Ao fim de 36 anos, o Campeonato do Mundo de Futebol voltou a disputar-se na América do Sul. Foi de 12 de junho a 13 de julho de 2014 que o Brasil acolheu no seu imenso território a tão desejada prova.

Joseph Blatter Foto: Wikipédia

A FIFA anunciou que o país ia acolher a 20ª Copa do Mundo sete anos antes. Em terra de “penta-campeões”, a festa foi rija, mas da folia ao desencanto passaram apenas alguns anos.

Milhares de pessoas saíram às ruas em 2013 para protestar contra o aumento do preço dos transportes, contra os biliões investidos nos estádios e infraestruturas que levaram a um aumento colossal da dívida em muitas das 12 cidades-sede e ainda contra a violação de direitos humanos.

Dilma Rousseff ainda era a “presidenta” e Michel Temer um ilustre desconhecido fora das fronteiras do país. Apesar da agitação social e política – que se intensificaria daí em diante – e da taxa de aprovação do torneio estar nos 48% a dois meses do arranque da prova, o Mundial do Brasil concretizou-se e ficou para a história como o mais caro de sempre.

No plano desportivo, a competição decorreu com normalidade. Portugal esteve lá, mas não muito tempo. A “canarinha” fez vibrar a torcida brasileira, mas saiu humilhada da competição. A todo-poderosa Alemanha, que na fase de grupos passou a ferro a seleção portuguesa, confirmou o seu favoritismo. Aqui fica um resumo do que foi o Mundial do Brasil em seis capítulos.

1) A entrada em falso de Portugal

Portugal deixou o Mundial do Brasil ainda na fase de grupos. A seleção nacional estreou-se da pior forma com uma derrota pesada frente à Alemanha por 4-0, construída desde cedo na partida. Thomas Müller foi responsável por três dos quatro golos alemães. A seleção de Paulo Bento terminava a primeira jornada sem Pepe (expulso aos 35 minutos) e sem Coentrão, que saiu lesionado acabando com a sua participação na prova.

Frente aos Estados Unidos, no segundo round do grupo, Portugal já só fazia contas e elas não ficaram facilitadas depois de um empate diante dos norte-americanos. Empate a dois golos conseguido ao cair do pano com um golo de Silvestre Varela.

Frente ao Gana, na terceira jornada, o apuramento ainda era uma possibilidade. O jogo esteve para não se realizar devido a um protesto dos jogadores africanos que reclamavam da sua federação o pagamento do prémio acordado pelo apuramento para o Mundial. Rezam as crónicas que os cerca de três milhões de dólares chegaram de avião ao Brasil e o jogo lá se disputou.

Para Portugal, o desfecho não foi o desejado. A seleção ganhou por 2-1, mas quando Cristiano Ronaldo marcou o tento da vitória lusa já as hipóteses de apuramento se tinham esfumado, porque os Estados Unidos perderam com a Alemanha mas não pelos números dos portugueses. A diferença de golos atirou a seleção nacional para fora de uma competição que ficou marcada por várias lesões e muito calor.

Do grupo G saiu, assim, a seleção que se viria a sagrar campeã. Faz ainda parte da história do grupo a marcação do quinto golo mais rápido da história dos Mundiais: Clint Dempsey, dos Estados Unidos, marcou diante do Gana aos 30 segundos de jogo.

Portugal não foi a única seleção a despedir-se precocemente da competição. Foi, aliás, bem mais surpreendente a queda da Espanha também na primeira fase da prova. Aquela que era à altura campeã da Europa (por duas edições consecutivas) e do Mundo, foi eliminada terminou na terceira posição do grupo B, algo que nunca tinha acontecido.

Tal como com Portugal, a entrada da equipa de Vicente Del Bosque foi muito negativa e marcou a competição dos espanhóis. Os bicampeões europeus perderam por 5-1 no jogo de abertura frente à Holanda e por 2-0 diante do Chile à segunda jornada.

No último encontro, a Espanha venceu por 3-0 a Austrália, mas acabou por ser a Holanda e o Chile a seguirem para os oitavos de final.

2) Uma Rica surpresa

A Costa Rica venceu o Uruguai por 1-3 na fase de grupos.

A Costa Rica venceu o Uruguai por 1-3 na fase de grupos. Foto: Wikipedia

A história de um Mundial faz-se de deceções e surpesas. A Costa Rica esteve claramente do lado das segundas. A equipa comandada por Jorge Luís Pinto fez história e provou estar à altura dos “pesos pesados” da competição. Na sua quarta participação em mundiais, chegou pela primeira vez aos quartos de final e deixou o Brasil sem qualquer derrota nos cinco jogos que disputou.

