Perante uma sala cheia, Seiichiro Mise atira duas perguntas: “O que é a paz para ti? O que é, para ti, o mais importante na vida?” Para elas, o japonês de 83 anos, sobrevivente da bomba atómica de Nagasaki, diz que não há respostas erradas, mas deu as suas: “Paz é ter uma vida normal” e o mais importante na vida, é a vida em si.

Há muito que o japonês anda pelo mundo a sensibilizar o público para a necessidade de abolir as armas nucleares. Esta sexta-feira, fê-lo na Reitoria da Universidade do Porto, acompanhado por Nagiko Yokoyama, diretor do Nagasaki National Peace Memorial Hall for the Atomic Bomb Victims.

A 9 de agosto de 1945, com apenas com 10 anos, Seiichiro Mise viu uma bomba atómica detonar a pouco mais de 3,5 quilómetros de casa.

A primeira coisa que viu foi uma luz intensa, “como se mil fotógrafos estivessem a tirar fotos ao mesmo tempo”. Mise seguiu o que lhe tinham ensinado na escola e tapou os ouvidos, fechou os olhos e deitou-se de lado na cama.

Quando o barulho terminou, o agora octogenário ouviu a mãe gritar por alguém. Nenhum membro da família estava ferido.

Ele e uma colega decidiram ir visitar a escola onde andavam. Seiichiro Mise descreve o que encontrou como “um cenário do inferno”. Havia pessoas completamente carbonizadas, outras com queimaduras demasiado graves para se reconhecer o rosto. “Umas imploravam por água, outras pela morte”, disse. O tom sério intensifica-se quando tenta imitar as vozes das pessoas.

40 anos de geminação entre Porto e Nagasaki

Este ano, comemoram-se 40 anos da geminação das cidades do Porto e de Nagasaki. Nesse âmbito, foi inaugurada a exposição “Bomba Atómica – Hiroxima e Nagasaki“, patente ao público no átrio da Câmara Municipal do Porto até 30 de novembro. A exposição, organizada pelo museu Nagasaki National Peace Memorial Hall for the Atomic Bomb Victims, é composta por painéis fotográficos, relatos escritos de sobreviventes dos bombardeamentos atómicos,  e uma maqueta exemplificativa do que é uma bomba atómica.

O que antes era a escola de Mise tinha-se tornado um crematório. Lembra-se de ver pessoas a serem transportadas em tábuas de madeira, partes dos escombros em redor. O japonês confessa não conseguir esquecer o odor de pessoas anónimas a serem cremadas por outras pessoas anónimas. “A isso chama-se guerra”, afirmou.

E depois da bomba…

Pouco a pouco, tentavam voltar à vida normal. Na escola, os professores faziam a chamada. Para alguns nomes, o silêncio era a única resposta que se ouvia. Além de tristeza, Mise sentia raiva, porque não teve mais tempo para brincar com os seus amigos.

O orador descreve como foi viver após a bomba. Com terrenos destruídos, os bens essenciais eram poucos e a fome instalou-se. Os rapazes iam para o rio tentar apanhar peixes e pequenos camarões. As raparigas iam para a floresta colher frutos silvestres: “Era como se vivêssemos na pré-história”, contou.

Seiichiro recorda as palavras da avó sobre a guerra. “Fiquei contente quando ouvi que o Japão tinha sido derrotado”, admite. Para ele, significava que a guerra tinha acabado oficialmente. Após quatro anos a viver na incerteza, Seiichiro Mise sentiu paz pela primeira vez. Contudo, as consequências não terminam com a guerra. Os sobreviventes sofreram preconceito durante décadas. Ninguém queria casar com eles porque, naquela altura, pensava-se que a radioatividade era contagiosa.

Quase metade da família Mise teve cancro. Seiichiro refere que ainda hoje existem pessoas a sofrer consequências da guerra.

O alvo das palavras de Mise é sensibilizar todos os que o ouvem para a abolição das armas nucleares. Segundo Nagiko Yokoyam, atualmente existem cerca de 15 mil armas nucleares ativas em todo o mundo. Seiichiro Mise alerta para a urgência de se espalhar testemunhos reais das consequências de uma guerra nuclear.

Na hora das perguntas o tempo foi escasso para responder a todas. No final, a audiência aplaudiu de pé.

Artigo editado por Filipa Silva