Democracia, verdade, intuição ou estupidez. São variadíssimos os temas já discutidos nestes encontros informais decorridos em lugares públicos onde todos têm a oportunidade de expressar uma opinião. Chamam-lhe Cafés Filosóficos e há dez anos que decorrem no Porto.

As sessões mensais começaram no antigo Clube Literário do Porto, entretanto extinto. Em 2012, foi fundado o Clube Filosófico do Porto, sob a alçada do qual se passaram a organizar os cafés. Tomás Magalhães Carneiro está na origem de ambos – Cafés e Clube – e recorda, com orgulho, que há pessoas que se mantêm fiéis ao evento desde as primeiras edições. Já se realizaram mais de 370.

Tiago Sousa e Rui André também fazem parte da equipa e alternam os três na moderação do evento. O Duas de Letra e Yoga Sobre o Porto são os pontos de encontro habituais embora já tenha havido sessões no Planetário do Porto, com temas mais ligadas à ciência, e no Flaneur, com abordagens mais específicas, como “O sentido da vida”, por exemplo. Com o objetivo de fazer chegar a filosofia a todos, a entrada é livre e aberta a todas as idades. Esta quarta-feira, dia 28, há uma sessão comemorativa marcada para as 21h30 no Yoga Sobre o Porto.

Como funciona

Tomás Carneiro apresenta uma visão mais socrática que platónica da filosofia, isto é, mais adepta do diálogo e da partilha como caminho de melhoramento do ser humano. A visão está na base da essência dos Cafés Filosóficos. O palco de discussão pertence por inteiro aos participantes. Estes proporcionam o debate e contribuem com as suas próprias ideias, num confronto que visa promover o pensamento crítico.

Os Cafés Filosóficos distinguem-se de iniciativas do género, como tertúlias ou debates, pelo papel ativo dos participantes, a posição do moderador e a abertura à mudança de opinião. O moderador costuma não só gerir o tempo da palavra do participante, mas também clarificar o discurso, evitando equívocos ou ambiguidades. Segundo o dinamizador dos cafés, a gestão do debate “pode implicar interromper, mas sempre com o objetivo de tornar percetível para todos [a opinião manifestada]. Regra geral, se eu como moderador não entendo, o resto do grupo também não”, explica ao JPN.

O moderador nunca toma uma posição crítica perante a perspetiva do participante, esse é trabalho do grupo. Outra das funções que assume é não deixar que a discussão saia do âmbito filosófico e entre no campo meramente opinativo.

Relação com a Filosofia

O professor de Filosofia de 41 anos confessa que, às vezes, é difícil lidar com os egos e com “as expectativas que [alguns participantes] têm de que vão convencer as outras pessoas que aquilo que eles acham está certo e que os outros têm de estar totalmente convencidos disso”.

Segundo Tomás Carneiro, a Filosofia é uma ótima forma de desenvolver a atenção ao que nos rodeia e estar mais disposto a aprender com o outro. “Não é fácil participar nestas iniciativas e procurar encontrarmo-nos, tendo em conta a velocidade em que vivemos, mas é um ideal que devemos tentar seguir”, declara.

O dinamizador deste projeto refere que a importância da Filosofia está nesse tal encontro pessoal que é cada vez mais difícil. Hoje, as pessoas comunicam mais do que antes. No entanto, ao invés de falarem cara a cara, utilizam outros meios. “A Filosofia que implemento hoje em dia, e até mesmo no Clube Filosófico do Porto, é a de levar as pessoas a sair do conforto de sua casa e da proteção do seu ecrã e terem de lidar com outras pessoas”, observa ao JPN.

A Filosofia vem quebrar alguns códigos sociais que existem para não haver confronto. Nestes eventos procura-se retirar essas etiquetas e fomentar a crítica da forma mais rigorosa, crua e honesta possível.

E as crianças?

A Filosofia não tem de ser um assunto para adultos. Atualmente, o currículo escolar inclui a disciplina de Filosofia nos 10º e 11º anos, mas para Tomás Carneiro o ensino devia começar mais cedo.

Isto ajudaria a desenvolver nos mais novos capacidades como saber ouvir os outros, ter coragem para afirmar as nossas opiniões, saber argumentar, ter o mínimo de coerência lógica no discurso, entre outras competências.

De um modo geral, o professor de Filosofia, licenciado pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, considera a Filosofia como a arma ideal para que os jovens se tornem cidadãos críticos e questionadores dos valores que lhes são incutidos.

“É importante para os jovens construírem o seu próprio caminho. O desinteresse pela escola, e pela Filosofia até, justifica-se pela prática de imposição. É pela Filosofia vir de cima e não de baixo”, explica Tomás Carneiro queixando-se da abordagem dogmática que domina o ensino em muitas escolas.

Trabalhar com crianças e adultos é diferente e exige estratégias distintas. Se com os mais velhos, o grande o obstáculo é o ego, já os mais jovens não apresentam essa presunção, porque se moldam com muita facilidade àquilo que lhes é pedido. “Se tiverem um professor à sua frente que é capaz de os fazer participar nesta grande discussão de ideias e fazer com que formem entre eles uma comunidade, não de oponentes, mas de pessoas que colaboram num mesmo diálogo, de alguma forma eles vão ajudar-se uns aos outros a tentar melhorar a forma como pensam”, diz Tomás Magalhães Carneiro.

“Trabalhar com crianças é sem dúvida uma experiência enriquecedora”, admite o dinamizador destes projetos. Enquanto professor, este diz ter aprendido a não forçar a Filosofia. Não se devem criar ideias preconcebidas do que se quer que as crianças descubram ou concluam sobre um tema. O que Tomás constata é que se deve deixar que os mais pequenos conduzam o tema como quiserem, mas sem saírem do campo filosófico. Estas crianças mostraram-lhe que a Filosofia pode estar debaixo de uma pedra e que é realmente gratificante prestar mais atenção ao caminho e perceber que há mais problemas filosóficos para debater antes de chegar ao ponto da discussão.

Cativar as crianças para a Filosofia não é tarefa fácil. Para isto, o professor aposta maioritariamente em jogos e movimentos. À medida que se joga, a parte lúdica vai dando lugar ao diálogo. Tomás também utiliza histórias, porque sabe que ajudam no envolvimento com o enredo e com as personagens. O truque é sair um pouco da história para entrar na universalidade inerente à Filosofia. Avaliar, mediante o dilema que a personagem na história enfrenta, se tem mais valor o risco ou a segurança, por exemplo.

Esclarecer as dúvidas dos pais já faz parte da sua profissão. O conselho que o professor dá é trazer para os momentos familiares algumas atitudes filosóficas e permitir que as crianças façam mais perguntas e que percebam que nem todas têm resposta. Tomás sabe que “há perguntas que simplesmente não sabemos responder e nessas ocasiões podemos ficar a marinar a resposta à espera que a encontremos”.

Artigo editado por Filipa Silva