Couples that play together, stay together“. Esse é o lema dos criadores do A Jogar é que a Gente se Entende, um café pioneiro no Norte de Portugal dedicado aos jogos de tabuleiro e de portas abertas desde outubro deste ano em pleno centro histórico de Vila do Conde, na Rua de Joaquim Maria de Melo.

Manuel Silva, de 32 anos, e Dina Silva, de 34, regressaram a Portugal em março deste ano, vindos de Inglaterra, onde o casal esteve emigrado oito anos, com a vontade de constituir família, mas não só.

Juntando o descontentamento de Manuel com o emprego que tinha, à paixão do casal pelos jogos de tabuleiro, decidiram abrir um espaço dedicado inteiramente a este tipo de divertimento. Assim, nasceu o A Jogar é que a Gente se Entende, um café que reúne pessoas em volta de uma mesa, todos os dias (exceto à terça-feira), que partilham da mesma paixão que os criadores.

Interior do café. Foto: Inês Saraiva

A ideia de criar um café temático, voltado para os jogos de tabuleiro, surgiu ainda em Inglaterra. “Nós, antes de termos a ideia de termos um café, ainda em Londres, tínhamos a nossa página no Facebook onde divulgávamos uns mini eventos (…), que eram com amigos de amigos de amigos; primeiro, em nossa casa, e, depois, fizemos três ou quatro encontros num café português. Depois surgiu a oportunidade de fazermos esses eventos numa associação, mas a nossa ideia sempre foi criar, aumentar a nossa rede de conhecimentos e divulgar o hobby“, afirma Manuel Silva.

Em Portugal, os cafés dos jogos de tabuleiro não são muito comuns, mas de acordo com Manuel Silva “em Inglaterra e noutros países da Europa e do Mundo, estes cafés já são uma coisa muito normal, onde as famílias e amigos se encontram para jogar jogos”.

A escassez da oferta de espaços desta natureza, associa-a o casal à forma como se olham estes jogos: “as pessoas olham para o jogo como se fosse somente para crianças ou, então, quando se joga, joga-se a dinheiro”. Esta associação entre jogo e dinheiro não vai ao encontro da ideia que Dina defende, uma vez que, enquanto terapeuta ocupacional, jogava com crianças com deficiência e reitera que “usava os jogos como forma de estimulação cognitiva, sensorial e social”. Para Dina, os jogos trazem muitos benefícios, não só para as crianças, mas também para os adultos.

Infografia: Inês Saraiva e Ana Rita Graça

Como jogar e o que jogar?

O espaço tem cerca de 860 jogos de tabuleiro, que se encontram na “gruta dos jogos”. A maioria pertence à coleção que Manuel Silva foi acumulando desde a infância. Desde criança que tem esta paixão e já na altura tinha um espaço, em sua casa, dedicado a jogos de tabuleiro.

Neste espaço, os jogos estão catalogados através de uma escala de cores: verde, amarelo, vermelho e azul, de acordo com o nível de dificuldade e o número de jogadores exigido.

Os jogos assinalados a verde são os mais acessíveis e fáceis; os amarelos exigem algum conhecimento prévio; os vermelhos são os mais difíceis. Ao contrário dos outros, estes não são ensinados devido ao nível de complexidade e ao tempo de explicação que exigem. Por último, os jogos marcados a azul são adequados para dois jogadores.

A “gruta dos jogos” Foto: Mara Tribuna

O casal tem sempre o cuidado de acompanhar os clientes, explicando-lhes as regras dos jogos e dando sugestões, tendo em conta as preferências de quem joga.

“O Yavalath é capaz de ser o jogo que mais colocamos na mesa, pois é muito simples de explicar e as pessoas normalmente ficam rapidamente cativadas”, conta Manuel Silva ao JPN.

Os jogos mais requisitados são, contudo, outros, mais populares: o Cluedo, o Risco, Quem é Quem e Pictionary, para dar alguns exemplos.

