A fita no cabelo, o sorriso declarado e o leve trautear de uma melodia quase impercetível abrem a conversa. Janeiro está numa esplanada do Porto a falar com o JPN sobre a melhor forma de ser feliz: a música. O artista acaba de lançar o primeiro álbum “Fragmentos”, meses depois de se tornar reconhecido pelo grande público ao participar no Festival da Canção com o tema “Sem Título”.

Durante cerca de vinte minutos falou-se, claro, sobre música, mas também sobre literatura, sonhos e o “advento da imagem”.

Para além de teres um álbum (Fragmentos) que conta pedaços da tua vida, já deste imensas entrevistas depois do Festival da Canção. O que é que ainda não se disse sobre ti? O que é que ainda não te perguntaram?

(risos) Nem te sei responder a essa questão, porque já me perguntaram tanta coisa! Especialmente sobre o meu trabalho e sobre a minha obra. Estão sempre a perguntar-me coisas. Então com o Festival foi uma loucura. Até já me perguntaram quanto é que eu calço.

E sentes-te confortável com a ideia de, para além de criares a tua música, teres que estar sempre a falar sobre a tua obra, sobre ti e sobre tudo o que anda à volta disso?

Concertos na zona do Porto

  • 29 de junho – 18h30 – FNAC Santa Catarina
  • 29 de junho – 18h30 – FNAC Mar Shopping
  • 1 de julho – 17h00 – FNAC Norte Shopping
  • 22 de julho – MEO Marés Vivas

Claro. É bom, porque é bom termos noção de que uma pessoa ocupa só uma percentagem ínfima da vida das pessoas. Se tu estás a dar uma entrevista e estás a passar uma mensagem, uma narrativa, há uma percentagem das pessoas que vai pegar nisso e dessa percentagem há algumas que vão ouvir.

Portanto, temos que estar sempre a repetir o que queremos dizer e a mensagem que queremos passar para sermos compreendidos. Mas sinto-me super tranquilo relativamente a isso e fico feliz que as pessoas queiram saber sobre o álbum.

As letras que escreves são tuas e são sobre ti, mas, por tocarem num tema transversal (o amor), há uma identificação muito forte com aquilo que escreves…

O poeta é um fingidor, não é? Isto não é com a pretensão de eu dizer que sou um poeta, mas sou claramente um escritor e, normalmente, o que acontece é que tu finges o que sentiste.

Vais tentar pegar no momento em que aquilo tudo aconteceu e é assim um rasgo de inspiração que dá e a letra foge-te, sai toda de rajada e tu consegues falar exatamente sobre aquilo que aconteceu.

Mas também me acontece uma coisa muito engraçada que é: escrevo um poema inteiro e depois vou buscar os pedaços de que gosto mais. Por exemplo, na “Sem Título” aconteceu isso. O poema era todo sobre o que é a canção, mas fui buscar exatamente o que queria.

Mas fazes a música como uma espécie de catarse, para fechar capítulos?

Completamente. Para fechar capítulos na minha vida, para decidir o que quero fazer a seguir e também para ser feliz. Uma das melhores formas de ser feliz é cantar, escreveres sobre a tua vida, falares sobre a tua vida e as pessoas receberem isso e deixarem-te viver por causa disso. Isso é ótimo, é uma forma de vida, é um sonho meu.

E agora sentes que tens mais pessoas a devolver-te essa energia por causa da visibilidade do Festival?

Sim, completamente. E o grau de responsabilidade mudou completamente desde o EP agora para este LP. Estava com um bocadinho de medo de o lançar. Medo não no sentido da reação das pessoas, mas porque sou muito exigente comigo próprio e isto foi tudo um processo muito lento… ao longo de dois anos com o Kid, que é o João Gomes, produtor e co-produtor.

Foi um processo muito demorado de esculpir cada letra, cada canção, de ganhar distanciamento das minhas canções, de perceber “se calhar esta parte que eu achava que era um refrão é só uma estrofe”.

