Começou em Atenas, “origem civilizacional da democracia cosmopolita europeia”, e terminou em Nicósia, no Chipre. Ao todo, passou por 28 capitais da União Europeia (UE) no espaço de 11 meses. Bernardo Pires de Lima, investigador do Instituto de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, quis avaliar o momento geopolítico que o continente europeu enfrenta. Isto num ano marcado por eleições que geraram grande expectativa, como as que decorreram na Holanda, em França e na Alemanha.

Estava em Paris no dia da vitória de Macron e considera esse o momento mais determinante do ano político, mas adverte: “uma eleição não faz a Primavera euroepia”. Um ano em que o Brexit, o arranque da presidência de Donald Trump, bem como a Rússia e a Turquia foram também atores de destaque.

A viagem que o analista de política internacional fez deu origem a “O Lado B da Europa – Viagem às 28 Capitais” editado pela Tinta da China em maio. O livro serviu de mote à entrevista que o autor concedeu ao JPN por email.

JPN: Começava por fazer-lhe uma pergunta mais aberta, para sumariar aquelas que foram, para si, as maiores descobertas desta grande viagem. Quais foram as principais conclusões que resultaram da sua passagem pelas 28 capitais europeias?
BPL: Fundamentalmente, três: os europeus não se conhecem; há demasiadas simplificações quando falamos das sub-regiões dentro da Europa; a UE não está preparada para enfrentar uma nova grande crise financeira, capaz de trazer consigo crises de outra natureza.

Diz que partiu para esta viagem “num ano crucial”. Visto de maio de 2018, qual foi para si o momento mais determinante de 2017 para a União Europeia? E porquê?
A eleição de Macron. Porque foi o dia-limite da União. Se Le Pen tivesse ganho, provavelmente não estaríamos já a falar da UE.

Este livro é sobre a União Europeia, mas são constantes as referências à Rússia e a Vladimir Putin (que já este ano venceu mais umas presidenciais). Em que plano a influência russa sobre a Europa é mais preponderante: no plano político, económico ou da defesa? Ou ainda, como também se percebe do livro, no plano da comunicação?
No plano energético, à cabeça. No plano da doutrina autoritária e soberanista, em seguida. Por fim, mas não menos relevante, no plano da contra-informação e da propaganda.

Por outro lado,  este olhar de desconfiança profunda sobre a Rússia é desejável?
Não será desejável. Mas não é possível confiar nas boas intenções do presidente Putin. Acredito que há uma Rússia para além dele.

Os EUA e Donald Trump também são referidos em diversos planos do livro. Além da participação em cimeiras multilateriais, o presidente dos EUA esteve na Europa, em visita oficial, apenas ao Vaticano, Itália, Bélgica e mais recentemente à Polónia. Que leitura política retira destas escolhas do chefe de Estado norte-americano?
Uma administração confortável com a falta de coesão europeia e com alinhamentos nacionalistas. Isto é novo na história recente da relação transatlântica.

Refere, a propósito do Brexit, que Donald Trump tem interesse em que ele suceda e acrescenta que “no fundo [o presidente norte-americano] quer incentivar a desintegração europeia”. Que benefício daí resultaria para os EUA?
Dividir para reinar. Partir um bloco económico forte como a UE, com regras agregadoras. Ao dividir, lida com cada Estado membro de forma bilateral tirando toda a vantagem do poder americano. A lógica da administração Trump é de vencedor/perdedor, não de win-win.

“Precisamos é de melhores políticos para defender o lado certo da História, caso contrário os que apregoam chavões simplistas e populistas vencerão.”

Rússia, EUA, China e Turquia. O estado da União não se pode fazer sem avaliar os interesses e as políticas destes países para a União Europeia? Isto será particularmente visível nos países do Báltico, de Leste e dos Balcãs?
Foi sempre assim. A Europa é um cruzamento de várias influências imperiais e pós-imperiais, algumas internas, outras externas. A UE tem sido uma solução de acomodação dos pós-impérios europeus, mas as grandes potências exteriores não deixam de pensar de forma clássica. A História continua a ter um peso brutal na política europeia e nas relações internacionais.

Apresentação no Porto

O livro vai ser apresentado no Porto no Palácio da Bolsa na sexta-feira (8) às 17h00. A apresentação fica a cargo de Artur Santos Silva, atual presidente do Conselho Geral da Universidade do Porto. Depois haverá um debate sobre “O Futuro da Europa” com a participação dos eurodeputados Paulo Rangel e Nuno Melo com a moderação do autor, Bernardo Pires de Lima.

Ainda sobre estes países, no livro menciona vários investimentos que os envolvem. Sobretudo na área da energia. No plano das Relações Internacionais, a política pesa mais do que a economia ou no fim do dia, como dizem os americanos, é business as usual?
Tudo conta. A política internacional é uma apanhado de várias dinâmicas que assumem mais ou menos preponderância para os Estados consoante o seu momento estratégico e a fase da ordem internacional em que vivem.

Quais são os grandes desafios políticos que a UE enfrenta no ano corrente?
Coesão interna. Reformas da Zona Euro. Democratização das decisões comunitárias. Fazer vingar uma agenda própria que seja vista como benigna para os cidadãos.

Diz a certa altura: “O que a Europa precisa é de mais Macrons, Renzis, Millibands (o David), Riveras e Klavers, não de Junkers, Corbyns, Berlusconis, Sarkozis, Hollandes e demais personagens que pertencem já aos museus de cera”. Percebe-se a diferença de estilos e de agendas. Mas a visão não reduz o problema a uma questão de pessoas? No mundo da globalização, uma pessoa, um líder, faz toda a diferença?
Continua a ter peso agregador. Continuamos a votar em pessoas que nos transmitem credibilidade, empatia, segurança e algum projecto. Nada disso vai mudar na política. Precisamos é de melhores políticos para defender o lado certo da História, caso contrário os que apregoam chavões simplistas e populistas vencerão.

Euroceticismo, xenofobia, identidade e nacionalismo. Por que ordem de importância colocaria estes fatores no quadro de desafios colocados à união da União Europeia?
Fazem todos parte de uma agenda corrosiva. Não se pode combater apenas um problema quando o menu é tão complexo. A agenda europeísta e cosmopolita precisa de fazer muito mais e melhor.

A partir de Paris escreve, a propósito da vitória de Macron: “A morte anunciada da França vanguardista foi manifestamente exagerada”. E a da Europa?
Está por demonstrar. Uma eleição, por mais determinante que tenha sido, não faz a Primavera europeia. Os problemas continuam.

Tem planos para voltar a repetir esta “aventura”?
Para já, não tenho nenhum plano para o próximo livro. Estou ainda a processar tudo o que acompanhei ao longo de 2017. E acho que ter publicado sete livros em 10 anos já justifica um descanso sem data de regresso.