Diretor do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) desde 2004, António Sousa Pereira é candidato ao lugar de Reitor da Universidade do Porto para o mandato 2018-2022.

Uma “intervenção profunda” na situação “lamentável” que se vive na Faculdade de Belas Artes é uma das prioridades do candidato já que, a par da “afirmação externa da universidade”, António Sousa Pereira diz que é “indiscutível olhar para dentro”.

Quanto às contestações de docentes e investigadores sobre os contratos precários, fala em “algum exagero”.

Apostar nas receitas próprias da universidade é outra dos enfoques, já que a “partir de certa altura não se aguenta mais” com o escasso financiamento do Estado e a Universidade do Porto está “a chegar a esse ponto”.

Nota da Redação

Esta é uma de três entrevistas aos candidatos ao cargo de Reitor da UP que o JPN publica ao longo desta segunda-feira, véspera do dia em que o Conselho Geral vai ouvir o que propõe cada um deles. A eleição está marcada para sexta-feira (27).
Leia também a entrevista a
Peter J. Godman e Sebastião Feyo de Azevedo
De Xosé Rosales Sequeiros aguardamos ainda uma resposta definitiva.

Apoiante da interdisciplinaridade e de colaborações entre as faculdades, António Sousa Pereira quer “deitar paredes abaixo” entre as escolas da UP em nome de um futuro que, sendo desconhecido, se adivinha carente de formações polivalentes e menos tradicionais.

JPN: Qual é a motivação por detrás da sua candidatura a Reitor da Universidade do Porto?
A.S.P: A motivação é o facto de olhar para a evolução da universidade nos últimos anos e entender que sou capaz de fazer melhor do que está a ser feito. A minha missão à frente do ICBAS está concluída. Sinto, neste momento, que não só posso como tenho obrigação de oferecer o melhor que posso à universidade no desempenho do cargo de Reitor.

“É importante e indiscutível olhar para dentro da universidade e procurar ganhos de qualidade da vida universitária.”

Quais serão as prioridades caso seja eleito?
Há várias linhas prioritárias. Há uma linha que eu acho fundamental: promover a melhoria dos serviços da universidade. Nós ensaiamos algumas reformas no modelo de funcionamento da universidade nos últimos anos. Havia objetivos nobres e muito claros nessas reformas, no sentido de conseguir ganhos de eficácia na universidade, mas constatámos agora que esses objetivos estão longe de ter sido alcançados.

Nomeadamente ao nível da gestão interna da Universidade, dos serviços centrais, do sucesso na obtenção de financiamento nos vários níveis, há muito a fazer. Há todo um caminho que eu acho que tem de ser feito, também no sentido de centrar a universidade nos estudantes. Neste momento estamos um bocadinho afastados disso. Temos regras e regulamentos muito rígidos. Temos os Serviços de Ação Social [SASUP] um bocado afastados daquilo que são os problemas dos estudantes. A par da afirmação externa da universidade, acho que é importante e indiscutível olhar para dentro da universidade e procurar ganhos de qualidade da vida universitária.

A Universidade do Porto recebe cada vez mais alunos estrangeiros ao abrigo de programas de mobilidade ou do ERASMUS+. De que forma se pode investir mais na internacionalização da Universidade?
A internacionalização é, naturalmente, muito importante. A Universidade do Porto tem tido bastante sucesso na internacionalização. Obviamente, o sucesso não é o mesmo em todas as faculdades: há faculdades que têm mais, há faculdades que têm menos. Felizmente, a escola de onde sou [ICBAS] é uma das que tem maior sucesso nos programas de mobilidade quer in quer out. Isso é, naturalmente, importante e algo em que se deve investir bastante.

Nós temos de ter essa internacionalização também no recrutamento de estudantes internacionais. Os estudantes internacionais são importantes para a projeção da imagem da universidade e para a projeção da imagem do país. São importantes porque permitem-nos, também, um acréscimo de financiamento. É importante investir nesse aspeto, embora haja escolas que estão limitadas no número de estudantes internacionais que podem receber. É o caso do ICBAS: nós estamos proibidos por lei de receber estudantes internacionais na área da saúde.

