Se para alguém que nasceu em 1974 – ou nos anos imediatamente a seguir à revolução – é difícil entender exatamente o que esta representou, para as gerações que nasceram 20 ou 30 anos depois o 25 de Abril pode parecer só mais uma página no livro de História ou um clássico do cinema que nunca vimos, mas de que toda a gente fala.

Há 44 anos, Portugal libertava-se de mais de quatro décadas de ditadura, de opressão política e de censura. Com o fim da Guerra Colonial, cerca de meio milhão de “retornados” voltavam a casa, para encontrarem um país pobre, atrasado e “orgulhosamente só”.

Perseguidos pela polícia política e castrados da sua liberdade de expressão, toda uma geração de intelectuais, pensadores e artistas encontraram na clandestinidade e no exílio a única forma de resistirem ao regime.

Música

MANUEL LOFF

Música:

  • Zeca Afonso, “Cantigas do Maio” (1971)
  • Zeca Afonso, “Venham Mais Cinco” (1973)
  • Filhos da Madrugada cantam José Afonso (1994)
  • José Mário Branco, “Queixa dos Jovens Censurados” (de “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, 1971)
  • Sérgio Godinho, “Liberdade” (de “À Queima Roupa”, 1974)

Cinema:

  •  Capitães de Abril, de Maria de Medeiros (2000)

Literatura:

  • “A Revolução Portuguesa e a Sua Influência na Transição Espanhola”, de Josep Sanchez Cervelló
  • “Praça da Canção”, de Manuel Alegre

Para os historiadores Manuel Loff, Amadeu Carvalho Homem e Raquel Varela, Zeca Afonso é “sem dúvida a figura mais simbólica da revolução de Abril”, do ponto de vista musical.

Ma madrugada de 25 de Abril de 1974,”Grândola, Vila Morena” foi a senha para o avanço das operações do Movimento das Forças Armadas em todo o país. Manuel Loff explica que “Cantigas do Maio”, gravado em Paris três anos antes, foi chegando aos portugueses “de forma mais ou menos clandestina”, uma vez que a sua circulação terá sido rapidamente proibida pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) e pela censura.

Outra das sugestões do professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto é o disco “Filhos da Madrugada cantam José Afonso”, uma compilação de alguns temas de Zeca Afonso interpretados por artistas “de uma geração totalmente diferente da [geração] da revolução”, como os Madredeus, GNR, Vozes da Rádio, Xutos e Pontapés e Resistência.

Da canção “Liberdade”, de Sérgio Godinho, Manuel Loff salienta o verso que lista “as grandes espetativas que os portugueses tinham após a revolução”.

“Só se pode querer tudo quando não se teve nada 
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada 
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada 
Só há liberdade a sério quando houver 
A paz, o pão 
habitação 
saúde, educação”

Manuel Loff recomenda ainda “Queixa das almas jovens censuradas”, um poema de Natália Correia na voz de José Mário Branco. “É uma bela descrição do que era o ambiente profundamente opressivo em que os jovens viviam na ditadura, de uma geração a quem não se reconhecia direito algum de tomar decisões sobre a sua própria vida, mas que era obrigada a incluir a guerra dentro do seu próprio destino”, observa o historiador. Durante os anos da guerra do Ultramar, 250 mil jovens em idade de cumprir o serviço militar obrigatório fugiram clandestinamente do país.

Cinema

AMADEU CARVALHO HOMEM

Música:

José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Luís Silva, Manuel Freire, Francisco Fanhais, José Mário Branco, Sérgio Godinho.

Cinema:

  • “Capitães de Abril”, de Maria de Medeiros (2000)
  • “Um Adeus Português”, de João Botelho (1986)
  • Non ou a Vã Glória de Mandar“, de Manoel de Oliveira (1990)
  • “Cinco Dias, Cinco Noites”, de José Fonseca e Costa (1996)

Literatura:

  • “25 de Abril – Mitos de Uma Revolução”, Maria Inácia Rezola
  • “O 25 de Abril Contado às Crianças… e aos Outros”, de José Jorge Letria
  • “História do Povo na Revolução Portuguesa – 1974-75”, de Raquel Varela
  • “Portugal, a Flor e a Foice”, de José Rentes De Carvalho

Amadeu Carvalho Homem, do Centro de Documentação 25 de Abril, nomeia o filme “Capitães de Abril“, de Maria de Medeiros, como aquele que melhor representa a revolução. Manuel Loff considera o filme “execional” na medida em que a ação decorre nos locais “onde se passaram as horas decisivas da madrugada de 24 para 25 de abril de 74”, como a Rua do Arsenal e o Terreiro do Paço, em Lisboa.