A seleção centro-americana apurou-se em primeiro lugar no grupo D com duas vitórias e um empate num conjunto composto por três campeões do mundo (Uruguai, Itália e Inglaterra): vitórias diante do Uruguai (3-1) e da Itália (1-0) e empate a zero frente à Inglaterra.

Nos oitavos de final, a “vítima” dos Ticos foi a Grécia de Fernando Santos que acabou expulso do jogo, no final do prolongamento. A ordem dada pelo árbitro da partida face aos protestos do atual selecionador português valeram a Fernando Santos um pesado castigo -oito jogos de suspensão – pela FIFA, pena mais tarde minimizada pelo Tribunal Arbitral do Desporto – para dois jogos.

Depois de um empate a um golo no tempo regulamentar, o prolongamento acabou sem alterações no marcador. O desempate fez-se nas grandes penalidades conseguindo a Costa Rica o apuramento inédito para os quartos.

Diante da Holanda, a Costa Rica voltou a dar conta da sua resistência ao segurar um empate sem golos até ao final do prolongamento, mas desta vez foi o adversário a sair-se melhor da marca do penálti.

O guarda-redes Keylor Navas e os avançados Bryan Ruiz – atualmente a jogar ao serviço do Sporting – e Joel Campbell – que também já passou, por empréstimo, pelo Sporting – foram os jogadores que mais se destacaram na seleção centro-americana.

3) Os “casos” Suarez e Neymar

A história de uma competição resume-se em resultados, mas faz-se também de momentos. Desses, destacamos um insólito e outro dramático.

O primeiro foi protagonizado pelo avançado uruguaio Luis Suárez. Depois de falhar o primeiro jogo do grupo D – o “grupo da morte” por incluir três campeões do Mundo – devido a lesão, Suarez alinhou na segunda jornada pela seleção celeste e estreou-se da melhor forma ao marcar dois golos à Inglaterra (2-1).

À terceira jornada, o Uruguai conseguiu mesmo o apuramento graças a um golo marcado aos 35 minutos pelo ombro de Diego Godin. O jogo foi tenso e terminou ainda mais quezilento depois de Suarez ter decidido dar uma inusitada mordidela no ombro de Chiellini enquanto a bola corria longe de ambos.

A FIFA puniu Luis Suárez com nove jogos de suspensão e quatro meses de exclusão das atividades futebolísticas ficando proibido quer de treinar quer de jogar. O avançado já não alinhou nos oitavos de final, fase em que a formação de Óscar Tabarez perdeu frente à Colômbia por 0-2.

Juan Zuñiga, internacional colombiano, também ficou na memória do Mundial por más razões. No caso, foi por ter lesionado o brasileiro Neymar no encontro dos quartos de final que o Brasil venceu por 2-1, mas no qual perdeu o seu jovem herói.

Zuñiga fraturou uma vértebra do avançado brasileiro, lesão que o impediu de jogar os dois últimos encontros da equipa anfitriã. Neymar, que abandonou o campo de maca e em lágrimas, era a grande esperança dos brasileiros e já tinha quatro golos marcados, todos eles na fase de grupos.

4) O Brasil humilhado em casa

                       

Dizer que o Brasil era o principal candidato à vitória deste Mundial é arriscado porque no futebol jogado há muito que a “canarinha” deixou de encher as medidas do mundo. O jogo coletivo dos brasileiros está longe de ser uma imagem de marca, o que não se pode dizer da qualidade individual, mas até essa já teve melhores dias.

Facto era que o Brasil chegou à Copa que organizou vindo de uma vitória na Taça das Confederações um ano antes e, mais do que tudo, jogava em casa, num país em que futebol e loucura são palavras muitas vezes associadas.

A fase de grupos até foi tranquila, apesar de um empate a zero com o México. Na fase a eliminar, as fragilidades do conjunto às ordens de Scolari tornaram-se mais evidentes. Diante do vertiginoso Chile, só nos penáltis a equipa conseguiu a qualificação.

Depois veio a Colômbia com James Rodriguez na batuta. Neste caso, os penáltis não foram precisos (vitória por 2-1), mas ficou a ideia de que os cafeteros tinham um futebol mais bonito para apresentar. O Brasil ganhou as meias-finais, mas perdeu Neymar.

Chegou a Alemanha. Uma máquina oleada na perfeição. Letal. Eficaz. Cruel, até. O queixo do Brasil caiu quando aos 30 minutos a equipa da casa perdia por 5-0. Na segunda parte, o Brasil ainda reagiu, mas de nada serviu para minimizar o estrago. A história estava feita e não ficou do lado do Brasil.

