direção-Geral das Artes à cultura.

No início do encontro, foi revelada uma carta entregue em mão por Rui Moreira a Luís Filipe Castro Mendes, ministro da Cultura, a 23 de março, alertando para “as disparidades” nos montantes para os “diferentes territórios” distribuídos no âmbito do Programa de Apoio Sustentado às Artes, da DGArtes.

No documento, a autarquia chama a atenção para uma “situação de gritante vantagem” da capital, que beneficia de “verbas superiores em 50% ou até mesmo 100% face ao Norte”.

No mesmo documento, estranha-se que a Área Metropolitana de Lisboa “surja no concurso enquanto região, por direito próprio – em competição com o Norte, o Centro, o Alentejo, o Algarve e as Regiões Autónomas”.

Da plateia, algumas vozes falaram ainda de “concorrência desleal”, na medida em que as estruturas de criação “concorrem injustamente contra grandes estruturas de programação de vários municípios” financiadas com recursos públicos.

Norte é “invariavelmente” prejudicado

Na reunião desta terça-feira foi redigido e apresentado um documento consensualizado entre a Câmara do Porto e as 66 estruturas culturais presentes, que se sumariza em sete pontos essenciais:

  1. “As verbas disponibilizadas pela DGArtes são insuficientes e, mesmo com os reforços anunciados nos últimos dias, continuam aquém das de 2009, o que é inaceitável, tanto mais que os atuais concursos acontecem com um ano e meio de atraso”;
  2. “Os critérios territoriais apresentados não são compatíveis nem com a distribuição populacional nem com a produção cultural” e prejudicam “invariavelmente” o Norte. “A distribuição de verbas à Região Norte deveria, no mínimo, acompanhar o investimento per capita da Área Metropolitana de Lisboa” – cerca de 1,75 euros, enquanto que o do Norte não chega a um euro.
  3. “Os critérios dos concursos estão mal definidos, por porem em concorrência estruturas de programação, unidades de criação e festivais e por permitirem que projetos municipais, sob a capa de associações e cooperativas, concorram com as companhias independentes”;
  4. “Necessidade de repensar a composição dos júris e também ponderar a pertinência de existir uma divisão regional dos mesmos”;
  5. “Não se consegue entender que um país que se orgulha de ter saído de um programa de assistência financeira e pode hoje apresentar boas contas orçamentais, baixe os níveis de financiamento aos seus produtores culturais. É razoável pensar-se que um país com boas contas possa disponibilizar para a Cultura, pelo menos, um por cento do seu orçamento de Estado, estando Portugal muito aquém”;
  6. “Os montantes disponíveis para a região Norte, os critérios usados nos concursos e os resultados já conhecidos põem em risco o programa cultural da cidade do Porto.”
  7. “Os presentes congratulam-se com a abertura do Ministro da Cultura para rever as verbas e o sistema e estão disponíveis para ajudar a DGArtes nesse processo”.

“A correção de verbas não chega”, diz Rui Moreira

No final da reunião, Rui Moreira afirmou à imprensa que “a generosa correção de verbas anunciada pelo senhor primeiro-ministro não chega” e que a autarquia vai “falar com o Governo no sentido de dar nota da vontade que todas estas estruturas e a Câmara Municipal do Porto têm em colaborar na feitura de um novo concurso que de alguma maneira corrija os erros que são apontados” por organizações culturais de cidades como Setúbal, Évora e Coimbra.

“A nosso ver o problema não se resolve com verbas”, sublinhou o presidente da CM Porto, que acredita que os resultados do Programa de Apoio Sustentado às Artes acentua “o desequilíbrio regional”.

O autarca garante que a Câmara Municipal do Porto irá “contribuir na medida do possível” para que as estruturas que não vão receber os fundos da DGArtes não fechem as portas, eventualmente, recorrendo a “dotações financeiras de emergência”.

Rui Moreira defende que o “reforço” que a autarquia fez nos últimos quatro anos no orçamento para a cultura “não pode servir de justificação para o Estado subitamente cortar as dotações à cultura na cidade do Porto”. O presidente da CMP admite, contudo, introduzir alterações ao orçamento no final do ano para apoiar as estruturas da cidade.

“Vamos fazer o que está ao nosso alcance para reverter esta decisão”

Igor Gandra, diretor artístico do Festival Internacional de Marionetas do Porto (FIMP) – uma das estruturas excluídas -, afirmou ao JPN que a organização vai “fazer tudo o que está ao alcance [do FIMP] para reverter esta decisão do júri”, que consideram “profundamente injusta para o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido e para o público do festival”.

De acordo com Igor Gandra, “a maioria das estruturas vai reclamar” em audiência de interessados sobre os resultados.

O diretor artístico do FIMP aponta “um reforço urgente do orçamento” como uma solução imediata, seguido de uma revisão do “modelo e da política cultural que levem mais longe o acesso à cultura no nosso país” e que “não produzam situações como esta”.

Mobilização nacional esta sexta-feira

Esta terça-feira, às 18h00, vai decorrer na Agente a Norte, na Rua da Alegria, uma “reunião aberta a todos os artistas”.

Sara Barros Leitão fala numa “mobilização em todo o país”. “Neste momento já temos Porto, Lisboa, Funchal, Coimbra e Beja que se vão manifestar dia 6 (sexta-feira) às seis da tarde”, anunciou a atriz.

“Temos um enunciado comum, muito forte, que é um reforço orçamental imediato”, acrescentou Sara Barros Leitão.

“Um Presidente da Câmara disponível para protagonizar esta luta”

Os presentes na reunião mostraram agrado em terem “um presidente da Câmara disponível para protagonizar esta luta”, referindo-se a Rui Moreira – que detém o pelouro da Cultura na autarquia.

No Rivoli estiveram representadas 66 estruturas culturais. Linda Melo

Os resultados provisórios dos concursos da DGArtes, comunicados aos candidatos, garantem apoio estatal a 50 candidaturas das 89 avaliadas na área do teatro, ficando de fora 39 estruturas, como o Teatro Experimental do Porto, a Seiva Trupe, a companhia Pé de Vento, o Festival Internacional de Marionetas ou o Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), para citar exemplos da cidade do Porto.

Os concursos ao Programa de Apoio Sustentado às Artes 2018-2021 abriram em outubro, com um valor global de 64,5 milhões de euros.

Este sábado, o Governo anunciou um reforço do montante disponível até 2021, para 72,5 milhões de euros. Já esta segunda-feira, o ministro da Cultura anunciou que o Programa de Apoio Sustentado da DGArtes, na área do teatro, vai ter um reforço de 900 mil euros por ano, de 2018 a 2021.

Alguns membros das estruturas culturais presentes no encontro disseram que este aumento é uma “medida paliativa” perante os protestos e que não deveria ser dado ao Governo “mais tempo do que o que foi dado às estruturas para fazerem a candidatura” para reanalisar os resultados.

Artigo editado por Filipa Silva