“O jornalismo não está fortalecido neste momento. Não estamos, de todo, aí”. As palavras são de Sofia Branco, presidente do Sindicato dos Jornalistas, uma das participantes no debate alargado sobre as ameaças ao ciberjornalismo – a jornalista preferiu de falar de “ameaças ao jornalismo”, sem distinção de meios – que decorreu na quinta-feira na Faculdade de Letras da Universidade do Porto no âmbito do Congresso Internacional de Ciberjornalismo.

Para Miguel Soares, editor e coordenador das redes sociais da Antena 1, “a maior ameaça é a procura constante pelo público”. “Sempre foi uma preocupação do jornalista servir o seu público. Com as redes sociais, essa preocupação tornou-se obsessiva e isso pode tornar-se contraproducente”, completou.

Sofia Branco é a presidente do Sindicato dos Jornalistas.

Sofia Branco é a presidente do Sindicato dos Jornalistas. Foto: Ana Isabel Reis

Pedro Miguel Santos, diretor do Fumaça, considera que “a maior ameaça é a falta de tempo, que tem consequências na forma como pensamos, trabalhamos e fazemos a verificação dos factos”. “Ter tempo”, sublinha o jornalista, é uma das premissas fundamentais à concretização do trabalho jornalístico.

Já Sérgio Sousa, diretor do V Digital, destaca a influência das métricas: “pela primeira vez, o jornalismo segue ao segundo quem está a ver o quê e durante quanto tempo”. Tais ferramentas podem, no entanto, traduzir-se numa perda de “foco” sobre o que importa ou não fazer.

Por sua vez, Sofia Branco ressalva “a situação de precariedade” em que se encontra um terço dos jornalistas, que não possuem qualquer vínculo profissional, e que somam trabalhos, muitas vezes fora da atividade jornalística, para subsistir. “O dinheiro não desculpa tudo, mas é uma das justificações”, remata.

Quem salva o negócio?

Pedro Miguel Santos é o diretor do Fumaça.

Pedro Miguel Santos é o diretor do Fumaça. Foto: Ana Isabel Reis

O setor continua a debater-se com a necessidade de se financiar, de encontrar alternativas ao modelo de negócio dito tradicional, que a era da informação digital veio alterar por completo. Sobre o assunto, Pedro Miguel Santos tem uma certeza: “Ninguém faz bom jornalismo se pensar constantemente na sua sobrevivência”.

E deu o exemplo que conhece melhor, o do projeto editorial que dirige: “O modelo de negócio do Fumaça é não ter negócio. A nós não nos interessa o lucro. Isto quer dizer que a nossa única preocupação é ter os recursos suficientes para fazer jornalismo, pagar salários e ter contratos”, afirmou.

Pedro Miguel Santos reconhece, ainda assim, que “entre direitos, rendas, segurança social e contabilidade”, fazer jornalismo é “muito caro”. No caso do Fumaça, o financiamento faz-se, para já, com o dinheiro de fundações, como a Open Society Foundations, e com donativos individuais. Pedro Miguel Santos está otimista em relação ao apoio vindo do público: “Os leitores vão contribuir porque acreditam em nós”.

Pelo meio deixou um alerta para a necessidade de reformular as prioridades na comunicação social portuguesa: “Todos os meios de comunicação deste país andam atrás do Presidente da República. É dinheiro que poderia estar a ser utilizado para fazem uma grande reportagem”.

Para Sofia Branco, no capítulo do financiamento há uma discussão por fazer relacionada com o papel que o Estado deve assumir no setor: “Todos nós somos responsáveis pelo jornalismo que temos e que queremos ter”, apontou. 

Depressa e bem, há pouco quem

Sérgio Sousa dirige o V Digital

Sérgio Sousa dirige o V Digital Foto: Ana Isabel Reis

As perguntas do público deram início à última ronda do debate. A propósito do lançamento em Portugal de um novo projeto editorial exclusivamente dedicado ao “fact-checking“, o Polígrafo, os participantes no debate sublinharam que a verificação dos factos é, antes de mais, condição inerente ao exercício da profissão em todos os meios de comunicação social.

Sofia Branco mostrou-se, contudo, alarmada com a perda desse “momento de escrutínio” nas redações, fruto da pressão do tempo. “Se pudesse haver uma espécie de backup nas redações de duas ou três pessoas que pudessem ver aquilo que sai e verificar se é realmente dessa forma, era importante”, notou.

Miguel Soares, da Antena 1, frisou, por sua parte, que a credibilidade é fundamental no jornalismo, ela tem de ser defendida e é ela que, em última análise, distingue “o jornalista do cidadão”.

Quando confrontada com o termo “jornalista-cidadão”, Sofia Branco afirma de forma categórica que se trata de uma expressão equívoca: “Não existe jornalismo cidadão”. “O jornalista escreve tendo em conta um código deontológico, com regras a seguir”, concluiu.

Fake news e pirómanos

Miguel Soares coordena as redes sociais da Antena 1

Miguel Soares coordena as redes sociais da Antena 1 Foto: Ana Isabel Reis

Sempre houve notícias falsas. A diferença está na sua aplicação”. Miguel Soares menciona a rapidez com que uma publicação, “inadvertida ou intencional”, adquire alcance mundial. Para Sofia Branco, “sempre houve e vai haver pirómanos, e sempre houve e vai haver quem se quer queimar”, apontando a responsabilidade de todos na destrinça entre a notícia e o boato.

Embora se assuma como um fenómeno prejudicial ao ciberjornalismo, as fake news podem ter um efeito positivo: o de fortalecimento da prática jornalística. Deste modo, constituir-se como “uma oportunidade para o jornalismo se afirmar”, avança Miguel Soares.

Pedro Miguel Santos sublinhou a importância da “transparência”. “É preciso que quem que nos lê ou ouve saiba de onde partimos e qual é o nosso verdadeiro carácter. Temos de deixar de ir atrás de coisas vazias”, rematou.

A bolha

Para Sofia Branco, há coisas que precisam de mudar. “Acho que os jornalistas continuam a viver numa bolha, mais próximo das elites do que dos mundo dos cidadãos”, afirmou. Segundo a presidente do Sindicato dos Jornalistas, a classe “precisa de descer do pedestal” e “estar do lado dos mais vulneráveis”. E conclui: “Não há jornalismo neutro, pois o jornalismo não cumpre essa ideia. Mas isso não quer dizer que andemos aqui a defender os nossos próprios interesses, mas a defender o interesse público”.

O debate terminou com uma afirmação otimista de Pedro Miguel Santos a exaltar o jornalismo de qualidade: “Nunca houve tanto jornalismo de qualidade. Nunca houve tanta gente a ser formada. O bom jornalismo existe”, concluiu.

O Congresso Internacional de Ciberjornalismo decorre na quinta e sexta-feira na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Outro dos pontos altos do programa foi a entrega dos Prémios de Ciberjornalismo, que distinguiram trabalhos em oito categorias.

Artigo editado por Filipa Silva