Os exploradores portugueses inspiraram Mariana Van Zeller, jornalista de investigação premiada e correspondente na série documental “Explorer” da “National Geographic”, a percorrer o planeta para alimentar a paixão de ser jornalista. A única oradora portuguesa presente na National Geographic Summit regressou a Lisboa, onde a aventura começou, para falar sobre “as alegrias e perigos de contar histórias significativas”.

Para a repórter de 41 anos, a jornada começou em 1999 quando decidiu que o sonho de ser jornalista passava pela Columbia University Graduate School of Journalism, em Nova Iorque, mas rapidamente o sonho caiu por terra. “Candidatei-me pela primeira vez e fui rejeitada. Candidatei-me no ano seguinte, fiquei na lista de espera cheia de esperança e a pensar ‘é agora’, mas fui novamente rejeitada”, contou à plateia do Coliseu dos Recreios.

Mariana Van Zeller decidiu mudar a abordagem, não conformada com o resultado durante dois anos consecutivos: “Meti-me num avião, fui para Nova Iorque e bati à porta do gabinete do reitor. Falamos durante uma hora sobre as razões que me levavam a ser jornalista. Nesse ano fui, finalmente, aceite”.

Mariana Van Zeller foi premiada pelos trabalhos "Rape on the Reservation" e "The OxyCotin Express".

Mariana Van Zeller discursou sobre o que aprendeu em 15 anos enquanto jornalista, com relatos das histórias em que trabalhou. Foto: National Geographic

A jornalista de investigação recordou a cobertura dos atentados ao World Trade Center, a 11 de setembro de 2001, durante a intervenção que fez na cimeira da National Geographic: “O meu antigo chefe na SIC ligou-me a dizer que era a única jornalista portuguesa em Manhattan [na altura dos atentados] e precisava que fizesse um direto. Fui para o telhado de um edifício onde também estavam outros jornalistas”.

A repórter portuguesa confessou que “estava super nervosa”, mas lá conseguiu “juntar umas palavras e fazer o direto”, apesar de apenas ter sentido a dimensão do tragédia quando terminou. “Naquela altura senti-me ‘lá em cima’, porque consegui fazer o direto, mas quando voltei à rua, vi a realidade. Havia pessoas com fotografias nas mãos à procura dos familiares”, relembrou.

Mariana Van Zeller decidiu viajar para a Síria em 2004, depois de terminar os estudos na Universidade de Columbia, e captou o início das insurgências mujahidin na Síria, que atravessavam a fronteira com o Iraque para combater as tropas norte-americanas: “Soube através de um amigo meu sírio que havia combatentes a caminho do Iraque. Decidi que íamos fazer a história em vídeo, mas não tínhamos câmara de filmar, nem dinheiro para uma”.

A correspondente pela “National Geographic” decidiu comprar tapetes nos mercados e enviou-os para Portugal para juntar dinheiro. “Pedi à minha mãe e tias que os vendessem. Enviaram-me o dinheiro e lá arranjamos uma pequena câmara de filmar”, contou a jornalista aos conferencistas.

Mariana Van Zeller foi premiada pelos trabalhos "Rape on the Reservation" e "The OxyCotin Express".

Mariana Van Zeller foi premiada pelos trabalhos “Rape on the Reservation” e “The OxyCotin Express”. Foto: National Geographic

Seguiram-se trabalhos na Amazónia para reportar os conflitos entre índios e mineiros pela posse da maior mina de diamantes da América do Sul e uma viagem no “Comboio da Morte”, que registava as dificuldades de emigrantes ilegais a tentar entrar nos Estados Unidos.

Mariana Van Zeller terminou a intervenção com três palavras-chave que considera serem os pilares do jornalismo e que aprendeu com os documentários que fez: tenacidade, empatia e humildade. Os 15 anos enquanto jornalista e correspondente culminaram num prémio Peabody e uma nomeação para um EMI pelo documentário “The OxyCotin Express“, em 2009, e ainda no Livinston Award for Young Journalists, em 2011, pela grande reportagem “Rape on the Reservation“.

À margem da National Geographic Summit, a jornalista contou ao JPN que o maior contributo que deu foi “poder partilhar um pouco das experiências de vida” que aprendeu com o trabalho e “inspirar pessoas que tenham a paixão de ser jornalistas”.

Ao JPN, Mariana Van Zeller contou ainda dois episódios que demonstram as “alegrias e os perigos” do jornalismo:

“Fiz uma reportagem na Serra Leoa sobre amputados de guerra, em que vi pessoas com histórias das mais tristes que já ouvi e saber que no final da entrevista estavam com um sorriso gigante, acolhedor, e sempre com esperança de que a vida vá melhorar. Isso é um grande exemplo de vida para todos nós”.

No México, sentiu a vida em risco: “Houve um encontro em que estive com o cartel de Sinaloa. Recebi uma chamada que vim depois a saber que era do filho do [narcotraficante] ‘El Chapo’ que me disse que estava numa zona proibida e deu-me 15 minutos para sair de lá ou mandava os homens atrás de mim”.

Mariana Van Zeller defende ainda que um jornalista “não pode pensar no mundo a preto e branco, porque a realidade é muito mais cinzenta ou colorida” e que não se pode fechar os olhos a nada porque “há histórias que não são exploradas, mas que têm um grande impacto no mundo”.

Artigo editado por Filipa Silva