Há amigos que o esperam, que o levam à cena e que o celebram pela palavra. Manuel António Pina foi – e continua a ser – poeta, jornalista, advogado, cronista e dramaturgo. O presente é o único tempo verbal que lhe assenta bem. O “Senhor Pina”, baseado num livro de Álvaro Magalhães, estreia esta quinta-feira, dia 10, no Teatro Carlos Alberto e quer pôr o público a “pensar de pernas para o ar”.

Pina, Maria João Reynaud e João Luiz formam um triângulo amoroso que persiste além da vida. Há 40 anos, os três vértices juntaram-se para criar a Companhia Pé de Vento e dedicaram-se a levar a palavra à cena. Em 2012, Manuel António Pina morreu, mas não há quem deixe que se esgote a memória da figura e os amigos evocam-no para celebrarem as quatro décadas da companhia que fundou.

“Impunha-se fazer uma homenagem, relembrarmos a figura que ele foi”, começa por dizer João Luiz. O encenador da peça que conta a relação entre o Senhor Pina e o ursinho de ficção de Joanica Puff esclarece, no entanto, que “celebrar a obra não é a mesma coisa que celebrar a pessoa”.

João Luiz admira as palavras que Pina deixou como legado, mas confessa que sente mais falta do ser humano do que do ser literário: “A gente da literatura não sente grande falta. O que nos faz falta é o amigo. O que nos faz falta é a pessoa, aquela com quem a gente conviveu.”

Trazer “O Senhor Pina” a cena é uma celebração, mas é também, em parte, uma espécie de despedida. Se, por um lado, João Luiz diz que vai tentar “pegar noutros textos dele [Manuel António Pina] e continuar enquanto durar, enquanto não se esgotarem”, por outro, admite que é necessário fechar um ciclo.

“Não vai haver mais textos de Pina, não vai haver mais nada de novo, nem se vai poder escrever mais nada de diferente sobre o Pina. Temos de, para nós próprios, fechar um ciclo.” Mas será que vai conseguir? “Vou ver se sou capaz”, responde.

Os atores como veículos da palavra

Jorge Mota veste a pele de Senhor Pina, mas não lhe veste os trejeitos. O mimetismo fica de parte para que a palavra seja protagonista.

“Não me preocupei nunca em saber como é que ele se comportava, que gestos é que fazia. Quero expor-me quer de corpo, quer de alma, quer de emoções: todo disponível para que as palavras do Pina e do Álvaro Magalhães habitem em mim, se coloquem”, sustenta o ator que se estreou na vida profissional com a peça “Homenagem aos pés” do mesmo escritor que hoje interpreta.

Também Patrícia Queiroz, que dá vida à personagem Joanica Puff, acredita que o universo interior da personagem é mais importante do que o universo exterior: “Se tivéssemos o ursinho Puff iríamos entrar numa dinâmica um bocadinho mais representativa da figura em si e o nosso objetivo não é esse. Eu, enquanto atriz, dou vida mais propriamente às palavras do que à figura.”

Pina escrevia “para todas as infâncias”

Escrever para crianças sem ser condescendente é uma tarefa que requer, na opinião de Patrícia Queiroz, um olhar leve e puro, uma característica que é transversal a Manuel António Pina (o homenageado), Álvaro Magalhães (o autor da obra “Senhor Pina”) e Maria João Reynaud (responsável por adaptar o livro ao teatro).

Para a atriz, alguém que tem este tipo de escrita tem-no “porque preserva em si a sua própria criança”. Jorge Mota concorda e acrescenta que não é necessário infantilizar as crianças para que elas percebam o texto: “Acho que os adultos se calhar acabam por fruir muito mais, pelo trocadilho todo que a peça tem, mas as crianças provavelmente também se divertem imenso sem serem tratadas como anormaizinhos ou menos capazes.”

Patrícia Queiroz sublinha que Pina escrevia “para todos, de todas as infâncias” e lembra que a principal mensagem da peça é a urgência de olharmos para as coisas com “naturalidade, espontaneidade, com o prazer da vida e de apreciar as coisas mais simples”.

A coprodução do Pé de Vento e do Teatro Nacional São João (TNSJ) está em cena esta quinta-feira, às 21h00, na sexta-feira, às 15h00 e às 21h00, no sábado, às 19h00, e no domingo, às 16h00. O espetáculo de 13 de maio conta com tradução em Língua Gestual Portuguesa. Os bilhetes custam dez euros.