Algumas dessas canções já são antigas, não é?

Algumas sim, é verdade. Há umas que são hiper recentes, por exemplo, a “Contas no Estrangeiro”, mas, por exemplo, a “Horas” tem anos e anos. Há malta que vai aos meus concertos há imenso tempo que já conhece a canção há imenso tempo. Mas é giro, porque o arranjo é novo. Então a malta acaba por receber também a música de uma forma nova.

E ainda te faz sentido olhar para os teus textos antigos, não ficas com vergonha de alguns?

(risos) Não, eu estou em paz comigo próprio. Aprendi a estar em paz comigo próprio. Havia uma altura da minha vida em que eu não sabia estar sozinho e a música também me ajudou muito. A música cria-te a necessidade de estares no presente, especialmente quando estás a tocar ao vivo. Quando estou a tocar ao vivo é dos poucos momentos da minha vida em que eu me sinto no tempo presente.

Especialmente com esta efemeridade toda que nós estamos a sentir por causa do advento da imagem e da globalização. As pessoas andam todas à pressa, a fazer tudo à pressa. Não se sabe bem porquê, mas andam todas a querer viver o futuro.

E o futuro para os outros verem…

E o futuro que os outros podem ver e que podem querer parecer para os outros. Ao fazer música é um bocadinho essa tentativa que eu faço, que é de viver o presente. Essa ideia de “don’t you worry”. Acho que é um bocado isso: não te preocupes tanto com o futuro, porque o futuro é incerto. O futuro é a morte.

Recuando um bocadinho, e imagino que já tenhas respondido muitas vezes a esta questão, podes contar-me como é que a música surgiu na tua vida?

A música surge de uma forma muito natural, porque os meus pais sempre ouviram muita música em casa e nós íamos sempre a ouvir imensos discos para o Algarve. Sabes aquelas road trips em que tu vais lá para baixo no verão e a malta põe discos no carro e, de repente, começas a associar canções a memórias e aquela canção já não é só aquela canção, mas é um momento ou é uma pessoa.

Depois disso tudo, eu lembro-me de o meu pai me sentar num sofá a ouvir música em frente a uma aparelhagem, aquela coisa de “agora vais ouvir este disco!”. Eu lembro-me disso e guardo isso para sempre. Nós tínhamos umas colunas ótimas e montes de vezes o meu pai punha-me ao colo dele a ouvir canções. Lembro-me de estar a ouvir Lou Reed (trauteia) Take a walk on the wild side.

Depois, de repente, aparece um violino lá por casa e eu digo que não quero tocar, aquela coisa parva de “sou rapaz, não vou tocar um violino” e o meu pai troca por uma guitarra. Só que eu não toco logo na guitarra, ela fica lá por casa, e passado umas semanas começo a dar-lhe uns toques e acontece tudo muito naturalmente.

Começo a perceber que estou a soar melhor e a escrever canções em inglês. Depois faço uma banda em Coimbra, mais tarde vou estudar para Lisboa [para a FCSH e para o Hot Clube] e quando saio de lá dá-se quase uma epifania na minha cabeça em que digo: O que é que eu estou a fazer? Eu tenho é que escrever em português. Eu tenho é que exprimir-me na minha língua, aquela coisa do significado e do significante.

Eu prego muito a verdade na minha música e na minha pessoa. Não fazia sentido estar a falsificar uma coisa que era o que acontecia quando eu estava a cantar em inglês.

E quais são as tuas influências musicais? Em que canções pensas quando recuas ao tempo em que começaste a fazer música?

De lá de fora, está sempre latente o John Mayer e, mais recentemente, o Frank Ocean. Cá em Portugal: o Variações nas letras – eu falo sempre disto, mas acho que vale sempre a pena – e o Rui Veloso nas canções: é genial.

