O Tribunal de Contas (TdC) deu parecer desfavorável ao contrato apresentado pela Câmara do Porto tendo em vista a implementação do projeto de reabilitação e exploração do antigo Matadouro Municipal, situado em Campanhã. O órgão de soberania informou a autarquia na última sexta-feira, a escassas horas do término do prazo legal que tinha para o fazer. A Câmara garante que o projeto “não está morto”, vai recorrer da decisão e deixa um apelo aos órgãos de soberania.

A fundamentação da decisão do TdC chegou à autarquia esta segunda-feira, à hora de almoço. Foi, assim, ainda sem ter presente o conteúdo das 176 páginas do acórdão que Rui Moreira fez uma declaração à comunicação social, ao início da tarde, com muitas críticas.

“Não conhecendo as razões do Tribunal, uma vez que o acórdão só foi formalmente recebido hoje já depois da convocatória desta conferência de imprensa, ousamos afirmar que esta decisão é uma intromissão inadmissível que põe em causa a soberania dos municípios”, afirmou o presidente da Câmara do Porto, acompanhado dos vereadores do seu movimento, do presidente da Assembleia Municipal do Porto e do vice-presidente da Junta de Freguesia de Campanhã.

Imagem virtual da zona circundante do futuro Matadouro. Foto: CM Porto

De acordo com o autarca, as questões colocadas pelo TdC visaram sempre “ora o modelo, ora a opção política” implícita no projeto, o que no entender do autarca extravasa as competências daquele tribunal que acusa de fazer “considerandos ideológicos” ao “arrepio da autonomia local”.

“Não pode o Tribunal de Contas assumir-se como uma troika interna, com poderes arbitrários para permitir ou não permitir, a seu bel prazer, que os executivos municipais decidam de acordo com o que entendem ser as suas opções políticas”, afirmou.

Todas as explicações foram dadas“, assegurou ainda ao autarca numa referência às três ocasiões em que a Câmara foi instada a dar esclarecimentos pelo TdC, desde que a fiscalização prévia do contrato foi solicitada em agosto de 2018. Além disso, esclareceu, “a Mota Engil acatou a recomendação do Tribunal e constituiu uma sociedade comercial anónima expressamente para o efeito, tendo como único objeto as atividades descritas no contrato”.

E colocou a hipótese: “Imaginemos que a Câmara, em lugar de entregar o Matadouro por 30 anos a um privado [neste caso, a Mota Engil] que se obriga a nele investir 40 milhões de euros, a cumprir o plano definido pela Câmara e a ceder a 8 euros o metro quadrado espaços fundamentais para a cultura e coesão social”, que em vez disso “a Câmara vendia a preço de saldo o espaço e nele deixasse que o privado fizesse o que entendesse, ficando para sempre na sua posse”, para concluir: “o Tribunal de Contas nem sequer teria que se pronunciar em nenhum dos atos que descrevi”.

Na longa declaração aos jornalistas, o edil do Porto frisou que o projeto é fundamental para a cidade, colocando-o acima de outros em curso como a reabilitação do Mercado do Bolhão ou do Pavilhão Rosa Mota: “O Matadouro Municipal é o game changer da cidade, como foi a Expo 98 em Lisboa ou o Metro do Porto”, referiu.

A Câmara vai agora “ler e analisar o acórdão”, mas já assegurou que vai “apresentar recurso“. O projeto “não está morto”, garantiu Moreira aos jornalistas.

Marcelo Rebelo de Sousa visitou o antigo Matadouro há duas semanas para conhecer o projeto.

Marcelo Rebelo de Sousa visitou o antigo Matadouro há duas semanas para conhecer o projeto. Foto: Pedro Soares Botelho

Ao Presidente da República – que há duas semanas visitou o local para se assumir “apaixonado” pelo projeto e dizer esperar que o “Tribunal de Contas fique convencido” -, ao Parlamento e ao Governo Rui Moreira deixou o repto para que olhem para que os autarcas das áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa têm dito a propósito dos vistos prévios, que o autarca entende estarem, em vários casos, a provocar unicamente perdas de tempo.

A autarquia tinha anunciado em maio que a Mota Engil saiu vencedora do concurso público internacional lançado para a reconversão e exploração do antigo Matadouro Municipal do Porto, onde se planeia instalar o futuro Museu da Indústria, um parque empresarial, espaços comerciais e de lazer e espaços de cariz cultural e artístico.

Pela exploração do espaço num período de 30 anos, a construtora portuense assumiria um investimento de 40 milhões de euros no local. Na mesma altura, foi anunciado que o projeto ficaria a cargo do japonês Kengo Kuma, arquiteto responsável pelo Estádio Olímpico de Tóquio.