O Coliseu do Porto está prestes a celebrar 77 anos e o JPN entrevistou Eduardo Paz Barroso, que desde 2014 preside à instituição. O responsável passa em revista o trabalho ali realizado nos últimos quatro anos e o que urge fazer no futuro. A reabilitação é imperativa nesta “jóia da arquitetura portuguesa” .

Com capacidade para acolher quatro mil pessoas em pé, o Coliseu do Porto é a maior sala de espetáculos da Invicta. “Enquanto 800 ou 900 pessoas enchem uma casa, para o Coliseu é apenas um ponto de partida”, diz ao JPN Eduardo Paz Barroso, presidente da instituição que vai completar 77 anos a 19 de dezembro próximo.

Se tomarmos de base o Jardim Passos Manuel, precursor do Coliseu, podemos falar de mais de um século de história a dar palco às mais diversas manifestações de dança e música na cidade do Porto.

Em 2014, Eduardo Paz Barroso assumiu a presidência da Associação Amigos do Coliseu do Porto e abraçou uma “nova lógica” para um espaço que estava à altura “de certa forma abandonado e esquecido”. O Coliseu, referiu em entrevista ao JPN, “reposicionou-se, do ponto de vista da linguagem que fala – enquanto teatro, sala de espetáculos, enquanto património -, relativamente à contemporaneidade da cidade, que do ponto de vista da cultura, também conheceu uma revolução, mais ou menos por esta época”.

O Coliseu impõe-se no topo da Rua de Passos Manuel

O Coliseu impõe-se no topo da Rua de Passos Manuel Foto: João Octávio/Coliseu do Porto Ageas

Além do reposicionamento da marca, e de grandes desafios ao nível financeiro, o responsável considera que há época constituía também um desafio o afastamento que então se sentia entre o espaço e a sua envolvente: “a cidade e o público estavam totalmente divorciados do Coliseu”.

“A casa estava desarrumada a todos os níveis”, queixa-se. “Do ponto de vista físico, dos espaços, do ponto de vista das lógicas, era um teatro ao qual faltava a alma dos palcos”, acrescenta Eduardo Paz Barroso.

Circo sem feras e o regresso da ópera

Na lista de desafios à chegada, encontrava-se também o circo, “um elemento-chave do imaginário da cidade, (…) uma tradição de há mais de 75 anos” que precisava de ser dinamizado. Em 2015, o circo passou a ser programado pelo Coliseu e foi tomada a decisão inédita no país, num circo desta dimensão, de abolir os animais circenses. Foi uma decisão “não oportunista”, mas “tomada com naturalidade e espontaneidade, que acabou por ser recebida com enorme simpatia junto do público”, garante Eduardo Paz Barroso. Cerca de 100 mil pessoas passam todos os anos pelo circo do Coliseu.

O circo é um dos eventos mais populares do Coliseu.

O circo é um dos eventos mais populares do Coliseu. Foto: António Pedrosa

Em 2017, o Coliseu voltou a receber ópera, espetáculo que não pisava os seus palcos há muito. Um objetivo cumprido com Turandot, numa parceria com o Teatro Nacional de São Carlos. Na opinião de Eduardo Paz Barroso, dado o caráter “muito complexo e dispendioso, no caso português e portuense” da ópera, “o que faz sentido é valorizar e privilegiar uma relação com um parceiro nacional de excelência o Teatro Nacional de São Carlos”, afirma.

Ao mesmo tempo, Eduardo Paz Barroso sublinha a vantagem de descentralizar a ópera, ou dito de outro modo, arranjar forma de as “verbas que são verbas públicas do Orçamento de Estado não serem aplicadas exclusivamente nos públicos de Lisboa”. Nem todas as cidades possuem capacidade para receber uma produção da envergadura de uma ópera, mas “no Porto é, sem dúvida, uma prioridade”. Segundo o presidente existem já duas iniciativas planeadas para 2019, uma delas a versão encenada do terceiro ato de Parsifal, com o coro nacional do São Carlos.

Parcerias como esta são vitais para o Coliseu, pois “no Porto e em Portugal há lugar para todos”, afirma Eduardo Paz Barroso, “e um trabalho em rede e de complementaridade” é muito interessante.