Para jogar, é necessário o pagamento de uma taxa de 2 euros por pessoa, “que inclui jogar os jogos que quiser, no tempo que quiser, desde que consuma. Se não consumir, o tempo é limitado, passa a ser de 3 horas e, a partir daí, paga 1 euro por hora.” O valor cobrado é aplicado, segundo os proprietários, na conservação, requisição e aquisição dos jogos.

Cativar públicos variados

Apesar de a base do café serem os jogos de tabuleiro, os proprietários sublinham que o projeto visa a criação de “um espaço cultural, com diferentes atividades”. “Nós queríamos, não só criar um ambiente, um espaço onde as pessoas possam vir jogar, como podem vir aqui, pegar num livro e ler, como podem vir só jantar, tomar um café, comer uma fatia de bolo, estarem em família”, salientou Dina Silva.

Assim, no A Jogar é que a Gente se Entende também decorrem atividades, de que são exemplo “As Quintas da Ana, uma cozinha aberta organizada duas quintas-feiras por mês, e “As Horas do Conto”, destinadas aos mais novos, durante as quais “a dona Laurinda, que conta muito bem histórias, está ali com a criançada toda no chão num tapete e almofadas”, explica Manuel Silva ao JPN.

A lista de eventos é mais extensa e serve para “chegar a públicos cada vez mais variados, para lhes conseguir mostrar que jogar é para todas as idades”.

O espaço tem uma particularidade: não tem wi-fi nem televisão, o que os donos do café consideram imprescindível, tendo em conta o conceito do espaço. A ideia é “quebrar a forte adesão à tecnologia, porque os jogos de tabuleiro não são compatíveis com a internet ou a televisão”, afirma Dina Silva. Manuel, apesar de considerar que existem alguns jogos, hoje em dia, que “precisam de uma app, nem que seja para contabilizar o tempo”, destaca que, apesar disso, “a app não é o centro do jogo. O jogo é normalmente cartas, dados, peças, madeira, plástico, um tabuleiro de cartão.”

O casal expõe que o principal objetivo é o de as pessoas virem a um espaço, onde interagem e debatem ideias umas com as outras e no que depender deles “não faz sentido ter internet ou televisão aqui, porque vai contra tudo aquilo que estamos a lutar e a tentar construir aqui”. Dina acrescenta ainda que “é importante que (as famílias) vivam para lá do que é estar colado a um ecrã”.

Nos planos está a inclusão de uma pequena loja de jogos de tabuleiro, para que as pessoas interessadas possam adquirir alguns jogos. Vai existir também uma loja de “usados”. O objetivo é reciclar e reutilizar jogos que estão parados, porque, afinal, “os jogos são é para ser jogados”.

Um nome bem português

No que diz respeito à escolha do nome para o café, Manuel e Dina Silva partilhavam uma ideia: o nome do café tinha que ser em português. Dina afirma que “essa escolha estava bem assente, porque já existem muitas associações com nomes ingleses, nomeadamente em Portugal”, como por exemplo, o Grupo Boardgamers do Porto, que organiza a InvictaCon.

Além disso, é convicção de Manuel e Dina, por experiência própria, que “os casais que jogam jogos juntos, ficam juntos. O A Jogar é a que Gente se Entende é verdade, a jogar é que nós nos entendemos”, remata o proprietário.

Até ao momento, o balanço feito pelo casal está a ser positivo. “Temos tido clientes todos os dias, coisa que achávamos que ia demorar a acontecer, isso é uma grande vitória”, refere ainda ao JPN. O casal confessa ainda que o negócio está longe de ser algo estável e viável, pois “os portugueses ainda vão demorar um bocadinho a habituarem-se a esta cultura dos jogos”.

Este café, em terra de pescadores, mostra um casal que rema para o mesmo lado e que partilha uma paixão, agora transformada num espaço físico.

Artigo editado por Filipa Silva