Antes da viragem de milénio, o Campeonato do Mundo regressou a França. A FIFA decidiu alargar o total de vagas de 24 para 32 seleções, pelo que o contingente de países da periferia futebolística teve uma representação mais alargada. Ainda assim, no topo do lote de favoritos continuava a residir o tetracampeão Brasil, mais que não seja por ter Ronaldo Nazário no pico de forma. Suplente não utilizado por Carlos Alberto Parreira em 1994, o jogador do Inter de Milão evoluiu ao ponto se tornar um dos avançados mais completos e temíveis da época.

O arranque frente à Escócia foi apertado (2-1), antes da seleção de Marrocos ter sido despachada com três golos sem resposta. No terceiro jogo, já com a passagem aos oitavos assegurada, os noruegueses Tore Andre Flo e Kjetil Rekdal provocam nos dez minutos finais a primeira derrota do “escrete” na fase de grupos desde 1966 (1-2).

Por sua vez, a França seguiu em velocidade de cruzeiro, derrotando África do Sul (3-0), Arábia Saudita (4-0) e Dinamarca (2-1). Mas nem só de boas notícias vive o selecionador Aimé Jacquet: a sua peça nuclear, Zinédine Zidane, levou dois jogos de suspensão por agredir o saudita Fuad Amin.

Privados do craque da Juventus, os gauleses começaram a sentir reais dificuldades na fase a eliminar: o golo de ouro de Blanc é a morte súbita do Paraguai; depois, são os italianos a cair pela terceira vez consecutiva no desempate dos onze metros. Mais pujante, o Brasil desfez-se do Chile por 4-1 com cortesia de César Sampaio e Ronaldo. De seguida, um bis de Rivaldo decidiu a contenda com a Dinamarca (3-2) e empurrou a canarinha para as meias-finais.

França e Brasil parecem candidatos óbvios a enquadrar a final de Saint-Denis, mas tinham pela frente duas equipas que conquistavam o coração dos adeptos neutros. Os “Bleus” serviram-se de dois golos raros do defesa Thuram para contornar o sonho croata, que até marca primeiro, por intermédio de Davor Šuker. Já os sul-americanos sofrem para levar de vencida a Holanda nas grandes penalidades. Ronaldo desfez o nulo, mas Kluivert prolongou a incerteza a três minutos dos noventa. Na marca dos onze metros, Cocu e Ronald de Boer tremeram e os brasileiros garantiram a sexta final da sua história. A Croácia guardava a medalha de bronze, com vitória por 2-1 sobre a “laranja mecânica”.

Com quatro golos na conta pessoal, todos os holofotes estavam em cima de Ronaldo. Era a primeira oportunidade que o “Fenómeno” usufruía para ser consagrado à escala planetária. Porém, o grande dia redundou num mistério do tamanho do globo. Sem que houvesse qualquer indício, o avançado não integrava as fichas de jogo distribuídas aos jornalistas uma hora antes do pontapé de saída. No seu lugar aparecia Edmundo, que somente havia disputado 18 minutos diante de Marrocos.

As primeiras notícias especularam sobre problemas num joelho. Só no final do encontro é que Lídio Toledo, médico da seleção brasileira, revelou que Ronaldo tinha sofrido convulsões e desmaios durante a noite anterior. Um súbito problema de saúde conduziu o avançado a uma bateria de exames neurológicos e cardíacos no hospital, antes de ter ordem clínica para regressar ao estágio e descansar. No entanto, poucas horas depois, o dono da camisola nove chegava ao Stade de France com muito aparato à mistura. Dizia-se apto para jogar e o selecionador Mário Zagallo fez-lhe a vontade. Foi aí que a esperança canarinha ficou aniquilada de vez.

Os primeiros minutos mostraram logo que algo de anormal se passava, tal era a atitude errante e apática de Ronaldo Nazário em campo. Em vez dos golos, o “Fenómeno” só pensava em marcar figura de corpo presente. De envenenamento a um escândalo amoroso fora da concentração da seleção brasileira na véspera da final, não faltaram teorias da conspiração para desvendar o enigma. Seja como for, só uma pessoa sabe exatamente o que aconteceu com Ronaldo nas horas anteriores ao jogo: ele mesmo.

Sem o seu melhor jogador na plenitude das suas capacidades, o Brasil inteiro ressentiu-se. Dois cantos de Emmanuel Petit ofereceram dois golos idênticos a Zidane. Nem a ausência de Laurent Blanc, expulso frente à Croácia, ou o vermelho visto por Marcel Desailly por entrada sobre Cafú semearam o pânico na defesa gaulesa, empurrada pelo seu público no seu estádio de eleição.

Petit confirmou o triunfo por 3-0, na primeira final de sempre entre o anfitrião e o detentor do título. A França entrava, pela primeira vez, no livro de ouro do Campeonato do Mundo. Depois de ter deixado de fora a estrela Cantona e a promessa Anelka, Aimé Jacquet pôs às provas as suas convicções e foi resistindo às constantes críticas. No fim, o inédito título mundial para os “Bleus” respondeu por ele.

“Almanaque Mundial” é um rubrica diária do JPN que mergulha em curiosidades da principal competição futebolística de seleções.

Artigo editado por Filipa Silva