Doutorado em Línguas Modernas e Medievais pela Universidade de Cambridge, Peter James Godman é um dos dois candidatos estrangeiros ao cargo de reitor da Universidade do Porto. Caso seja eleito, reforçar a internacionalização e ouvir a comunidade estudantil e local são as prioridades em que o neozelandês que tem também nacionalidade britânica diz querer apostar.

Oxford e Cambridge, no Reino Unido, Tübingen, na Alemanha, La Sapienza, em Itália. São alguns exemplos das várias universidades por onde Peter James Godman já passou desde que se doutorou em Línguas Modernas e Medievais pela Universidade de Cambridge, em 1980.

Nascido em Auckland, Nova Zelândia, o também britânico de 63 anos é um dos dois candidatos estrangeiros ao lugar de reitor da Universidade do Porto no mandado de 2018-2022.

Ao JPN, Peter Godman promete “aprender intensamente” a língua lusa antes de vir para Portugal, uma vez que acredita que esse é um dos deveres de um Reitor.

Reforçar a internacionalização e ouvir a comunidade estudantil e local são algumas as prioridades que o candidato ao cargo de Reitor diz ter, caso seja eleito no dia 27 de abril.

Nota da Redação
Esta é uma de três entrevistas aos candidatos ao cargo de Reitor da UP que o JPN publica ao longo desta segunda-feira, véspera do dia em que o Conselho Geral vai ouvir o que propõe cada um deles. A eleição está marcada para sexta-feira (27).
Leia também a entrevista a
António Sousa Pereira e Sebastião Feyo de Azevedo
De Xosé Rosales Sequeiros aguardamos ainda uma resposta definitiva.

Uma vez que considera que “a universidade do futuro será em maioria feminina”, abordar os apoios dados pela universidade aos cuidados infantis está nos seus planos.

No que admite ser uma opinião “chocante” no Porto, abrir à competição todos os cargos na universidade em vez das promoções internas é um dos objetivos de Peter Godman.

Esta é a primeira de uma série de quatro entrevistas que o JPN vai publicar ao longo dos próximos dias com todos os candidatos ao cargo.

JPN: Sendo estrangeiro, porquê esta decisão de se candidatar à eleição para o lugar de reitor da Universidade do Porto?
P.J.G: Uma das principais razões é um profundo interesse pela cultura portuguesa, que começou com a leitura de Saramago. A outra razão é a minha admiração pelo papel que Portugal desempenha na União Europeia.

A terceira razão é um sentimento de afinidade. Por afinidade não quero dizer a aliança anglo-portuguesa no século XIV. Eu nasci e cresci na Nova Zelândia e a Nova Zelândia, como Portugal, é frequentemente descrita como remota e pequena. A isto eu respondo que o afastamento depende do ponto de observação, que nunca é objetivo, e o pequeno é bonito.

A beleza de Portugal, tal como a vejo, reside numa dupla identidade atlântica e mediterrânea. Acho extremamente atraente e estou muito impressionado com os movimentos de internacionalização que Portugal fez. Também estou impressionado com o facto de o Porto ter mais estudantes internacionais do que a Universidade Centro-Europeia, em Budapeste. Vejo grandes possibilidades de inovação e expansão do que já está a ser feito de maneiras novas e elevadas.

Já teve algum tipo de relação com o Porto, do ponto de vista académico?

Sim, tenho. Tenho vários colegas portugueses e consultei-os antes de me candidatar. Esta é uma razão pela qual eu me candidatei: o encorajamento.

“Pretendo fazer o meu trabalho no Porto em português”

Caso seja eleito, será o primeiro Reitor estrangeiro da Universidade do Porto. Acha que isso o coloca em desvantagem?
Eu não seria apenas o primeiro reitor estrangeiro da Universidade do Porto, se não me engano seria o primeiro reitor estrangeiro de qualquer universidade em Portugal.

Nesse sentido, também acho que o principal dever do Reitor é ouvir. Tenho ideias e propostas, mas quero escutar com muito cuidado e ser sensível, não só com a Universidade, mas também com a comunidade local. O segundo dever do reitor é falar em português. Eu pretendo aprender intensamente português antes de ir para o Porto.

Quanto a ser uma desvantagem: sim, é. Mas isso é uma coisa em que pretendo mudar imediatamente. Gostaria de salientar que fiz isto duas vezes. Quando fui professor na Universidade de Tübingen, nunca tinha estudado alemão e, quando me tornei professor em Roma, nunca tinha estudado italiano. Mas eu ensinei em alemão e italiano e pretendo fazer o meu trabalho no Porto em português.

“A universidade do futuro será em maioria feminina. Eu quero discutir essa questão com representantes femininas de toda a universidade: não só professoras e investigadoras, mas staff académico e estudantes.”

Disse que ouvir os alunos e a comunidade seria uma prioridade para si. Quais são as propostas que tem em mente?
Quero reforçar a internacionalização da Universidade do Porto e quero desenvolver uma estrutura que já têm, o Parque da Ciência [UPTEC], e quero introduzir uma nova, que seria um Instituto de Estudos Avançados.

O Porto é conhecido por ter, como disse, uma grande comunidade de estudantes vindos de todo o mundo. Essa internacionalização é algo que considera ser uma prioridade?
Sim, acho que é muito importante e vejo certas implicações sociais nisso. Tomemos, por exemplo, famílias e cuidados infantis. O modelo tradicional português ditava que se a mulher trabalhava na universidade, a família cuidava dos filhos. Agora, quando falamos de estudantes internacionais, ou de professores visitantes, ou pessoas que vieram do estrangeiro e ficaram, estamos a lidar com pessoas que não têm família na área do Porto.