Acho é que não se pode ter essa visão redutora da internacionalização resumida aos estudantes. Não chega. Temos de pensar na internacionalização da universidade também na investigação e na obtenção de financiamentos externos, visto que as agências nacionais estão bastante parcas de recursos e os financiamentos têm sido poucos. E nem sequer é por insucesso da universidade, é porque não abrem concursos. A Fundação para a Ciência e a Tecnologia teve três anos sem abrir concursos e, portanto, não pode haver dinheiro se não houver concurso.

António Sousa Pereira é diretor do ICBAS desde 2004. Foto: Hugo Moreira

Foi anunciado pelo Governo, este ano, uma redução do número de vagas nas Universidades do Porto e de Lisboa. Como vê esta medida? Que consequências pode ter para a universidade?
Isso foi uma intenção de discussão. Não chegou sequer a existir nada de concreto. Eu acho que o problema da desertificação do interior é um problema real. Não me parece que essa medida, tomada de forma avulsa, resolva coisa alguma.

Há que pensar um conjunto de medidas que permitam atrair alunos para as instituições do interior. Temos de pensar que regiões, como por exemplo Bragança e Guarda, dependem muito de estudantes porque têm uma atividade económica muito centrada na vivência dos estudantes nas cidades. Não é isto que resolve o problema.  Há que pensar numa estratégia que seja bastante mais abrangente.

Agora, já ninguém fala disso. Para dizer a verdade, acho que a ideia já morreu. Morreu à nascença.

Abandono escolar: “Preocupação não é ler as estatísticas e encerrar o assunto”.

Foi divulgado este mês um estudo da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência em que se conclui que cerca de 30% dos alunos que ingressam no ensino superior não concluem as suas licenciaturas. Que soluções pode um reitor tomar para combater o abandono escolar?
Para já, temos de ter preocupação com isso dentro da universidade. A preocupação não é ler as estatísticas e encerrar o assunto. É preciso montar um programa que identifique os estudantes que estão em situação ou risco de abandono escolar e definir estratégias que permitam retê-los. Eu acho que, nesse aspecto, nós não temos feito praticamente nada.

E o que é que se pode fazer?
Pode fazer-se muita coisa. Desde logo identificar as situações porque haverá razões muito diversas. Haverá estudantes que desistem do curso porque eventualmente chegam à conclusão que aquilo não corresponde àquilo que eram as expectativas que tinham. Essa será, eventualmente, uma razão relativamente menos negativa, porque deverão ser estudantes que vão concorrer a outros cursos mais adaptados aos seus gostos e vocações.

Mas há muitas outras situações. Haverá estudantes que abandonam por doença, haverá situações de estudantes que abandonam por dificuldade económica, haverá situações de estudantes que abandonam por problemas psicológicos, bullying, etc. Haverá ainda estudantes que abandonam porque eventualmente chegam à conclusão que o curso que escolheram não tem saída profissional e não estão a fazer nada cá dentro.

Todas estas situações são diferentes e têm de ser encaradas uma a uma. Acho que podia haver uma estratégia concertada na universidade, um serviço vocacionado para isso que identifique as situações de risco e que faça o acompanhamento individualizado, que procure soluções para tentar reter esses estudantes cá dentro. Isso, muito sinceramente, até agora, não vi.

“É altura de olhar para as Belas Artes e resolver aquela situação.”

Uma das queixas dos estudantes da UP são as condições dos edifícios de algumas das faculdades, como por exemplo, Belas Artes e Direito. Tem algum plano para a resolução destas questões?
Eu acho que são situações diferentes. O edifício de Direito precisa de obras de reparação. O edifício de Belas Artes precisa de uma intervenção muito mais profunda, porque os alunos estão numa situação muito, muito, muito deficiente.

Agora, eu acho que, quer a situação de Belas Artes, quer a situação de Nutrição, necessitam de intervenções que não podem estar à espera de soluções de financiamento externo. Tem de ser a universidade a assumir que tem de fazer aquelas obras e melhorar as condições daqueles estudantes.

Há estudantes de Belas Artes que vêm ter aulas ao ICBAS e cria-se uma situação curiosa: as aulas de Desenho de uma das disciplinas são feitas no Teatro Anatómico e é espantoso ver que eles, entre outras coisas, apreciam muito o facto de haver aquecimento no Teatro Anatómico. Eles, durante o inverno, nas Belas Artes, não têm aquecimento e vivem lá numa situação que é lamentável e que precisa de ser resolvida urgentemente.

