O Executivo da Câmara Municipal do Porto decidiu, esta terça-feira, propor à Assembleia Municipal da cidade que comunique à Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL) a indisponibilidade da autarquia portuense para assumir o conjunto de competências previstas na Lei nº 50/2018 de 16 de agosto, a chamada Lei da Descentralização.

A proposta apresentada na reunião do Executivo foi aprovada pela maioria liderada por Rui Moreira e teve o apoio da vereadora da CDU, Ilda Figueiredo. Já os vereadores do PS e o do PSD votaram contra.

A decisão não surpreende. Além das posições críticas assumidas pelo presidente da Câmara do Porto nos últimos meses sobre a matéria – ele que defende a descentralização, mas rejeita os contornos da proposta atual – já tinha sido aprovada em julho uma moção que desvinculava a autarquia portuense de decisões tomadas pela Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) – interlocutor do Governo no processo.

“Não passamos cheques em branco”

A discussão gerada em torno da proposta aprovada esta manhã versou essencialmente sobre aspetos políticos e jurídicos da nova lei.

Sobre estes últimos, a Câmara do Porto entende (ver caixa) que se não quiser ficar com as competências que o Estado quer transferir já em 2019 tem até ao dia 15 de setembro para o comunicar à DGAL.

Lei-quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais
Artigo 4º | Ponto 2

a) Até 15 de setembro de 2018, as autarquias locais e entidades intermunicipais que não pretendam a transferência das competências no ano de 2019 comunicam esse facto à Direção-Geral das Autarquias Locais, após prévia deliberação dos seus órgãos deliberativos nesse sentido;

Os vereadores do PS e do PSD têm visão distinta, considerando que a Lei 50/2018 “está em estado de ineficácia jurídica”, como apontou o social-democrata Álvaro Almeida, até que sejam aprovados os diplomas setoriais – que vão definir, em cada setor (educação, saúde, cultura, etc. o que passa para a esfera dos municípios).

A argumentação segue aquela apresentada pelo Governo nas cartas que enviou, há uma semana, aos presidentes de câmara garantindo-lhes que “a adesão dos municípios às novas competências só se poderá efetivar após a publicação dos diplomas setoriais respetivos”.

Assim, dizia o Governo nessa missiva, a “opção pelo não exercício de competências em 2019 são extemporâneas e destituídas de qualquer valor jurídico”, qualificativos que foram também usados por Álvaro Almeida na sessão desta terça-feira.

A garantia do poder central é insuficiente na leitura de Rui Moreira e de Ilda Figueiredo (CDU) porque se a Lei é da Assembleia da República não pode ser o Governo a decidir a prorrogação do prazo previsto.

O edil do Porto garante não ter dúvidas sobre “as boas intenções do Governo”, mas diz que a câmara entende, com base num parecer jurídico que pediu, que “se não disser [à DGAL] até dia 15 que não quer a transferência de competências para o próximo ano, fica vinculada aos diplomas setoriais, quaisquer que eles sejam”. Para concluir adiante: “cheques em branco, não passamos”. “A Assembleia da República que altere a lei e aí nós voltamos a deliberar”, acrescentou ainda.

Álvaro Almeida criticou com veemência o facto da câmara estar a hipotecar a transferência de competências em 2019 antes que sejam conhecidos os diplomas setoriais. Rui Moreira reforçou: “Não se passam cheques em branco. Se tiver de ser só em 2020, será”.

Manuel Pizarro, pelo PS, concordou que é necessário “corrigir ineficiências e limitações do processo”, mas considerou não ser altura de “atirar a toalha ao chão”, e rematou classificando a decisão da maioria do Executivo como “política e não jurídica”.

Várias autarquias em todo o país já manifestaram a sua intenção de comunicar ao Governo a indisponibilidade para a transferência de competências no próximo ano. Évora e Alcácer do Sal (ambas lideradas por executivos da CDU) são casos mais recentes, mas já na semana passada o “Jornal de Notícias” informava que 12 das 17 câmaras da Área Metropolitana do Porto iam recusar a transferência de competências em 2019.

A Assembleia Municipal do Porto, a quem caberá ratificar a proposta aprovada e dar seguimento ao que ela preconiza, tem reunião extraordinária marcada para o dia 10 de setembro.

Outras decisões

Na reunião pública desta terça-feira foi ainda aprovado (com abstenção do PS) o regulamento do “Porto de Tradição”, que entretanto ganhou uma denominação alongada: “Regulamento de Reconhecimento e Proteção de Estabelecimentos e Entidades de Interesse Histórico e Cultural ou Social Local”.

O Executivo também aprovou o exercício do direito de preferência de dois imóveis: um prédio na Rua de Costa Cabral e outro na Rua Santo Ildefonso. Álvaro Almeida voltou a manifestar a sua discordância face ao exercício do direito de preferência pela autarquia – a exceção deu-se no caso do Bairro da Tapada – por considerar que a câmara devia operar no campo da oferta – construindo mais – do que no da procura – pressionando o mercado, na visão do vereador.

Rui Moreira discorda e foi neste ponto acompanhado por toda a oposição (com exceção do PSD). Diz que a câmara não “pretende fazer disto um negócio” mas classificou estas aquisições de “bom investimento” para a autarquia, conseguindo ao mesmo tempo evitar a deslocação de mais algumas pessoas para a periferia.

O arranque dos trabalhos ficou marcado por uma longa discussão em torno dos terrenos da escarpa da Arrábida onde está a ser construído um empreendimento com toda a oposição a pressionar o Executivo a dar mais explicações. Rui Moreira voltou a defender a legitimidade de todos os atos praticados desde o início do processo (que recua a 2001, era Nuno Cardoso presidente da autarquia) e argumentou que não se pode correr o risco de onerar a cidade em potenciais indemnizações por uma questão de “gosto”.

O autarca garantiu ainda que quer a questão da propriedade dos terrenos quer a questão do licenciamento e dos Pedidos de Informação Prévia (PIP) estão a ser analisados juridicamente ficando assumido o compromisso de voltar à questão numa próxima reunião do Executivo.