Neste capítulo, destaca-se também o Festival DDD (Dias da Dança): “o Coliseu está, desde o primeiro dia, nesse festival de uma forma particular, (…) uma vez que o espectáculo de encerramento é feito no Coliseu e é pensado para se relacionar com públicos que não são só especificamente públicos da dança contemporânea”. O Coliseu assume-se assim como divulgador e proporciona o encontro de “companhias e linguagens artísticas, que suscitam o interesse e o afeto de públicos, que se vão surpreender”. Em relação ao Festival DDD, Eduardo Paz Barroso não quer “levantar o véu”, mas garante a continuidade da mesma lógica de partilha no próximo ano.

O Coliseu é uma sala que não programa diretamente – o circo é uma exceção -, mas que gere programações muito diversificadas, “que tanto têm a ver como uma escola de dança, como com uma grande banda internacional e isso é muito importante e confere ao coliseu uma grande responsabilidade e ao mesmo tempo uma força, uma capacidade de concretização, que lhe é proporcionada pela diversidade enorme de públicos e de interlocutores com os quais interage”.

É um Coliseu que se constrói de relações. Relações com os artistas, com o público e com os apoios. Com os artistas, “é uma relação multifacetada”. Para os de digressão, por exemplo, “o Coliseu é mais ou menos uma casa, mais para mais do que para menos”, diz Eduardo Paz Barroso, não só do ponto de vista do edifício – de toda a história e arquitetura que lhe confere um caráter memorável -, mas também enquanto objetivo de carreira: “Todos os artistas acabam por ter uma relação distintiva e de afeto com a sala (…) dirigem-se para a sala de uma forma profundamente calorosa, logo não é indiferente”.

São vários os nomes de peso que já atuaram no Coliseu. De Maria João Pires a Miles Davis, passando por Rui Veloso, Pedro Abrunhosa, José Cid, Chico Buarque, Caetano Veloso, Yann Tiersen ainda este ano, ou Radiohead há uns anos consideráveis.

Se “para os artistas mais jovens é uma ambição chegar ao Coliseu”, diz Eduardo Paz Barroso, para os artistas mais maduros é uma “consagração”, observa.

Já com o público a relação é, segundo o presidente, de “afetividade e posse”. Tudo isto se prende com a lógica  e dinâmica de “amigos” em que o Coliseu está inserido, “é gerido por uma associação que são os Amigos do Coliseu. Esse foi o modelo encontrado, porque esteve para ser vendido a uma instituição religiosa, mas todos o queriam na posse da cidade”.

Aposta da Ageas e a necessidade de obras

Quanto ao futuro, o presidente da Associação Amigos do Coliseu tem objetivos traçados e mostra-se concretizado, frisando “que o Coliseu é Coliseu do Porto Ageas, (…) porque há um grande sponsor que investiu sem pedir praticamente nada, a não ser a associação do seu nome”. Esta parceria é como um voltar atrás na história, quando o espaço patrocinado pela companhia de seguros Garantia”. São os “homens bons da cidade”, refere o responsável numa alusão queirosiana.

Foyer do Coliseu do Porto

Foyer do Coliseu do Porto Foto: Lara Jacinto

A reabilitação da edificação será um dos próximos alvos, ao qual o Município do Porto já disse “presente”, restam apenas questões burocráticas, garante Eduardo Paz Barroso. “É um edifício muito velho, uma jóia da arquitetura portuguesa do Cassiano Branco, um património fantástico da arquitetura do espetáculo”, que é urgente recuperar.

Pode dizer-se que o Coliseu está em todo um processo de “renascimento” desde 2014: os poderes públicos colocaram o Coliseu “na agenda pública e política e foram também criadas condições para que se encetasse um caminho da recuperação, seja do ponto de vista da gestão, da relação com parceiros, ao nível dos espectáculos, da programação artística”.

Segundo Eduardo Paz Barroso “o Coliseu é uma casa de todos e para todos (…) a casa mais popular de todas. No Coliseu está a aristocracia e as peixeiras, os intelectuais e o povo”, um teatro sem linha artística específica “inclusivo, participativo, diversificado na composição cultural e social dos públicos e isso dá-lhe um enorme protagonismo, não só a nível político e cultural, mas também a nível social”.

Artigo editado por Filipa Silva