A Nutrição já está em vias de resolução, portanto, é um problema que está praticamente resolvido. Agora é altura de olhar para as Belas Artes e resolver aquela situação.

A questão do alojamento é uma das contestações feitas pelos estudantes. Com o Porto a verificar um aumento no preço das rendas, e tendo em conta que já foi admitido pelos SASUP que a construção de novas residências não está nos planos, que soluções há?
As soluções para as residências não podem ser encontradas pela universidade de uma forma isolada. O problema das residências é um problema velho e o próprio contrato que foi assinado aquando da criação da Universidade do Porto enquanto fundação previa um dote para a construção de residências universitárias.

Como é do conhecimento geral, esse dote nunca chegou a ocorrer, mas o problema mantém-se e agora agravado. Não só os estudantes estão a ser “expulsos” para fora da cidade, mas também uma parte significativa da própria população começa a não ter residências no interior da cidade. Estamos a crescer de uma forma uma pouco desordenada com hotéis, hostéis, albergues, etc. Mesmo as casas que eram tradicionalmente alugadas a estudantes, agora são alugadas a turistas, o que está a fazer que os estudantes estejam a ser empurrados para a periferia da cidade, ou até mesmo para fora da cidade.

Ora, uma abordagem deste problema tem de ser feita conjuntamente pela Universidade do Porto e pelas autarquias aqui da região. Temos de montar um programa com a própria Câmara do Porto, com a Junta Metropolitana [do Porto], visto que provavelmente haverá aí um papel importante a desempenhar também pelos concelhos limítrofes do Porto.

A Universidade do Porto por si só não irá ter capacidade para isso, embora, obviamente, deva aproveitar todas as oportunidades de financiamento que possam vir a surgir nessa área. Temos que ir a todos os concursos e programas em que seja suscetível apresentar candidatura e temos de ir com candidaturas bem elaboradas e estruturadas para ter alguma garantia de sucesso.

O diretor do ICBAS tem 56 anos. Foto: Hugo Moreira

Em Portugal, há docentes e investigadores que acusam os reitores de funcionarem como entraves às soluções propostas pelo Governo para os contratos precários. Como abordaria esta questão?
Sim, nós identificamos essas situações e elas agora saíram do nosso controlo. Estão a ser analisadas por uma comissão. Agora, eu acho que há aí algum exagero. Na realidade, temos de ver que, muitas vezes, essas pessoas não estão numa situação efetiva porque não é legalmente possível efetivá-las. A lei, eventualmente, até terá alguns aspetos benéficos ao permitir consolidar algumas relações laborais que existem neste momento e têm a forma que têm, não por causa de qualquer imposição, mas porque a lei não permite que elas sejam feitas de outra maneira. Eu não vejo que haja aí esse tipo de situações.

Em relação aos docentes, no último Balanço Social da UP, a média de idades do corpo docente era de 48.8 anos e dos não-docentes de 45.4. Isto em 2017. A UP é uma universidade envelhecida?
É cada vez mais envelhecida.

E isso é um problema?
É sim. É porque temos que de ter sangue jovem. Por outro lado, temos um problema no que toca a termos uma população envelhecida a ocupar posições de início de carreira porque não são promovidos. Quando as pessoas não têm perspetivas de progressão na carreira também desmotivam e deixam de trabalhar com a motivação que é necessária para o desempenho de tarefas como as que se desempenham numa universidade, que são sobretudo de natureza intelectual.

Acho que é preciso intervir de várias formas nesse sentido. É preciso aproveitar, desde logo, todas as oportunidades que surjam para contratar gente jovem independentemente de serem as ideais. Muitas vezes se critica o decreto de lei nº57, mas eu acho-o excelente para a generalidade das escolas das universidades na medida em que vai permitir a introdução de sangue novo. Se me perguntarem se é possível fazer melhor: claramente era possível. Apesar disso, não podemos deixar de aproveitar estas oportunidades.

Há outro problema: como fazer a progressão das pessoas nas carreiras? Isso é mais complexo. Da maneira que está feita a legislação, nós temos de tratar todos os concursos como se fossem de provimento e não de progressão. Nunca sabemos quando vem uma pessoa com um currículo melhor. Isso vai exigir outro tipo de soluções, soluções complexas e que demoram tempo. É preciso rever os Estatutos da Carreira Docente Universitária para permitir que se faça outro tipo de concursos.