Por isso, gostaria de discutir com as mulheres quais as soluções que a Universidade providencia quanto aos cuidados infantis. O que parece ser maior e mais importante é a mudança, algo que já aconteceu no Porto e em todo o mundo. A universidade do passado era uma universidade masculina. A universidade do futuro será em maioria feminina. Eu quero discutir essa questão com representantes femininas de toda a universidade: não só professoras e investigadoras, mas staff académico e estudantes.

“Pretendo que os estudantes possam vir ter informalmente com o reitor”

Alguns estudantes têm criticado o enfoque dado pela Universidade à vertente internacional, enquanto há, por exemplo, edifícios de faculdades que não estão nas melhores condições. Tem-no em mente? Já lho tinham dito? Tem um plano para lidar com a situação?

Sim, tenho. Mas, apesar disso, tenho de ouvir as queixas porque não vi os edifícios no Porto, vou vê-los na segunda-feira da próxima semana [23 de abril]. Sim, eu penso que este assunto é de uma enorme importância e eu quero perguntar aos estudantes que contacto direto têm tido com o reitor.

Eu sei que os estudantes são representados em certos órgãos da universidade. Não é isso a que me refiro. O que quero dizer é que pretendo que os estudantes possam vir ter informalmente com o reitor. Haver um dia por semana no qual pudessem vir e falar do que os preocupa, por exemplo. Haver uma constante troca e partilha com os estudantes sobre condições de trabalho, dos edifícios e por aí em diante. Só posso comentar esse tipo de problemas nestes termos, porque ainda não vi os edifícios. De certeza que vou estabelecer contactos intensivos e não vou querer ser completamente formal como reitor, mas fazer com que os alunos sintam que podem vir até mim e digam “veja, este é o problema”.

As rendas na cidade do Porto têm sofrido constantes aumentos e não está projetada pelos serviços da universidade a construção de novas residências universitárias. É uma questão que também tem em conta e que quer debater com os estudantes?

É algo que está muito presente na minha cabeça. Eu penso que é um ponto crucial. Será uma das minhas primeiras prioridades possibilitar que se encontre bom alojamento num espírito de comunidade para os estudantes da Universidade do Porto.

Mas não penso que isso seja uma dificuldade ou contradição quanto à internacionalização. Toda a gente precisa disso. Devia ser uma política universal, mesmo para os estrangeiros que vêm estudar para o Porto ou para estudantes portugueses no Porto. Não vejo qualquer diferença. Precisam todos de ter uma boa qualidade de vida, algo que a Universidade do Porto deve energicamente providenciar.

“Já 1% [de abandono escolar] é demasiado alto”

Foi divulgado este mês um estudo da Direção Geral de Estatística da Educação e Ciência (DGEEC) que conclui que 30% dos estudantes que entram na faculdade não chegam a terminar o curso. Que soluções pode um reitor apresentar para combater essa situação?
Esse é um problema muito, muito sério. E um problema que um reitor tem de abordar seriamente entre staff e estudantes. Trinta por cento é, de longe, demasiado alto. Mas já 1% é demasiado alto. Eu estou, de facto, muito preocupado com isto e há muita coisa que pode ser feita.

Uma delas é ter tutores. Eu acho que todos os estudantes precisam de um tutor. Estou a falar de 100% dos estudantes. Gostaria de aplicar um sistema que conheço extremamente bem já que fui educado em Cambridge e lecionei em Oxford, e tenho visto este sistema noutras universidades como Tübingen, que é muito boa (mas não tem este sistema) e vi Roma (que é uma selva, muito pior que o Porto). Os estudantes não podem ser deixados sem orientação, todos precisam de conselhos. Cem por cento deles: os mais brilhantes e os menos bons. A implementação de um sistema de tutoria será vital para melhorar ou resolver esse problema. Estava ciente do problema, mas não da dimensão.

“Algo que pode ser chocante no Porto: Eu acho que todos os lugares devem ser abertos e publicitados”

Outra questão premente é a precariedade nos contratos de trabalho dos investigadores e docentes, algo que tem motivado manifestações. Este tipo de contratos precários é algo que gostaria de mudar?
Sim, sem sombra para dúvidas. Mas deixe-me dizer que os académicos precisam de segurança, de contratos permanentes. Precisam de perspetivas a longo prazo. Deixe-me dizer algo que pode ser chocante no Porto: eu acho que todos os lugares devem ser abertos e publicitados. Não deve haver candidaturas internas.

Segundo o relatório de 2007 da OCDE que fala sobre o Ensino Superior em Portugal, é possível que alguém que tenha estudado na Universidade do Porto, ou noutras universidades, se torne professor e se reforme, tudo na mesma instituição. Não tenho nada contra a promoção de pessoas da universidade a cargos na instituição, mas acho que todas os cargos devem ser publicitados. Eu quero uma competição aberta baseada somente em mérito.

Eu gostaria de trazer à Universidade do Porto a capacidade de se conectar de forma ainda mais forte com o exterior e fazer com que seja possível não só que os portuenses estudem noutros países, mas também trazer pessoas para a universidade de grande qualidade científica e académica.

Um grande problema que afetou Portugal foi a emigração de cerca de 250 mil portugueses aquando da crise de 2008. Portugal perdeu muito talento. Eu gostaria de atrair essas pessoas de novo para o Porto. Quero tornar o Porto num centro de investigação e ensino quer nas áreas das ciências, ciências sociais, humanidades, por exemplo, e tornar a universidade globalmente atrativa. Algumas das pessoas interessadas poderiam ser, por exemplo, portugueses que não trabalhem no Porto.

Artigo editado por Filipa Silva