O futebol regressou a casa em 1966. A Inglaterra, autoproclamada criadora do desporto-rei, desfrutava de uma ocasião única para premiar com o título mundial a geração talentosa dos dois Bobby’s, Charlton e Moore. Ao contrário das previsões, os “três leões” tiveram de suar bastante, até porque estavam no torneio três países com qualidade individual e coletiva para dar e vender: a Alemanha Ocidental capitaneada por Uwe Seeler; a União Soviética guardada pelas luvas de Lev Yashin; e os estreantes portugueses, rebocados pelo pontapé-canhão de Eusébio.

Precisamente, o grupo com mais motivos de interesse foi aquele onde residiam as quinas. Construídas à volta do Benfica que se sagrou bicampeão europeu no início dos anos sessenta, tinham Otto Glória a treinador e Manuel da Luz Afonso nas funções de selecionador. Estão também no grupo de Portugal o bicampeão mundial Brasil e uma Hungria em fase de renascimento. A Bulgária aparenta ser o elo mais fraco, mas consegue limitar fisicamente Pelé ao ponto de este ter de abandonar o relvado no jogo de abertura.

Na jornada seguinte, já sem o número dez, o “escrete” é destroçado pela Hungria (1-3) e sofre a primeira derrota no Campeonato do Mundo desde 1954. A situação piora quando o Brasil disputa o tudo ou nada com Portugal na última jornada da série C. A seleção das quinas havia começado a prova com duas vitórias confortáveis com a Hungria (3-1) e a Bulgária (3-0) e tornou a repetir a dose.

Pelé sofreu sozinho com a impiedosa marcação dos defesas portugueses e não resistiu, saindo em ombros após uma dupla entrada de Morais na mesma jogada. O Brasil ressente-se disso e Portugal aproveita. Simões e Eusébio fizeram subir o marcador aos 3-1, assegurando um pleno de vitórias na primeira fase. Ainda não era desta que a canarinha chegava ao tricampeonato e garantia a posse definitiva da Taça Jules Rimet. Isso só aconteceria quatro anos mais tarde, no Mundial do México.

As quinas encontraram depois a Coreia do Norte, que tinha enviado a Itália para casa. Para quem tinha vencido facilmente potências como Hungria e Brasil, tratar de norte-coreanos devia ser coisa simples. Pura ilusão. Aos 22 minutos, sem se perceber muito bem como, Portugal já perdia por três golos. Ninguém queria acreditar. Muito menos Eusébio, que vestiu a capa de herói para salvar a honra do convento. Em meia-hora, o melhor jogador da Europa de 1965 assina quatro tentos, antes de José Augusto confirmar, perto do fim, o 5-3 final. A arte de um só homem virava o resultado, fazendo crescer uma odisseia cujo ponto final não demorou a aparecer.

No papel, a meia-final entre Portugal e Inglaterra estava agendada para Liverpool. Ainda assim, foi comum ouvir-se durante a competição a ideia de protecionismo à seleção anfitriã. Fosse verdade ou não, os “três leões” beneficiaram de uma estranha decisão da FIFA que lhes permitiu jogar em Londres, de onde não saíram de princípio ao fim do torneio. Os portugueses, desgastados pelos esforços suplementares que derrotaram a Coreia, foram submetidos a uma viagem imprevista de comboio até à capital.

No relvado, Bobby Charlton sentenciou a decisão com dois golos. As quinas ainda tiveram uma réstia de esperança a oito minutos do fim, com Eusébio a converter um penálti por mão na bola de Jack Charlton. O avançado acabou o jogo de olhos na baliza inglesa, mas sem faturar outro remate que encaminhasse a partida para meia-hora extra. Mal soou o apito final, o guarda-redes Gordon Banks aproximou-se de Eusébio e dirigiu-lhe primeiro cumprimento, antes de festejar a presença na final do Mundial. O número treze português respondeu à chamada, saudando da mesma maneira Nobby Stiles, a sua carraça durante aquela tarde de Wembley. O tal palco onde, cinco anos antes de 1966, Eusébio ficara celebrizado como o “Pantera Negra”.

A Inglaterra seguiu para a final com a Alemanha Ocidental, conquistado o título com muita polémica à mistura. De resto, um espelho fiel de um torneio repleto de resoluções suspeitas e arbitragens aflitivas. Portugal contentava-se com a medalha de bronze, ao derrotar a União Soviética por 2-1. Foi a melhor versão de sempre da equipa nacional na fase final de um Mundial. Apelidaram-na de “Magriços”.

Já Eusébio encerrava a conta pessoal com chave de ouro: nove dos 41 golos que apontou em 64 internacionalizações aconteceram naquele Campeonato do Mundo. O avançado luso sagrou-se o melhor marcador da prova e protagonizou momentos de classe, daí ter abandonado Wembley lavado em lágrimas. O “King” eternizava-se com unanimidade à escala planetária. O mundo, esse, nunca mais o esqueceu.

“Almanaque Mundial” é um rubrica diária do JPN que mergulha em curiosidades da principal competição futebolística de seleções.

Artigo editado por Filipa Silva