Depois, em termos líricos, o [B] Fachada ajudou-me imenso a começar a escrever e português. Ajudou-me a perceber a língua, os trejeitos da língua e a não ter vergonha de dizer: eu amo-te. Se calhar eu perdi a vergonha de dizer “Eu amo-te” com o Fachada. Tenho que lhe dizer isso um dia. Ainda não o conheço, mas um dia quando o conhecer vou mesmo dizer-lhe isso.

Falas muito na importância da escrita. As tuas músicas são poemas. És, portanto, um poeta…

Sabes que se eu disser isso é um bocadinho pretensioso… (risos)

Porquê?

Porque eu nunca vi um escritor de canções como um poeta, sempre vi quase como um escultor.

Mas o Bob Dylan ganhou o Nobel da Literatura…

É verdade! Isso tem a ver com a abertura de mentalidade, obviamente.

Aliás, uma das músicas do teu álbum tem um excerto da “Tabacaria” de Álvaro de Campos. O que é que tu lês? A literatura tem influência no que escreves?

Tem, mas infelizmente tenho lido cada vez menos livros. É uma coisa que me entristece um bocado, mas com toda a produção musical, com todas as coisas que tenho para fazer, com a promoção do disco não me sobra tempo nenhum. Só me apetece chegar a casa e não fazer quase nada. E um livro exige imenso de ti, exige uma concentração enorme. Então, um gajo acaba por cair nas séries e nos documentários.

Nos livros, tenho algumas referências como o Oscar Wilde, adorei o livro dele que li “O Retrato de Dorian Gray”. Agora estou a ler “O Fio da Navalha” de Somerset Maugham, que um amigo me ofereceu. Há um livro que também me marcou imenso: o  “Siddhartha” do Hermann Hesse.

Depois, “O Principezinho”. Uma pessoa quase pode ter vergonha de dizer isto, mas eu não tenho. Eu lembro-me de o ler quando era pequenino e de o livro me dizer uma coisa, ou seja, ter uma perceção daquilo e depois ler novamente aos 18 anos ou aos 19 e o livro fazer todo o sentido, mas numa forma completamente diferente.

É um dos meus objetivos: voltar a ler mais. Acho que a imagem nos desfoca muito das palavras.

O teu disco tem sonoridades muito distintas. No meio do álbum aparece a música que levaste ao Festival da Canção, tem também experiências em estúdio, as trips… Esta mistura é uma tentativa de fugir à tendência de fechar os artistas em gavetas?

Completamente. E Portugal precisa muito disso. Eu acho que as pessoas precisam de uma motivação para ir ao concerto.

O meu álbum chama-se “Fragmentos”, porque não só conta pedaços da minha vida como também é altamente fragmentado ao nível de género musical.

Isso vai ao encontro do que estavas a dizer: sou eu à procura do Janeiro tanto num blues, como numa balada, como num beat eletrónico. A música é que é a linguagem.

É tentar encontrar-me dentro de vários géneros musicais. É pôr as pessoas a dizer “Olha, vamos ver Janeiro. Mas o que é que é? Pá, é Janeiro”.

E como é que olhas para a cena musical portuguesa? 

Com felicidade, neste momento. Estamos cada vez mais a ter nova música contemporânea portuguesa. Isso viu-se agora no Festival [da Canção]. Estou a senti-los muito mais exigentes, muito mais cuidados com tudo. Eu próprio tenho muito cuidado com a imagem e com a forma como vou passar uma narrativa, uma mensagem.

Vejo os artistas a fazer isso, a pegar em ideias incríveis para videoclipes e, depois, aquela ideia de que nós já não precisamos de plataformas tradicionais para abarcar o que nós fizemos. Temos o Youtube, o Facebook. Basta-nos fazer, produzir.

Eu olho para a nova geração de malta com uma felicidade enorme e com empatia e com esperança de fazer coisas com essas pessoas.

Com quem?

Adorava fazer alguma coisa com o JP Simões. Estou a fazer coisas com o Tiago Nacarato também, que é aqui do Norte. Adorava trabalhar com o B Fachada, com o Samuel Úria, com os Capitão Fausto… Podia estar aqui imenso tempo…