Eu acho que é preciso lançar a discussão pública. Há um caminho a fazer até se alterar a legislação, mas acho que é inevitável que se altere a legislação para permitir que as pessoas possam progredir na carreira.

Em relação ao Orçamento do Estado, o montante recebido tem sido suficiente para as necessidades da UP?
Não, não tem. Tem-se discutido muito, mas a discussão tem ficado resumida à distribuição do bolo que é alocado às faculdades. Eu acho que tem que se discutir o bolo todo. É preciso discutir o orçamento todo. O que temos feito é discutir parte do orçamento e se calhar é altura de discutir o resto.

Não me parece que seja aceitável que se mexa no orçamento das faculdades tal como ele está atualmente. Portanto, qualquer correção de assimetrias que exista não pode ser feita à custa da diminuição de orçamentos que as faculdades estão a receber atualmente. Tem que ser feito discutindo outras fontes de financiamento e outras parcelas do financiamento, nomeadamente tem que se por em cima da mesa o bolo todo de dinheiro que a universidade recebe. E essa discussão não tem sido feita.

“Temos que conseguir ir buscar dinheiro às fontes internacionais.”

O que se está a receber é o que o Governo se comprometeu a ceder?
Não. Claramente que não.

Há espaço para aumentar as receitas próprias?
Espaço há sempre. Mas aumentar as receitas próprias, através de propinas, não é expectável que vá acontecer. As receitas próprias têm que crescer através de obtenção de financiamentos competitivos e prestação de serviços. Por isso é que eu acho a internacionalização tão importante. Nós temos que conseguir ir buscar dinheiro às fontes internacionais. Não chega ficarmos dependentes das fontes nacionais. Temos que montar uma estratégia para que se faça isso com sucesso.

Temos que arranjar também forma de aumentar a prestação de serviços que a universidade faz à comunidade. Eu sei que nem todas as escolas têm a mesma capacidade para fazer prestação de serviços, umas têm mais capacidade, outras menos. Mas claramente temos de ter uma estratégia no sentido de ir buscar dinheiro dessa forma.

São frequentes as vozes que afirmam que há uma diferença entre o discurso e a prática do Governo quando afirma que é preciso apostar na ciência, na inovação, no ensino superior…
Eu acho é que nós neste momento estamos numa situação que, apesar das injeções de otimismo que se tenta fazer na sociedade, está longe de estar resolvida. Nós continuamos em situação de crise, continuamos com orçamentos limitados e continuamos a impor regras extremamente rígidas nos défices, etc.

Isso naturalmente vai ter reflexos no financiamento e na qualidade do ensino. Apesar das limitações, nós temos conseguimos aguentar. Conseguimos aguentar de uma forma tal que qualquer estudante que sai da UP é bem-recebido em qualquer parte do mundo.

Isso é objetivado em situações concretas, não é um feeling. Nós damos uma volta pelo mundo e encontramos ex-estudantes da UP em variadíssimas posições de destaque um pouco por todo o lado. Isso significa que a nossa qualidade de formação é reconhecida e apreciada pelas entidades empregadoras um pouco por todo o lado.

Ainda assim, tudo isto tem um limite de tolerabilidade. O que acontece é que nós, nos últimos anos, em resultado da crise, investimos muito pouco em renovação de equipamentos, investimos pouquíssimo na manutenção de infraestruturas. Isto aguenta-se durante dois ou três anos. A partir de certa altura não se aguenta mais e nós estamos a chegar a esse ponto. Precisamos, efetivamente, de começar a fazer investimentos em equipamentos, sejam imobiliários ou científicos, de forma a nos mantermos competitivos e para mantermos um ensino que seja reconhecido e seja atrativo para as pessoas. Eu acho que, até agora, conseguimos contornar os efeitos da crise, mas precisamos urgentemente de definição de estratégias para ultrapassar isso.

Que opinião tem acerca do trabalho feito ao longo dos últimos quatro anos pelo atual reitor?
Seria deselegante da minha parte fazer isso. Eu tenho tentado não personalizar, tenho tentado discutir situações concretas e quero manter essa coerência até ao fim. Não me interessa entrar nessa discussão.

