Cansadas, infelizes com a vida e com mais trabalho do que os homens no que toca à educação dos filhos. São estas algumas conclusões da maior investigação sobre a situação da mulher já feita em Portugal divulgada esta terça-feira pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) e que “deverá representar cerca de 2,7 milhões de portuguesas”.

O estudo “As mulheres em Portugal: hoje”, coordenado por Laura Sagnier e Alex Morell, contou com a participação de 2428 mulheres residentes de Portugal, dos 18 aos 64 anos e que utilizam a internet com frequência.  Os critérios da pesquisa foram variados e abrangeram diversas temáticas para traçar a representatividade da mulher portuguesa, que vão desde os traços de personalidade, parceiros, filhos, trabalho remunerado e não remunerado até à família de origem, situação económica, assédio no trabalho e violência doméstica.

Escolaridade

Segundo a análise, 84% das filhas apresenta um nível de escolaridade superior ao da geração anterior. 36% destas concluíram o ensino superior, o que contrasta de forma clara com os 10% das suas mães. Já quando comparada a escolaridade entre os parceiros, é “habitual que as mulheres tenham mais habilitações, ou pelo menos as mesmas, do que os respetivos companheiros.”

As mulheres que tem um nível mais elevado de escolaridade, em média, ganham mais do que aquelas que estudaram menos. Além disso, é mais difícil abandonarem o trabalho e apresentam uma probabilidade menor de ficarem desempregadas, enquanto procuram outro posto de trabalho.

Trabalho Remunerado

Das mulheres que são ativas no mercado, 31% estão “muito felizes” ou “felizes” com o trabalho que têm, contrastando com as 51% que estão “infelizes” com as suas ocupações laborais. Para 14% das mulheres, o emprego que têm ultrapassou as suas expetativas, sendo que para 44% está “abaixo” ou “muito abaixo das expectativas”. Ao considerar estes índices, o estudo sublinha que “não se pode dizer que as mulheres se sintam particularmente realizadas com o trabalho pago, em Portugal”.

A maioria das mulheres que participaram da análise tem um trabalho remunerado: 71% são ativas no mercado; 10% estão desempregadas e encontram-se ativamente à procura de emprego; 10% já trabalharam, mas não estão à procura de emprego; 7% ainda estudam e apenas 2% nunca tiveram trabalho pago.

O que mais se destaca neste ponto específico é que “duas em cada três mulheres trabalhariam menos horas semanalmente, se tivessem essa possibilidade”, sendo que dois terços não ganham mais que “900 euros líquidos por mês”.

Partilha das responsabilidade familiares

No que toca às tarefas domésticas, e caracterizadas pelo estudo como “trabalhos não pagos”, as mulheres tem três vezes mais trabalho a seu cargo do que seus companheiros. Em média, elas executam 74% das tarefas domésticas, enquanto os homens ficam a cargo de 23%. Somente em 30% dos casais há equilíbrio na divisão das tarefas domésticas, o que representa menos de um terço.

Igualmente, as mães acabam por ter mais trabalho que os pais no que diz respeito ao cuidado e educação dos filhos.  As mulheres encarregam-se de 73% das tarefas parentais, contra 21% do lado dos pais. As restantes tarefas, que representam 6%, são desempenhadas por familiares ou através de ajuda remunerada. Neste quesito a análise conclui que “serão necessárias entre cinco a seis gerações para que se alcance uma distribuição paritária das tarefas domésticas entre mulheres e homens, nos casais em que ambos têm trabalho pago”.

Num cenário cada vez mais desequilibrado, quanto mais funções a mulher exerce dentro lar, menos tempo tem para si. Uma mulher que tenha um filho de 5 anos, executa um conjunto de atividades domésticas que ocupam 82% do tempo em que está em casa acordada. “Nesta situação, o tempo para si próprias fica reduzido a menos de uma hora por dia (em média: 54 minutos)”.

Felicidade

O estudo segmentou as mulheres numa escala de felicidade que vai de 0 a 10. Quase metade delas declarou-se feliz, totalizando 47%. No entanto, uma em cada três mulheres sente-se infeliz com a vida, representando 33%.

Através dos critérios que a análise utilizou para medir os fatores que podem influenciar positiva ou negativamente o grau de felicidade das mulheres, a que se mostrou mais significativa foi a pessoa parceira. 71% das mulheres tem um companheiro, de modo que as “que acertaram com a pessoa com quem partilham a vida costumam sentir‑se felizes não só com o companheiro ou companheira, mas também com a vida em geral, enquanto as que se sentem infelizes com a pessoa parceira costumam também sentir‑se infelizes com a sua vida em geral”.

Nas últimas linhas do estudo, o resultado compreendido é que “a situação vivida por muitas mulheres atualmente é insustentável, a vários níveis”, de modo que é possível ter “um impacto significativo na natalidade, no absentismo laboral, nos sistemas de proteção social, na educação das crianças e jovens, e nos índices de divórcio, para além do seu bem-estar e qualidade de vida”.

Com resultados tão contundentes, a equipa de investigação recomenda a consciencialização das empresas e a sociedade em geral a “traçar estratégias que permitam minimizar as barreiras enfrentadas pelas mães e pelos pais que têm trabalho pago, sobretudo quando têm filhos/as menores”, é possível ler.

O presidente Marcelo Rebelo de Sousa abriu a conferência com um discurso e, de seguida, os resultados do estudo foram apresentados por Laura Sagnier. A tarde contou ainda com uma aula magna sobre sobre a situação das mulheres no mundo com participação de Samantha Power (antiga embaixadora dos EUA na ONU), Freida Pinto (actriz indiana e ativista dos direitos das mulheres) e Ghida Fakry (jornalista de política e colunista do jornal Huffington Post).

Artigo editado por César Castro