Luiz Felipe Scolari confessou no fim do jogo: “Pensando no futebol, esse foi o pior dia da minha vida”.

A derrota frente à Alemanha foi a maior sofrida por um anfitrião e acabou com o recorde do Brasil de 62 jogos imbatível em casa, recorde que detinha desde 1975.

Com esta vitória, a “mannschaft” tornou-se na seleção com mais golos na história dos mundiais com 223, com o Brasil logo a seguir com 221. Foi também o jogo em que Miroslav Klose chegou aos 16 golos tornando-se no melhor marcador na história dos Campeonatos do Mundo superando o brasileiro Ronaldo.

O Brasil saiu humilhado e não recuperou animicamente não tendo conseguido também garantir lugar no pódio depois de na discussão dos 3º e 4º lugares ter perdido, com mais uma derrota pesada, por 3-0, frente à Holanda.

5) O samba alemão e o tango de Messi

A final do Mundial de 2014 foi disputada num estádio mítico que já pouco tem do que lhe serviu de base. Foi no Maracanã, no Rio de Janeiro, que Alemanha e Argentina jogaram pelo título.

Num jogo muito disputado e equilibrado, a decisão passou para o prolongamento, o que aliás já acontece há três edições consecutivas. A Alemanha acabou por levar a melhor com um golo de de Mario Götze ao minuto 113, ele que saiu do banco para dar à Alemanha o quarto troféu em Mundiais, depois das conquistas de 1954, 1974 e 1990.

A Alemanha foi forte do início ao fim da competição, sendo unanimemente apontada como a melhor preparada para a vitória final. Uma equipa bem preparada fisica, tatica e animicamente. De um grande equilíbrio setorial e com um futebol fluido a que alguém chamou de “samba alemão”.

Do lado da Argentina, se a derrota teve um rosto ele foi de Lionel Messi. O pequeno gigante do futebol mundial continua a não conseguir títulos pela sua seleção. Ele que já ganhou por cinco ocasiões o título de melhor do mundo, ele que deve ter um apartamento só para os troféus que já conquistou ao serviço do Barcelona, continua a ver a prateleira da “alvi-celeste” vazia.

“Sempre tive o sonho de levantar aquela taça e perder essa final por pequenos detalhes foi muito duro”, declarou o jogador já este ano. A Rússia será, provavelmente, a sua última oportunidade.

6) A fechar, o onze ideal

O onze ideal do Mundial 2014 eleito pela FIFA tem cinco alemães, dois holandeses, dois brasileiros, um argentino e um colombiano. O conjunto é constituído pelo guarda-redes Neuer, pelos defesas Stefan de Vrij, Mats Hummels, Thiago Silva e Marcos Rojo, os médios Toni Kroos, Óscar e Philipp Lahm e os avançados James Rodríguez, Thomas Muller e Arjen Robben.

Apesar de Messi ter sido o melhor jogador do mundial ficou fora da lista, feita por um dos principais patrocinadores do Mundial, em parceria com a FIFA.

James Rodriguez foi o melhor marcador do campeonato do mundo com seis golos marcados à frente do alemão Thomas Muller e do brasileiro Neymar. Foi preciso apenas uma edição para entrar na história dos mundiais.

O jogador colombiano foi ainda autor do melhor golo do Mundial no jogo com o Uruguai. A decisão foi baseada nos votos de adeptos de futebol de todo o mundo no site da FIFA.

O alemão Manuel Neuer foi eleito melhor guarda-redes recebendo a “Luva de Ouro”. O guarda-redes alemão sofreu quatro golos durante a competição.

Paul Pogba foi eleito o melhor jogador jovem, o médio francês demonstrou grande presença física e técnica. O jogador do Manchester United sucedeu a Thomas Müller que conquistou o título no Mundial 2010 na África do Sul.

Outras curiosidades do Mundial do Brasil

  • Xherdan Shaqiri da Suiça e o alemão Thomas Müller foram os únicos jogadores a marcar um hat-trick;
  • Esta edição teve a maior média de espectadores da história superando o Mundial dos EUA em 1994: em 64 partidas, foram recebidos 3.429.873 adeptos;
  • Nas redes sociais, o Facebook bateu o recorde de maior número de participações dos usuários durante um evento desportivo (280 milhões de interações). No Twitter mais de 35 milhões de tweets durante a vitória da Alemanha frente ao Brasil nas meias finais, sendo a maior marca da história da aplicação;
  • O Mundial 2014 teve oito jogos decididos no prolongamento ou nos penáltis;