O professor catedrático da Universidade de Coimbra destaca ainda filmes como “Um Adeus Português“, de João Botelho (1986), a resenha histórica portuguesa “Non ou a Vã Glória de Mandar”, de Manoel de Oliveira (1990) e a adaptação da novela “Cinco Dias, Cinco Noites”, de Manuel Tiago – pseudónimo de Álvaro Cunhal – ao cinema, por José Fonseca e Costa.

Raquel Varela recomenda o documentário “Outro País“, de Sérgio Tréfaut, que “reúne vários filmes feitos por realizadores estrangeiros em Portugal” e que “mostra o que era a ditadura e, sobretudo, o que foi a revolução”.

A historiadora considera também que o trabalho do realizador norte-americano Robert Kramer em “Cenas de luta de classes em Portugal” retrata “bastante bem” a resistência popular durante a ditadura salazarista.

Amadeu Homem Carvalho sugere ainda que se “preste atenção”  a peças de teatro promovidas pelas autarquias e grupos de teatro amadores sobre a temática da ditadura e revolução dos cravos.

 

Literatura

Amadeu Homem Carvalho acredita que “nada melhor do que juntar num auditório capitães de Abril e pessoas de cabelo branco, que tenham agora 60 ou 70 e poucos anos e que na altura fossem jovens adultos e tenham vivido o período anterior ao 25 de abril, os constrangimentos e a perseguição da PIDE”. Ainda assim, o historiador aponta obras “rigorosas e fidedignas” como “25 de Abril – Mitos de Uma Revolução“, de Maria Inácia Rezola, e “O 25 de Abril Contado às Crianças… e aos Outros“, de José Jorge Letria com ilustrações de João Abel Manta.

RAQUEL VARELA

Música:

  • Discografia de Zeca Afonso

Cinema:

  • Outro País, de Sérgio Tréfaut (1999)
  • Cenas de luta de classes em Portugal”, de Robert Kramer e Phillip Spinelli (1977)

Literatura:

  • “História do Povo na Revolução Portuguesa – 1974-75”, de Raquel Varela
  • Murais de Abril 1974“, de João Mário Mascarenhas

Amadeu Homem Carvalho destaca também o livro “Portugal, a Flor e a Foice“, de José Rentes de Carvalho, que retrata as décadas de Salazarismo através “do olhar de um estrangeirado” – Rentes de Carvalho vive na Holanda desde 1956.

O historiador do Centro de Documentação 25 de Abril realça ainda “História do Povo na Revolução Portuguesa – 1974-75” de Raquel Varela como uma obra de leitura obrigatória para quem quer saber mais sobre a data. A autora concorda que o seu livro incluiu “um levantamento inédito de como ocorreu a revolução do ponto de vista social”.

Raquel Varela recomenda ainda a observação dos “murais de Abril”, porque “as pessoas pintavam nas paredes as suas histórias e aquilo que desejavam”. O livro “Murais de Abril 1974″ apresenta a recolha de João Mário Mascarenhas dos vários murais espalhados pelo país com mensagens de reação ao Estado Novo.

Para Manuel Loff, “A Revolução Portuguesa e a Sua Influência na Transição Espanhola“, de Josep Sanchez Cervelló, é fundamental para entender os meandros das operações do 25 de Abril. “Cervelló é catalão, da Universidade de Tarragona e nos anos 80, com vinte e poucos anos, veio para Portugal fazer aquela que se tornou a primeira investigação sobre a preparação da revolução portuguesa”, explica o professor. Na opinião do historiador, o trabalho de Cervelló traduz-se numa “obra admirável” que conta com os pontos de vista de todos os protagonistas envolvidos, “quem fez e quem saiu derrotado”.

Manuel Loff chama ainda a atenção para a poesia de reação, “representativa do espírito dos portugueses que não se resignaram à ditadura” como “Praça da Canção“, de Manuel Alegre, do qual destaca a estrofe final do poema “Trova do Vento Que Passa”:

“Mesmo na noite mais triste 
em tempo de servidão 
há sempre alguém que resiste 
há sempre alguém que diz não.”

Artigo editado por Sara Beatriz Monteiro