Ao JPN, descreveram-no como sendo “uma pessoa sempre disponível a ouvir e a solucionar problemas”, alguém “multidisciplinar” com “orgulho nas biomédicas” que “quer sempre mais e melhor para a casa que representa”. Revê-se nestas palavras?
Isso deve ser de algum amigo que exagerou na descrição, porque só um amigo é que diria uma coisa dessas (risos). É óbvio que tem aí um aspeto que merece a pena ser discutido: é que eu não estou a concorrer a reitor das Biomédicas. No fundo, aquilo que eu consegui nas Biomédicas, a projeção que consegui da escola como um todo e o prestígio que ela hoje tem, gostava muito de transportar para a universidade.

O meu interesse agora não é puxar pelas Biomédicas. É evidente que puxei pelas Biomédicas, porque sendo diretor não poderia deixar de o fazer. Agora quero fazer isso na universidade, puxar pela universidade. Sobretudo gostava muito que algumas coisas que são marca das Biomédicas desde a sua formação, como a interdisciplinaridade, a disponibilidade para colaborar com outras escolas, a disponibilidade para fazer cursos conjuntos com toda a gente, a disponibilidade para ter esta visão multidisciplinar da vida nos dias de hoje fosse assumida pela universidade.

Gostava muito que na universidade, de alguma maneira, se esbatessem também os muros entre faculdades e passasse a haver colaborações mais francas porque o mundo que temos pela frente é imprevisível. Quem ache que conhece o futuro daqui por dez anos, desiluda-se.

“É preciso quebrar as fronteiras, deitar as paredes abaixo”

Daqui por dez anos haverá certamente muitas profissões que hoje nem se imagina o que sejam. Mas uma coisa é certa: muitas dessas profissões e muito do desenvolvimento atual surge nas interlinhas que ficam entre profissões que não colaboravam entre si tradicionalmente e que hoje em dia colaboram e dessa colaboração nasceram coisas fantásticas. Eu acho que muitas das profissões do futuro vão nascer precisamente destas interações entre áreas de conhecimento tradicionalmente vistas como independentes. Vamos chegar à conclusão que não são assim tão independentes como isso e que é possível estabelecer interações.

Isto que eu estou a dizer não tem nada de novo. Foi verbalizado pela primeira vez em 1940, pelo professor Corino de Andrade, numas conferências que fez no Rádio Clube Português na altura, e que ficaram famosas. Eram tão revolucionárias que ele acabou por ser preso por causa disso. Passados estes anos todos, chega-se à conclusão que ele estava carregadinho de razão e que, cada vez mais, as pessoas têm de pensar fora da caixa e fora dos limites das suas áreas tradicionais.

Eu ficaria muito orgulhoso se desse um contributo para a universidade evoluir neste sentido e, no fundo, esse é o meu grande objetivo: fazer com que a universidade perca estas amarras do tradicionalismo e se afirme como uma universidade moderna em que as pessoas colaboram entre si. Tornar possível que um estudante das Letras, se lhe apetecer, possa vir fazer uma unidade curricular à Medicina, ou um estudante das Belas Artes venha fazer Anatomia. Porque não? Encontram coisa mais lógica? O Miguel Ângelo e o Leonardo [Da Vinci] andavam a roubar cadáveres nos cemitérios para fazer desenhos. Eh pá, eles não precisam de roubar, podem vir desenhar cadáveres aqui que nós temos.

É preciso quebrar as fronteiras, deitar as paredes abaixo e perceber que independentemente das pessoas terem a sua individualidade própria, estão abertas a colaborações, estão abertas a que as pessoas circulem. Os estudantes podem circular e andar. Gostava muito de ter uma universidade assim. É por isso que luto, porque acho que é um bocadinho o espírito que o ICBAS teve desde o princípio.

É este o caminho, mas não pode ficar por aqui. Nem pode ficar limitado ao ICBAS, todas as escolas têm de começar a ter esta atitude de, com franqueza, colaborar umas com as outras e pôr os estudantes a fazer formações que lhes sejam verdadeiramente úteis no futuro, que não se sabe qual é. A gente faz uma ideia, mas hoje em dia é uma ideia um bocadinho imperfeita do futuro, cada vez mais imperfeita.

Artigo editado por Filipa Silva